Abril Sempre!
Na procura de uma memória coletiva sobre os preponderância da Revolução, Luciana Fina “resgata” do arquivo uma montagem, quase a cheirar a coletânea, de ventos que se defrontam numa ideia conceptual num ato. O 25 de Abril, ponto-chave, e de lá o Antes, o Durante e o Depois: o que se ganhou, o que se perdeu e o que se manteve. “Sempre”, título ou grito afirmativo das promessas, acalora corações, como a “venda” de um Abril retirado da normalização do seu calendário e transformado numa Primavera ideológica. Assim, deparo-me com os conselhos de “não descansar até o Abril se concretizar”.
Leia-se nos murais, nas faculdades, ouça-se das bocas dos idealistas, dos otimistas, dos sonhadores. Sonhar é fácil; acordar é mais difícil, porque é nessa sobriedade que nos damos por vencidos pelas frustrações do tempo. “Sempre” é um ensaio de intenções, imagens e sons costurados, projetados dias e dias numa parede de tijolos do átrio da Cinemateca de Lisboa. Ali encontrou uma textura que lhe condizia: o picotado retangular de cada peça compunha cada imagem como um puzzle, algo apenas sustentado pelo “poder da projeção” — essa luz tremeluzente como uma acidental alegoria de um país imaginado.
Porém, 50 anos de Abril levam-nos a estas comemorações. Mas a comemoração adquire asas próprias: chega Veneza, e a oportunidade de esta instalação virar filme é outro sonho acordado. Os italianos também comemoram o 25 de Abril — não o nosso, outro. Será que entenderão o peso das imagens que Fina acarreta no seu “Sempre”? Ou apenas as olharão como uma curiosidade de arquivo?
Para nós, portugueses, essas mesmas imagens são sentimentos: ora de compreensão, ora de indignação. As forças opostas — os saudosistas ou os que consideram que se perdeu a “essência” (qual, não sei) do primeiro cravo — encontrarão em “Sempre” uma propaganda contra o seu paladar. Os críticos “pés-de-barro” virarão costas, como sempre (e “Sempre”). Não foi para eles que o filme foi feito.
Luciana Fina demarca-se num ensaio cujo sabor difere conforme o espectador. Há quem o veja como uma continuação de uma luta. Há quem o entenda como uma desilusão: às influências de Abril, ao engodo, à traição e, sobretudo, à decepção trazida pela engrenagem política. “Bom Povo Português”, de Rui Simões, documento crucial dessas paradas, igualmente serviu-se de imagens para demonstrar o fracasso acima da exaltação. Muitos viram o ato como uma traição à Pátria, uma patranha, sem conceber a hipótese de que a crítica é o avanço da sociedade.
“Sempre” nunca obtém tal sentimento, até porque é um objeto do seu tempo, deste tempo, em que se olha para a Revolução tentando encontrar um fio condutor. Quem sabe, para seguir até esse sonho, cada vez mais distante, de um Abril Sempre.