Abrem os vossos chapéus! Lá fora chove musicais ...
Muito escrevi sobre "Les Parapluies de Cherbourg”, seja no seu primeiro “comeback” às salas em 2017, seja em reflexões sobre a sua natureza, representação ou até na memória de Nino Castelnuovo. O seu retorno, agora em pack-retrospectiva nos cinemas, faz-me querer revisitar Cherbourg, a cidade portuária próxima de Nantes (já em “Lola” se pressentia essa proximidade), onde somos recebidos por uma torrencial chuva e chapéus em tons pastel que abrigam amores a recitar os códigos shakespearianos. Tudo ali parece encantado, sem fronteiras nem países, um contraponto às bofetadas de cinzentismo da realidade, enquanto Michel Legrand se mostra incansável na sua batuta. Porém, não se deixem enganar: a crueldade do destino está aqui presente como em nenhum outro lugar. Foi desta mesma crueldade que Damien Chazelle bebeu para criar “La La Land”.
E porque não suspirar pela jovialidade de Catherine Deneuve, hoje um verdadeiro património francês? Ainda assim, o que “Les Parapluies de Cherbourg” continua a revelar na contemporaneidade é o nosso preconceito – natural ou talvez nada natural – em relação ao musical. Um género outrora visto como escapismo na era dourada de Hollywood, que hoje resiste aos moldes e simulacros da ficção convencional. Leos Carax fez amor com o género, troçou dele e cuspiu-o em “Annette”. A reação foi morna: de um lado, rosas; do outro, assobios. Já o Joker dançou ao som de velhas canções porque Todd Phillips quis “agredir” o mau espectador (e merece essa agressão) que o cinema abriga nos seus “guarda-chuvas”. Foi incompreendido, em parte pela infantilização do público e da crítica, que antes veneravam o palhaço-psicótico. Por sua vez, Jacques Audiard usou um embalo de falso-trash para abordar narcotraficantes e mudanças de sexo no divisório “Emilia Perez”.
No meio disto, há Broadway [não podemos deixar de lado o fenómeno “Wicked”] ou revivalismos do classicismo ["West Side Story" de Spielberg]. Contudo, no fundo, o espectador repudia: “O único género que não suporto é o musical.” Talvez haja um problema nesta frase, porque a sua banalidade lhe retirou a verdade. Nascemos preconceituosos enquanto espectadores. E enquanto isso, “Les Parapluies de Cherbourg" mantém-se como um dos grandes do seu universo, musical ou não. Afinal, as grandes histórias merecem ser cantadas.