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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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A sombra do marmeleiro

Hugo Gomes, 27.10.22

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As grandes montanhas são vistas à distância, as pequenas é preciso aproximarAntonio López

Para quem estiver a ler este texto, perderá e muito a pertinência transmitida por Irene M. Borrego neste seu concebido filme, até porque, para tal experiência é importante desconhecer qualquer indício de existência de Isabel Santaló. Primeiro, como mote ao tema latente - o esquecimento que paira nesta artista - e segundo, a inquietude e a indefinição da existência da mesma. 

A realizadora confronta diversas vezes Santaló, da sua memória e da sua auto-percepção enquanto artista, fala-se em subvalorização ou até negligência por parte do núcleo artístico madrileno (acrescenta-se sexismo), de outra maneira entendemos a uma síndrome “Norman Desmond” no preciso momento em que a anciã debate com a realizadora (do qual somos informados tratar-se da sua sobrinha) sobre a sua própria relevância. Aí o filme joga no campo da ilusão e da incerteza, o espectador é embarcado nessa dúvida que metamorfoseia em algo à parte do mero biopic ou obra-tributo. Longe do resgate que poderia suscitar neste gesto, este “La Visita y un Jardín secreto” é uma confrontação com "fantasmas interiores”. 

Para Borrego, as comparações com a sua tia, ouvidas vezes sem conta nos seus “verdes anos”, a perseguem, assombram-na como sinal de imprecação lançada pelo oculto conservadorismo às mulheres que desejam a emancipação. A realizadora guarda para si essa ambição e igualmente essa resistência em deserdar qualquer maldição ou espectros agarrados. O resultado, possivelmente, é esta “desavença” com a pessoa que a mais lhe assemelha, a sua tia “maldita”, a “artista da família”, a única, Isabel Santaló. Obviamente que o “inimigo” é fabricado, Isabel não é a antagonista na história de Irene, mas antes a sua dura inspiração. O destino hoje deparado, em que a idade é uma vilã tendo como aliada a solidão, invoca o maior temor de Irene

Dito desta forma, “A Visita e um Jardim Secreto” é uma farsa de filme, encosta-se como um “filme de artista”, mas é mais que isso, um filme sobre buscas internas em divãs proporcionalmente cinematográficos. Irene M, Borrego inconscientemente concretizou um filme sobre ela própria (se bem que os artistas falam deles próprios através do seu ofício). Isabel, o seu esquecimento (curiosamente, contamos com um voz-off de António López, o pintor de “El sol del membrillo” ["O Sol do Marmeleiro"] de Victor Erice, o único artista que declaradamente se lembra dela), a sua força enquanto mulher e artista, os seus quartos “secretos”, revelam-se como parte dessa tela. 

“Serás como a tua tia Isabel”