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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

A mãe de todos os males

Hugo Gomes, 16.04.23

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"Mommy's with the maggots now."

Podemos dividir por dois grupos as pessoas desta vida: as que preferem “Evil Dead”, o original de 1981, terror prático e estapafúrdio (classicamente falando), e as que optam pela sequela / refilmagem “Dead by Dawn”, em 1987, que implantou (ou será melhor induzir a palavra “assumiu”), a paródia no seu estilo grotesco e revanchista do cinema de terror 80’s. Portanto, ambas as facções poderão guerrilhar qual destas duas nuances é mais apropriada a esta mitologia, enquanto que Hollywood, ordenhando a sua “vaca milionária” (como costume), explora o filão, ora com remakes como a localizada em 2013 sob a assinatura de Fede Álvarez (sujeito acidental que conquista uma certa admiração numa igualmente certa fatia cine-intelectual), que funcionou numa padronização da sua fórmula, ou nesta releitura intitulada de ”Evil Dead Rise”, a espécie de sequela / reboot / reformulação que ninguém pediu mas que nos chega com um certo fulgor nostálgico. 

Abrindo com a mais vulgar das vulgaridades em registo “cabanas da floresta”, finalizando com um gorduroso título do qual o filme se apropria, partimos em seguida para um prédio em semi-abandono, segundo consta a demolição do mesmo está próxima e os seus habitantes possuem apenas um mês para se retirarem definitivamente. Dos que resistem, deparamos com uma família disfuncional, Ellie (Alyssa Sutherland), mãe de três’, cujo companheiro “desapareceu” por conta própria, recebe numa determinada noite a sua irmã, Beth (Lily Sullivan), com assuntos pendentes e “um” no ventre. É nessa mesma noite, tempestuosa, que um misterioso terramoto abala aquele mesmo edifício, convertendo-o numa improvisada masmorra. Um livro sinistro revestido em pele humana surge como “obra de espírito santo” (ou será o contrário?), e uma maldição propaga nos seus corredores, Ellie, outrora mãe zelosa, converte-se numa criatura demoníaca encarregue de levar todos os “sobreviventes” para o quinto dos Infernos. 

Lee Cronin (“The Hole in the Ground”) faz deste pré-fabricado universo uma variação diluída nos elementos idiossincráticos do seu cinema oitentista: os efeitos práticos ao gore criativo e os splatters em modo lúdico, apoderando-se de uma atmosfera artificialmente sintética naquela pequena comunidade. Acrescenta-se ainda uma antagonista maliciosamente sedenta de protagonismo para o sucedido, relembrando da invocação ainda presente nos prólogos da maldição em curso, cujos dois jovens convidam a vizinha para assistir uma maratona dos “filmes do Freddy Krueger”, “incluindo os maus” interpela o mais novo, automaticamente respondido pelo mais velho com “não existem filmes maus”. 

Ou seja, Cronin aplica as lições de um terror nostálgico, sobrevoando o legado “Evil Dead” e piscando os olhos a “Night of the Demons” (de Kevin Tenney [1988], um dos filhos da saga de Raimi, e dos quais implicou-se em afastar do burlesco que a sequelas / revisões se tornaram), como aventurando-se através de salpicos de “The Thing” (o body horror maleavelmente diabólico) ou, como já fora mencionado, “A Nightmare on Elm Street”, mais concretamente Freddy Krueger, o fala-barato assassino de slasher santificado por Robert Englund, que intimidava as suas vítimas através de espectáculos / encenações de automutilação, sendo demonstrações das duas capacidades corporais, além da mera carne, para lá do seu estado terreno. A monstruosa Ellie não é mais que um embrião desse vulto, usufruindo tamanho bullying para atormentar as suas presas, antes destas conhecerem os seus abruptos fins, apercebendo que a dor, eterna promessa dos infernos dantescos, conforme sejam, é uma “porca” realidade. 

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“Evil Dead Rise” é essa salganhada arquitetada num tributo a esse mesmo cinema de sustos e arqui-sustos, com os seus esperados calcanhares de Aquiles (as personagens que teimam em tomar as piores decisões em situações limites) e com essa ambição do zero, o de acompanhar o que fora feito e não transgredir iguais territórios. Desta feita, aquele edifício-prisão, imagem persistente no cinema de terror (e não só) enquanto caixas-de-pandora de perdidos e achados, a sua evasão reside na esperança a um horror algo voyeurista, contemplado num angular point-of-view que mimetizar o peeping tom que assume como estética de perspetiva.

Que a verdade não nos coma a língua: ninguém pediu outro episódio de “Evil Dead” (sem ser um regressado Sam Raimi e a continuação do seu anti-herói brutamontes Ash via Bruce Campbell), mas o tendo à nossa algibeira, não deparamos ofensa alguma em saudá-lo. Trata-se de um semi-frio com contas a ajustar a um legado, a um terror que se parece com tudo e igualmente se parece com nada. Com isto, mesmo com formulações e reformulações, existem ideias e execuções mais bem empregues aqui do que na enésima revisão de 2013, nisso, sim, é um feito. 

Contudo, devemos salientar que, perante o horizonte em queda de um determinado cinema norte-americano industrial, é no terror que descansamos "as vistas" com alguma vitalidade. “Evil Dead Rise” poderá não ser a quintessência do seu género, mas é fruto desse pequeno esforço.