A estranheza da mudança em teias plásticas
As mudanças forçam a nossa adaptação e versatilidade, e possivelmente, enquanto seres sociais mudámos … e muito … nos últimos 20 anos. Já em matéria de Cinema, para além desta arte ter contraído novos horizontes, temáticas, linguagens e protagonistas, a sua relação com o espectador e vice-versa, também alterou. Já não conseguimos encarar a artificialidade, exigimos realismos nas mais diferentes formas, e com base no nosso pedido é isso que obtivemos, maioritariamente, nos últimos tempos.
As exceções raras são como choques repentinos em espectadores amnésicos de que o Cinema pode ser um trabalho estético, fingido e porque não brechtiano (conduzir-nos por uma desconstrução e um contacto direto e assertivo com as audiências). Obviamente que, “The Girl and Spider” da dupla suíça Zürcher (os irmãos gémeos Ramón [realizador] e Silvan [co-argumentista]), não veio inventar, nem reinventar esse “faz-de-conta” cada vez mais negado. É um filme artificial, sim, porque nele detectamos um esforço, uma dedicação e um isolamento das tendências que se vigoram. E visto falarmos em mudanças, a obra é uma em curso, e como ela vem despoletar sentimentos, relações, olhares e encantos. Pois bem, os Zürcher criaram um biótopo cerrado, onde as personagens pavoneiam e percorrem cada centímetro como “bonecos” sem autonomia alguma, aguardando pela sua vez de “brilhar” no palco central. E a mudança, a “causa” de toda esta barafunda delicada é surgida na forma de uma “rapariga”, a “Girl” do título, uma deslocada protagonista de conto-de-fadas.
Mara (Henriette Confurius), perante a saída da sua colega de apartamento Lisa (Liliane Amuat), é essa mesmo força em curso. Ela “provoca”, “seduz” ou “leciona” as personagens em passagem (a viagem está sempre presente no espírito da obra e as notas ouvidas de “Voyage, Voyage”, dos Desireless, são um comité de despedidas), conduzindo-as a um mar de desejos e fantasias nunca indiciadas, enquanto revela as suas (dotadas de algumas morbidez e sadismo). Há um efeito fantasmagórico na sua persona assim como no contacto com os outros “peões”, uma domadora de aranhas que guia o espectador à inconsistência do seu meio, por entre excentricidades envolto (assim como esse invertebrado de oito patas conduz a presa ao centro da sua teia).
Digamos que as personagens revelam as suas intimidades por quem não as detém qualquer compaixão. Quanto ao filme em si, a conduta de espaços limitados, fechados, e em sua maneira assombrados por eventos sem explicação (ou porque não se sente o direito de dar uma), não impede a dedicação dos irmãos Zürcher em compor um plano, um ângulo, uma perspetiva, um “palanque” (como quiserem chamar) para as suas figuras de endereço.
É um cuidado formal que não se vê frequentemente em jovens nestas demandas “festivaleiras”, mas é mais uma razão para a sua coragem em assumir a artificialidade em tempos “modernos” que se requer (ou suplicam) pelo imediato e pela representação exata (o realismo tornou-se numa espécie de simulacro o qual todos desejam aproximar). Assim, nos é oferecido uma fábula burlona e eclética intercalada por planos POV (point-of-view) que fundamentam uma ideia de natureza morta para um incógnito inventário. Aliás, é como a tal mudança em curso, há que organizara para não deixar nada para trás ou por contar. Contudo, caso isso suceda, não há preocupação, descartar faz parte do nosso crescimento pessoal e este filme é todo ele um processo de crescimento (até na sua forma).
“A beleza não pode ser conservada, assim como os rouxinóis”