A esperança está do outro lado, assinado Kaurismäki
Tentei entender o porquê de Aki Kaurismäki ser dos melhores cineastas contemporâneos a abordar a crise migratória na Europa, a resposta parece ter sido encontrada no seu pragmatismo, seja formal, seja performativo, e na igual maneira com que o realizador secundariza os trajetos das suas personagens, estas, não motivadas pelos seus desejos, mas sim pelo senso de oportunidade.
Exemplifico com um dos filmes considerados menores da sua carreira - “Shadows in Paradise” (1986) - e faço através de duas sequências, algo naives ou puramente fúteis (assim parecem) deste enredo secular de “boys meets girl / girl meets boy”. A primeira, tendo com a nossa “girl”, Kati Outinen, dirigindo-se a uma residencial a fim de pernoitar a noite. O recepcionista é nada mais, nada menos que um peculiar Kaurismäki de cigarro na mão, que após lhe informar sobre as condições do quarto, acrescenta em tom de de rodapé que o estabelecimento encontra-se lotado. “Porquê que não disse isso logo”, lhe dirige furiosamente Outinen (apesar de nem notar com a sua interpretação kaurismakiana), rompendo a cena e partindo para o apartamento de Matti Pellonpää, o nosso “boy” Nikander, o protagonista, o “homem do lixo” com sonhos falados em inglês (dessa maneira servem as suas aulas linguísticas, preparação para um eventual exodus).
A narrativa prossegue, o casal ali formado, e convém sublinhar, plenamente desinteressado em romances ‘bacocos’ ou satisfações pessoais, parte para um prometido jantar romântico num restaurante de alto-gabarito, à porta do mesmo, a comité de boas-vindas informa sobre a indisponibilidade das mesas. Como alternativa de última hora, a dupla faz de uma rulote o improvisado "bagulho do amor”. A vida é curta, ressente-se na canção que ecoa a poucos segundos da entrada dos créditos finais, nesse momento, o “homem-do-lixo” e a “loira enfadada”, partem num cruzeiro para a Tailândia, sem preparativos, nem planeamentos. O mar sempre esteve na mirada deles, a praia converteu-se neste conto à la Kaurismäki no motivador pouco casual do seu alienado romance.
Aquela vida, na Finlândia cinzenta, não lhes serve de maneira alguma, são seres deslocados, desesperadamente evadidos do seu território, e da outra margem oceânica, hipoteticamente falando, imaginam o que poderá ser o outro lado da esperança. Kaurismäki, hoje residente em Portugal, sempre se sentiu atraído pelo horizonte fora em busca de outros sonhos, porém, são as alternativas que o verdadeiramente preenchem. Em matéria de “refugiados”, partindo por desespero ou em esperança, algo melhor que os trará, uma ilusão, ou antes uma desilusão, apenas apaziguada com a secundarização das suas vidas. Não existe nada de “fancy” no cinema de Kaurismäki, apenas o aceitável no irremediável. Plano B aqui vamos nós!