A Educação da Morte
Lidar com a morte não é uma essência exclusivamente humana, acredita-se que os elefantes, por exemplo, choram pelos seus mortos e os recordam através de alguns rituais testemunhados, mas é na consciência da nossa própria mortalidade que nos diferenciam do restante Reino Animal. Contudo, esses motivos propícios à melancolia não nos são inatos – aprendemo-los, ou melhor, vivenciamo-los. A forma como encaramos a morte, refletindo sobre ela, reagindo ou ritualizando a sua passagem integra um processo de crescimento e amadurecimento, representando em muitas culturas o rito definitivo de entrada no mundo adulto. Mas como ensinar a morte? Como transmitir esse conhecimento desde tenra idade?
Na nossa sociedade ... ocidental para sermos exatos ..., a morte tornou-se banalizada, permeando os meios de comunicação e as suas diversas plataformas: o audiovisual transborda dela, os videojogos não se sustentam sem o seu toque – por vezes quase lúdico – e as histórias que nos são narradas exaltam-na; daí nascem heróis e mártires, enquanto a religião converte esse estado no seu lar de fé. No cinema, a morte também se faz presente – ora dissimulada, noutras suavizada da sua iminente violência –, e o ceifeiro autocensura-se, semeando, assim, a semente de uma consciência. Quem não sentiu o trauma da perda da mãe em “Bambi” durante a infância? Evidentemente, um marco geracional. Da mesma forma, a Pixar recorre a esse artifício para intensificar a carga emocional, em contraposição à esquadria do cinema de super-herois com multiversos à mistura para arrancar a consequência da morte, fazendo dele uma espécie de conforto na banalização.
E é nesse contexto de banalização – imerso no boom tecnológico e sociológico proporcionado pelas redes sociais – que surge “Death Education”, curta-metragem do ainda jovem Yuxuan Ethan Wu, concebido num mundo pós-Covid, cuja morte se espectacularizou no mediatismo dos dias conturbados. Inspirado pela iniciativa de um professor de secundário que anualmente conduz os seus alunos a entrarem em contacto com a morte de vários desconhecidos [“sem nome”], durante o Dia da Limpeza dos Túmulos (Festival Qingming), festividade chinesa que homenageia os falecidos, e voluntariarem-se em cargos fúnebres. Wu encontrou neste ritual a curiosidade que o levou a criar um documentário imbuído de sentimento semelhante. Por meio de um manifesto observacionalista (quase wisemaniano, daí evidenciar a sua "escola", americana convém salientar, enquanto documentarista), interroga como os jovens, na sua plena flor, podem confrontar a morte, possivelmente acostumados à sua vulgarização.
O que impulsiona um professor a incitar os seus alunos a demonstrar um sentimento tão genuíno como o luto, o respeito e a despedida fúnebre? Seria um simples trabalho de casa ou, quiçá, uma semente semeada para futuras gerações, nutrindo uma empatia não só pelos vivos, mas também por aqueles que deixam este mundo e mergulham no desconhecido? Ou, ainda, pretende transformá-los numa plateia memorialista, recordando “quem” ninguém mais relembra – um isolamento que persiste mesmo após a morte? Há toda uma educação a ser observada neste ato, e “Death Education” emerge dessa inquietação … nunca fornecendo respostas definitivas, ao invés disso alimentando a curiosidade – tal como o realizador, cujo apetite o conduziu à criação de um filme. Por vezes, são esses pequenos detalhes que levam os documentaristas a serem documentaristas por inteiro.
Filme visualizado no contexto de Sundance Film Festival