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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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A derradeira birra

Hugo Gomes, 24.11.16

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O ator de 26 anos, Brady Corbet, joga de “cabeça” para a cadeira de realização e a sua proeza de transmitir os elos comuns entre as diferentes infâncias de ditadores é por si, um ato de tirar o chapéu. Esta sua primeira longa-metragem é um perfeito exemplo de como o terror é um género mestiço, sem idiossincrasias que o podem identificar num “só estalo“. Com claras influências de “The Omen” (Richard Donner, 1976) e de “Rosemary’s Baby” (Roman Polanski, 1968), “The Childhood of a Leader” é um corte dramático que transmite uma atmosfera em total sufoco, onde a tragédia é já uma premonição real e profetizada, e nela as personagens lutam ao sabor dos ventos de mau agoiro para contornar tal marcante destino.

Uma criança de perigosos ideais, sob um evidente rancor e golpes vingativos em pleno crescimento no seu íntimo, Brady Corbet dirige Tom Sweet (o nome revela-se numa paródia jocosa à sua personagem), que maneja todo este ódio na criação de um “pequeno monstrito” em ascensão para uma ameaça global. No centro deste ódio proeminente, encontra-se Bérénice Bejo num papel que partilha a mesma repudia que a personagem de Sweet, esclarecendo que em cada “psicopata” existe uma ligação umbilical com a sua matriarca. O confronto entre as duas forças faz-se sentir numa narrativa dilacerada em capítulos recorrentes a “birras“. O ringue está montado, o espectador é o testemunho desta “origem” maldita com livre inspiração num conto de Sartre, que nos transporta para um ambiente de negligência afetuosa e disfuncional, o berço de um perverso “pensador“, que analisa cuidadosamente a sua insaciável vendetta.  

Se por vezes a câmara de Corbet revela genialidade com tendências suicidas (existe um dilema à lá Antonioni na sua sequência final, onde esta parece ser autónoma do seu manejador), é na banda sonora composta por Scott Walker que se contrai toda essa suspeita crescente. Apesar da “burguesia” envolto desta infância, tendo em conta que os grandes ditadores e infames líderes não obtiveram tais condições nos seus “verdes anos”, “The Childhood of a Leader” é,  apesar disso, uma das mais entusiasmantes e corajosas conversões de realização vista nos últimos anos. Corbet foge a “sete pés” do destino marcado dos atores convertidos a diretores e sustenta um filme verdadeiramente assombroso, e o refere da forma mais sugestiva e misteriosa possível.