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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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A Cicatriz ...

Hugo Gomes, 19.11.24

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Eis-lá! Temos aqui a adaptação de “A Cicatriz, de Maria Francisca Gama, aquele best-seller português que “descortinava” as causas e efeitos envoltos na violação de uma turista portuguesa em terras cariocas, sob o tenebroso manto da perversidade política. Em “Vidro Fumê”, de Pedro Varela, antigo cúmplice de Leonel Vieira, e com o guarda-chuva protecionista do inevitável “baseado em fatos verídicos”, encontramos novamente um relato de violação — desta vez, em consequência de um sequestro perpetrado por “favelados” contra uma gringa. Sim, é esse o termo que exaltar, gringo, ou diria melhor “estrangeirado”! É aí que a visão do Rio de Janeiro parece ficar cristalizada, presa nessa bolha de estereótipos, por mais que se proclame haver “investigação” ou que se invoquem apoios na “história-exemplar”: já não há escapatória deste cansaço narrativo de “favela movie” [modelo mais que importado depois do seu boom em território nacional] temperado com simplistas toques de denúncia social!

Quanto ao parentesco com “A Cicatriz”, até a sua incoerência parece ter sido fielmente transportada. Se o livro sofria de má escrita, o filme padece de uma narrativa faminta por chocar à custa de uma realidade — essa mesma, duvidosa - e, como se não bastasse, temos o literal milagre de Nossa Senhora, a beatice enfiada via “garganta funda” no momento do clímax, nunca chegando a compensar a bidimensionalidade das personagens, as suas decisões / atuações dignas de fazer qualquer um bradar aos céus. E eis o verdadeiro canto e encanto divino: uma carrinha que muda de cor pelo menos três vezes numa única noite agitada pelas ruas do Rio. E antes que haja dúvidas, sim, é a suposta e mesma carrinha. 

Depois, lá surgem uns pirilimpimpins de panfleto combativo, encavalitados numa personagem secundária — como também secundarizada (Mari Oliveira, “Medusa”) —, uma mulher negra de periferia (não vá tirar o protagonismo dos estrangeiros “capturados” na “fauna selvagem” do Brasil, triste vida!). E não podia faltar a ingenuidade do meio criativo: gente que claramente conhece o país através e apenas em dois filmes — “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”. É quase ofensivo. Não só o retrato do Rio de Janeiro para estrangeiro ver (e temer), mas também a sua concepção. Deslavada, embaraçosa, e, atrevo-me a dizer, intensamente encaralhada enquanto co-produção brasil-americano. É a “A Cicatriz” de Varela … preservando as suas maleitas.

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