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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

A "americanização" do cinema dos "portugueses de bem" ...

Hugo Gomes, 05.06.25

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Não há tanto tempo assim … semana passada vá … numa entrevista destinada a promover o seu último trabalho, Vicente Alves do Ó afirmou com todos os seus dentes que os “portugueses não se reveem no seu cinema, naquelas histórias”. A ‘bujarda’ foi lançada sob o escudo de “Os Portugueses”, essa sua obra, enquanto, em portas da estreia, conversava com colegas críticos, que referiam-o como algo obsceno e oportunista aos simbolismos do 25 de Abril. Nesse quadro, a questão impõe-se pertinente: serão os críticos dignos da nacionalidade portuguesa?

Antes de mais: o que são, afinal, os “portugueses”?

À data do qual me dirijo a esta (qualquer coisa) de crónica, ainda não meti olho no filme do Alves do Ó, mas não pude notar nesse seu discurso uma perigosamente proximidade de um preciso slogan populista. A da invocação “portugueses de bem”, tentativa de dividir águas entre um certo ideal de portugalidade e o respectivo simbolismo cultural. Confirma-se, porém, que o realizador joga do outro lado do campo ideológico. Continuando, talvez os meus colegas estejam enganados: não seria a primeira vez, ou talvez eu próprio esteja a ser injusto ao associar o realizador de “Al Berto” e “Florbella” a essa lógica que nos atravessa com inquietude nestes incertos ventos, marcados por um clima político instável e forças emergentes glutonas do caos e das inúmeras frustrações. Caixas de bolos sortidos de frustrações é o que é!

Mas deixemos Vicente Alves do Ó sossegado, pois não é nele que desejo centrar-me. Quero, sim, reter-me na imagem acima (a do lado esquerdo): a tal “americanização do cinema português”, no 10º Encontros do Cinema Português, evento promovido pela maior distribuidora actualmente em actividade no país, a mesma que, não há muito, foi incapaz de promover um filme da sua própria chancela distributiva. “Os Infanticidas” angariaram uns vergonhosos 70 espectadores [post-it]. A tendência é sempre culpar os filmes e nunca os públicos. O contrário poderá suscitar reacções por parte de quem se sente ofendido, culminando em acusações óbvias de elitismo e condescendência deste género (peço perdão pela aludida interpretação) . No entanto, se olharmos com atenção para o que se consome nas salas de cinema em Portugal, perceberemos bem a escassez de paladar entre os múltiplos e diversos públicos, e não falamos apenas, nem sequer produção restrictamente “portuguesa”, nem dos públicos enquanto somente “gente da nossa terra”.

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Os Portugueses (Vicente Alves do Ó, 2025)

Assim, “americanizar” o cinema luso, como alguns propõem, talvez através das guinadas de Leonel Vieira, no mimesis de segunda aos formatos hollywoodescos ou das cuspidelas televisivas lançadas em grande ecrã, é esvaziá-lo de identidade. É, de uma forma ou de outra, colocá-lo numa competição desleal com produções mais abastadas, atirando-o para o ridículo ou para um provincianismo confrangedor. Continuamos a culpar os filmes em vez de fomentar o espírito crítico nos públicos. A Cultura, essa, encaixada entre as pastas da Juventude e do Desporto … talvez porque, para certa Direita, tudo venha do mesmo pomar.

É nessa dissociação que se realizam os Encontros do Cinema da NOS: entre risinhos e copos, com pitchs onde produtores e profetas dançam com ideias suas perante o julgamento de uma plateia de possíveis compradores desinteressados, sob o lema do promotor de que o cinema português precisa de ser isso mesmo … “americanizado”. Mas o cinema português, esse nosso apanágio, as nossas dores, não é perfeito (discute-se!), só que é nosso. E que maravilhas estão lá, escondidas! Basta espreitar. Para isso, é preciso que o público cultive a curiosidade.

Quanto a Vicente Alves do Ó, muitos portugueses - inúmeras espécies de portugueses - já se identificaram com o seu cinema: uma comunidade com “Lobo e Cão”, umas determinadas sensibilidades com “A Metamorfose dos Pássaros, os joviais fora de prazo com “Verão Danado”, os emigrantes com “Via Norte”, os marginais e sonhadores com “Manga d’Terra”, os lisboetas com “A Vida Luminosa ou os nostálgicos com “Ramiro”... continuaria por aí fora. Sabem porquê? Porque o português não é um só. São muitos. E são variados. Variações até!