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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Nos bastidores da Páscoa!

Hugo Gomes, 12.04.20

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Monty Python's Life of Brian (Terry Jones, 1979)

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King of Kings (Nicolas Ray, 1961)

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The Last Temptation of Christ (Martin Scorsese, 1988)

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The Passion of the Christ (Mel Gibson, 2004)

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Il Vangelo secondo Matteo (Pier Paolo Pasolini, 1964)

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Acto da Primavera [Manoel de Oliveira, 1963)

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Multiple Maniacs (John Waters, 1970)

A Década '10 traduzido a Cinema Português

Hugo Gomes, 19.12.19

O que reter numa década de cinema português? Um desafio difícil e um pouco ingrato, esse de deixar de fora uma produção que tem lutado contra anos zeros, faltas de apoios, público e por vezes falta de ideias. Mas este é o cinema que amo com todos os seus defeitos e virtudes (alguns dos filmes mais belos são sem dúvidas portugueses). Como tal, eis os 10 selecionados para marcar 10 anos de arte à portuguesa.

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A Batalha de Tabatô (João Viana, 2013)

Verão Danado (Pedro Cabeleira, 2017)

A Fábrica do Nada (Pedro Pinho, 2018)

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Cartas da Guerra (Ivo M. Ferreira, 2016)

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Tabu (Miguel Gomes, 2012)

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Vitalina Varela (Pedro Costa, 2019)

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Mudar de Vida - José Mário Branco, a vida e a obra (Pedro Fidalgo e Nelson Guerreiro, 2014)

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Ama-San (Cláudia Varejão, 2016)

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O Gebo e a Sombra (Manoel de Oliveira, 2012)

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As Mil e uma Noites (Miguel Gomes, 2015)

O pão de cada dia obriga a um esforço constante

Hugo Gomes, 20.03.19

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O pão de cada dia obriga a um esforço constante, de que o homem sai significado.

Faltava pouco para Manoel de Oliveira fazer o seu grande salto, não com isto afirmando que o cineasta não era ainda, isso mesmo, um cineasta. “Douro, Faina Fluvial” (1931) é, como todos sabem, a sua entrada pela porta grande, no qual deparamos com um realizador experimental quanto à construção da lógica do Tempo. Um tempo fabricado que Oliveira teceu através do quotidiano que testemunharia nas margens do seu Douro, porém, foi também o tempo que encarregou de o valorizar. Mas Oliveira continuou, persistindo em filmes de encomenda (uma forma de subsistência) até conseguir o seu feito ficcional com “Aniki Bóbó”, em 1942, uma pausa pelo qual depois retornaria a outros projetos documentais / propagandísticos como “O Pintor e a Cidade” e “O Pão”.

Produzido pela FNIM (Federação Nacional de Industriais de Moagem) de forma a celebrar o seu vigésimo quinto aniversário, o filme foi concebido, segundo as palavras do próprio Oliveira, como a materialização da “ideia de que o pão é um rio que passa por vários lugares“. Mas a corrente idealizada levou a um trabalho de quase uma hora que não agradou, nem ao realizador, nem sequer aos encomendantes presentes na projeção especial que decorreu no salão de festas da Feira das Indústrias Portuguesas, a 28 de novembro de 1959. Para estes, foram as imagens de “pequenos ditadores” que o filme transparecia acerca deles. Para Oliveira, foi a sua abrangência que não ostentou a fluidez pelo qual trabalhara. 

“O Pão” segue a jornada de fabrico de tal suplemento “divino”, e simultaneamente em paralelo com todos os quais o destino se cruza nesta manufaturação, desde os jovens camponeses que proclamam os votos matrimoniais até ao trabalho árduo no campo, passando pela sua distribuição e os diferentes destinatários, sejam eles o guloso da pastelaria, ou a criança de rua pronta a saciar a fome. O pão de cada dia, assim como é lembrado no início do filme, o divino e a divindade juntos para reforçar a vida de uma Pátria. Claramente, a obra de Oliveira apresenta-se como um objeto de fascínio do regime da época, carregando nas vontades leccionadas por Salazar: a Família acima de tudo, Deus acima de nós e o Pão como elo que interliga os imortais e mortais. É um imagem sacra, do trabalho exaustivo e ininterrupto para a concepção de tal herança. O português a ser escravo do Pão, ao invés do oposto.

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O Pão” é isso mesmo, um rio fabricado sedento de ribeiras e afluentes, ligadas a uma só trajetória, o plebeu satisfeito com a vivência de mais um dia, somente mais um. Mas o rio planeado encontra os seus problemas de forma, até porque a foz deságua na mesma nascente. Voltamos aos campos, às mãos calosas e gastas, regressamos aos jovens ignorantes que piamente acreditam nas forças desmesuradas para além da mortalidade e o pão como carne do Messias que certo dia prometeu retornar. Mas é uma linda foz … diga-se de passagem …  os campos de trigo que ondulam ao sabor do vento como um mar agitado e igualmente sereno e as searas que chocalham perante estes; um som tão equivalente ao horizonte longínquo do Oceano. Sim, o mar que Oliveira queria chegar, mesmo que por vias não desejadas. Foi uma tentativa de recriar a desfragmentação de montagem que “Douro, Faina Fluvial”, e quem sabe guiar-se por essas mesmas linhas para reencontrar tempos outrora gloriosos. A correnteza do Douro replicada na gestação do Pão.  

Dito isto, a resposta de Oliveira surgiu quatro anos depois com uma versão curta a fim de restaurar essa ideia de fluidez. A sua primeira projeção aconteceu por ocasião da sua própria homenagem na Casa da Imprensa em Lisboa (27 de setembro de 1963). Altura perfeita para essa remodelação, porque foi aí nesse ano que Oliveira reinventou-se. Tal, à sombra da imagem do divino, “O Ato da Primavera”, hoje peça fundamental da nossa história antropológica, o registo do nosso temor a Deus que nos leva a lançar teatralmente um tributo às suas mortes. 

Nunca mais foi o mesmo. Oliveira encontrou nessa encenação, algo que valeu a pena lutar. Uma nova ideia de Cinema, um novo Rio.

Há cinco anos que encontrei o meu lugar ...

Hugo Gomes, 16.11.18

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Cinco anos passam e nem sempre passam furtivamente, mas ao lidar com certos fantasmas apercebo dos sacrifícios cometidos, aqueles que só uma pessoa apenas fez e faz por mim.

Penso desculpa por estar a ser críptico. Não quero me expor a nu.

Quanto à foto, Visita ou Memórias e Confissões de Manoel de Oliveira, numa das cenas chaves para o filme, assim como para a minha "persona".

 

Cada um com o seu "Guimarães"

Hugo Gomes, 23.11.17

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Centro Histórico resulta como mais um "filho" do Programa Guimarães 2012: Capital Europeia da Cultura (o outro foi 3x3D, que reunia Peter Greenaway, Jean-Luc Godard e Edgar Pêra), e um dos principais espelhos do seu intuito primário, o invocar das "histórias que a cidade tem para contar". Neste filme coletivo foram reunidos quatro realizadores, os portugueses Pedro Costa e Manoel De Oliveira, o finlandês Aki Kaurismaki e o espanhol Victor Erice, todos eles debruçando os seus estilos narrativos na cidade "génese" de Portugal, uma experiência sob tubo de ensaio cénico.

Assim começamos com o segmento "O Tasqueiro" de Kaurismaki, um exercício de humor melancólico tão próprio do autor que nos remete a um taberneiro com problemas de iniciativa. O realizador de Le Havre consegue em pequeno tempo de antena invocar um espírito lusitano abalado pela austeridade, que não se encontra presente no cenário exposto mas na inerência das suas personagens. Que tão bem que os “bonecos” produzidos por Kaurismaki ficam na realidade portuguesa do século XX!

Pedro Costa é o primeiro português a entrar em cena com “Sweet Exorcist”, um segmento que afasta-se claramente do contexto do projeto, mas que aproxima à marca do tão prestigiado autor. É, como o título indica, um exorcismo recorrente a espíritos malévolos, estes oriundos de um passado não tão distante, a Guerra Colonial. Ventura (ator-personagem fetiche dos últimos devaneios de Costa) defronta essas assombrações que o vão cercando numa perpétua claustrofobia: "viveste muitas mortes Ventura".

Já no terceiro tomo, “Vidros Partidos”, o espanhol Victor Erice centra-se nas memórias de uma fábrica ao abandono, os fantasmas divagam por entre os quadrantes deste realizador "medium", que comunica com os espíritos por quem o tempo abandonou. Assim, Manoel de Oliveira, o nosso português mais que tudo na cinematografia lusitana, tem a honra de fechar o Centro Histórico com a piada turística sob a coordenação do seu neto e ator-fetiche Ricardo Trêpa, “O Conquistador Conquistado”, repensando na cidade-mãe como a atual subjugadora de um longo negócio chamado turismo. E é através do monumento em honra do seu padroeiro - D. Afonso Henriques – que chegamos à genésis de um país que irá viver "muitas mortas" (citando o trecho de Costa).

 

Arranca o Close-Up, Observatório de Cinema em Vila Nova de Famalicão

Hugo Gomes, 16.10.16

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Steamboat Bill, Jr. (Charles Reisner & Buster Keaton, 1928)

Vila Nova de Famalicão será, durante os próximos quatro dias, o derradeiro Observatório de Cinema, o Close-Up, para ser mais exato. E é já a partir de amanhã (27 de outubro), que esta iniciativa projetada pelo Cineclube de Joane, arrancará com uma impressionante programação de filmes e eventos paralelos, que ligam o passado, presente e futuro do Cinema. Reflexões sobre a Sétima Arte, os primórdios em jeito de arqueologia, assim como os caminhos a seguir ou previsivelmente a instalar-se, muitos convidados e uma mostra selecionada de filmes, com principal ênfase às produções nacionais, dividido em oito sessões temáticas, preencherão a Casa das Artes da cidade.

Temos como principal destaque o ciclo “Noite e Nevoeiro – 70 anos de Imagens do Holocausto“, que tal como o título focará sobretudo no registo cinematográfico e documental dos horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial. Inserido na sessão Paisagens Temáticas, neste espaço serão exibidos filmes, que vão desde o recente e premiado “Saul Fia”, de László Nemes, sobre um prisioneiro de Auschwitz que reencontra a sua Humanidade até ao mais novo trabalho de Sérgio Tréfaut, “Treblinka”, um testemunho materializado daqueles que partiram contra em comboios cujos destinos são impensáveis. Passando pelo biográfico “Hannah Arendt”, de Margarethe Von Trotta, sobre a mulher por detrás dos pensamentos da Banalidade do Mal, até chegar, por fim, ao documentário “The Decent One”, de Vanessa Lapa, que retrata a vida de Heinrich Himmler, o mentor da chamada “Solução Final”, o extermínio dos judeus. Elena Piatok, diretora do Judaica: Festival de Cinema e Cultura, e a jornalista e escritora Clara Ferreira Alves, serão as oradoras.

Em “Fantasia Lusitana “, espera-nos sete filmes que no seu todo formam um quadro, quer etnográfico, quer artístico de um país. É uma seleção de documentários nacionais sobre pessoas, animais, lugares e estados, escolhidos a dedo e interligados de alguma forma. Destaca-se as exibições do filme-testamento de Manoel de Oliveira, “Visita ou Memórias e Confissões”, seguido pela homenagem de João Botelho ao “mestre” em “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”.

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Saul Fia (László Nemes, 2015)

Dois dos mais venerados autores japoneses, Yasujiro Ozu e Isao Takahata, serão analisados e reavaliados nesta edição de Histórias de Cinema. De um lado, o dramático e emocionalmente expoente Ozu, um realizador marcado pela sua maneira inconfundível de filmar, planificar e dirigir os seus atores sobre um conjunto de falsos raccords. E do outro “canto”, Takahata, um dos mestres da animação nipónica, que poderá não ter gozado da mesma aclamação que o seu colega Hayao Miyazaki desfrutou, mas que mesmo assim, se apresenta como o criador de algumas das mais emotivas obras da Ghibli Studios. Animação e ação real, duas dimensões entrepostas neste olhar pelo cinema japonês.

Um dos mais ascendentes cineastas brasileiros da atualidade será homenageado no Close-Up. Serão cinco, as obras exibidas nesta secção Cinema do Mundo, dedicada ao “outro Brasil” de Gabriel Mascaro. Nesta retrospetiva poderemos encontrar os muito aclamados “Ventos de Agosto”, um atípico romance de verão, e o recente Boi Neon, que nos leva ao outro lado dos rodeos brasileiros sob uma confrontação com a própria ode da masculinidade.

O resto da programação será constituída por sessões direcionadas para escolas, com foco principal no tema da juventude. Vale a pena salientar que a primeira longa-metragem de Andrei Tarkovsky, "Ivan 's Childhood”, encontra-se integrada no programa. Para além disso, está agendado uma Oficina de Animação dedicada aos mais novos. Close-Up ainda exibirá uma sessão especial de O Ornitólogo”, a quinta longa de João Pedro Rodrigues que remete o espectador a uma viagem esotérica de um observador de pássaros, perdido nas encostas do Douro.

Por fim, como sessão de abertura, temos um “double bill” constituído pelo filme-concerto “Steamboat Bill, Jr”., um dos grandes clássicos do “rei do slapstickBuster Keaton, será transformado sob a vertente musical de Bruno Pernadas. E “Cinco para Kiarostami”, o filme-homenagem a Abbas Kiarostami, o cineasta iraniano que infelizmente nos deixou recentemente, uma produção da Casa das Artes e do Cineclube de Joane, com direção de Vítor Ribeiro e Mário Macedo.

Filmar à Oliveira

Hugo Gomes, 12.10.16

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Os filmes são histórias, o cinema é o modo de as filmar“. É sob esse signo que João Botelho relembra Manoel de Oliveira, um homem incansável para contar a sua história, onde os filmes seriam o seu elixir da Vida, o segredo da sua imortalidade. Botelho declarou-se, como sempre, no mais admirado dos admiradores do cinema de Oliveira, no seu mais fervoroso defensor e agora, “depois das lágrimas enxugadas” (como o próprio refere), determinado a condensar um legado em pouco mais de 80 minutos de duração. Sim, o tempo é aqui uma “bata ingrata” perante anos e anos de filmes, anos de vida e o cinema que fora inventado e reinventado pelo “mestre de honras” do Cinema Português.

Mas nenhuma homenagem faz jus aos seus homenageados, e por isso, Botelho injecta nesta hora e pouco mais, todo o seu carinho e veneração pelo seu “padrinho cinematográfico“. Sim, “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”, é fruto de um amor, não apenas com a figura “paternal” de Oliveira, mas com o cinema em geral, uma proposta honesta e sentida para com esse pesar de saudade, pelo mestre não vivo que impossivelmente será recolocado. Por entre trechos dos filmes, salientado a sua técnica invejável, assim como os marcos deixados em cada uma das obras, o filme tende em partir da homenagem até ao próprio ensaio audiovisual, o que poderá servir, quem sabe, num futuro próximo como arranque para novas gerações conhecerem Manoel de Oliveira.

Esta é uma obra com a bênção da mesma entidade divina, e por fim, a homenagem propriamente dita, onde Botelho torna-se no Botelho emancipado, o realizador que sob a autorização da história de outros, espelha o seu cinema ensinado e a marca autoral que, entretanto, nasceu nas suas veias. Trata-se de “A Rapariga das Luvas (ou Prostituição)”, a curta filmada pelo próprio, tendo como base uma história que Oliveira o segregou, um dos enredos que infelizmente não pode filmar. E é nessa confissão entre amigos que o nosso realizador evita a montagem e a selecção de carreiras centenárias para se dedicar ao seu cinema em expansão. Pois, é que fora a ideia, “A Rapariga das Luvas” é um filme de Botelho, requisitado por um universo à lá Oliveira, mas continuamente dotado com a clemência de memórias.

O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”, entra em paralelo com outro tributo cinematográfico português – João Bénard da Costa: Outros Amarão as Coisas que eu Amei, de Manuel Mozos. Porém, este último beneficia não só do seu “quê” de homenagem mas da postura “fraternal” com que o realizador preserva as memórias, mais concretamente o sentimento vivido e exprimido por Bénard da Costa em relação à Sétima Arte. Botelho, por outro lado, não quer apenas preservá-las, mas sim emoldurá-las, para que possa gritar alto, audível a tudo e a todos: “Manoel de Oliveira morreu. Longa Vida a Manoel de Oliveira“.