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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Manifesto à fatalidade de quem deseja NÃO fazer cinema português!

Hugo Gomes, 24.04.14

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Encontra-se de momento a surgir uma nova vaga de cineastas. Cineastas esses que pretendem assumir um papel de messias na exigência do público português e, segundo os seus “bravos” bramidos, resgatar o cinema nacional da “escuridão dos elitistas e puristas intelectuais”. Não os vejo com bons olhos, confesso. 

A questão aqui não é o aparecimento de sangue novo na indústria (ou arte, como quiserem chamar), é o facto desta “juventude” não levar consigo a bagagem necessária para ser um cineasta. Pior, chegam mesmo a ignorar as suas raízes. É triste saber que o cinema português é deixado ao abandono, atacado e renegado vezes sem conta por uma geração que se diz rebelde, mas que quando chega a hora da verdade consegue resultados meramente lastimáveis e inaptos. Mas para compreender o que quero dizer deveremos seguir para a génese do problema, a falta de educação no campo da 7ª Arte (há cada vez mais alunos a ir para cursos de cinema que não veem filmes ou então que se ficam pelo comercial norte-americano sob fórmulas), a ausência de exigência pessoal e a perda da veia artística. Aliás, estamos num país que cada vez salienta e aponta arte como um bem exclusivo para snobs ou presunçosos intelectuais.

Sob esse gesto, o apontar, criticar e acima de tudo abjurar as origens cinematográficas é uma tendência cada vez mais comum nestes “novos” cineastas, que parecem não fazer cinema, mas sim vídeos para mais tarde serem publicados na internet. Não sei se este é o caso do realizador Luís Diogo, mas “Pecado Fatal” é isso, um embuste. Vende-se como algo irreverente, “um filme português para quem não gosta de cinema português” para depois “esbarrar” na maior das fragilidades do nosso cinema: a falta de vontade, principalmente em soltar-se das amarras académicas, ou seja, de seguir uma esquematização de planos agendados, implantados, sem que haja algum rasgo de (des)veneração a esse processo mecânico ou uma visão original. 

O que vemos aqui é algo semelhante ao que acontece a um mero estudante a realizar um enésimo exercício académico e sob a constante avaliação dos professores. Por outras palavras, o filme não possui a versatilidade de um cinema que o seu marketing tenta descaradamente vender. Ao invés, assistimos à aplicação das matrizes ensinadas e revistas em cursos e licenciaturas de cinema. Não existe um “outside the box“, existe sim a reprodução dos modelos primários e de influências televisivas, o seguir do livro de instruções da planificação para que nos últimos 20 minutos tudo ceda à câmara tremida e nervosa (felizmente com o efeito necessário no espectador, mas não nesse sentido).

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Sim, poderá haver a desculpa de que “Pecado Fatal” é um filme de baixo-orçamento, o qual o realizador pagou inteiramente do seu bolso. Isso sim é um feito louvável que demonstra ousadia na “indústria”, mas nada justifica que o cinema em questão seja por via do amadorismo. Como consequência, temos um argumento (escrito pelo próprio) que não é mais que uma colagem incoerente e involuntariamente risível de diversas intrigas novelescas e a acrescentar a isso há ainda uma incapacidade de gerir uma narrativa e acentuar uma carga dramática. 

Aliás, falando em ênfase dramática, o filme de Luís Diogo parece forçadamente inserir um conflito interno, sem que com isso transpareça nos desempenhos dos seus personagens, vazios e unidimensionais, como os seus respetivos atores, com Sara Barros Leitão a tornar-se na rainha do “overacting” (aqui provando que Luís Diogo chega a ser melhor realizador do que diretor de atores). Por fim, este filme de embaraços é ainda recheado de diálogos infelizes, sem naturalidade e de uma abordagem brusca e demasiado gratuita, com os atores sem a energia necessária para os proferirem.

Em “Pecado Fatal'' não existe aqui algo que se possa chamar verdadeiramente de cinema. É um exercício académico que não faz jus à sua frase propagandista de “(…) para quem não gosta de cinema português”. Podemos até revoltar-nos com os autores conformistas à espera dos subsídios e dos filmes “para amigos”, mas não é com este género de obras que combateremos isso. Aliás, são produtos como estes que me fazem temer pela próxima geração de cineastas, mas isso é outra conversa.

“Toda a gente julga toda a gente”

Impunidade para boas intenções

Hugo Gomes, 23.04.14

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Bateu, bateu … Morreu, morreu … Eu vi

Impunidades Criminosas”, de Sol de Carvalho, é a extensão de uma homónima curta-metragem que foi apresentada no FESTin em 2012. Como longa-metragem, esta obra moçambicana funciona como uma persistência da sua mensagem: a emancipação da mulher numa cultura tradicionalmente dominada por homens. 

Sob esse pretexto, desenvolve-se como um misto de thriller, centrado na história de Sara (Esperança Naene), uma mulher cansada dos maus-tratos por parte do marido, Armando (Breznev Matezo), que decide resolver os seus problemas pela raiz, ou seja, matar o seu homem à “paulada” e esconder o corpo. Porém, Sara desconhecia que o seu agora falecido marido fazia parte de um gangue bastante temido na vizinhança. Liderado por Chiquinho Paixão (Eliot Alex), o gangue decide reclamar algo cujo paradeiro só Armando conhecia. Para conseguir proteger a sua família das ameaças que se aproximam, Sara terá que enfrentar os seus fantasmas.

Sol de Carvalho maneja um filme de baixo orçamento movido por uma ideia, e essa ideia persiste em toda a sua narrativa de teor maniqueísta. Contudo, isso é conseguido com uma ausência de dimensão dramática. Na verdade, este “panfleto” cinematográfico sobre a violência doméstica e opressão às mulheres está rodeado por delicadas sugestões de cinema, como por exemplo: uma câmara viva que ocasionalmente faz “milagres”, uma atmosfera que injeta num panorama social o misticismo tradicional de Moçambique, e uma impagável Lucrécia Paco enquanto “doida da aldeia”, talvez a única prestação genial num elenco ditado pela boa vontade e nada mais que isso. 

Aliás, para sermos esclarecedores, é sob as boas vontades que este novo filme de Sol de Carvalho assenta, e sob essas condições não há crime nenhum, porém nada impunível. Ainda assim, “Impunidades Criminosas” é uma pequena mostra do cinema que se faz escassamente em Moçambique.

Uma carta de amor pública!

Hugo Gomes, 17.04.14

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Será possível alcançar os limites do documentário? Existe uma matriz que o define ou uma formula mestra que nos realça a verdadeira essência equacional da sua transfiguração enquanto cinema?

Com Elena de Petra Costa, tais questões surgem e assentam na atmosfera fantasmagórica com que o documentário se funde com a poesia, quer lírica quer visual, a encenação com a realidade dos factos e a emoção técnica com a frieza da narrativa. Todos esses ingredientes contraditórios unem-se para gerar um híbrido, não no sentido abominável, mas no divino da palavra. Um filme que paira entre os diversos cantos da arte, passando pelo teatro primórdio remoto da Grécia Antiga até aos maneirismos do egocentrismo artístico tão claro na Arte Moderna.

Elena é acima de tudo uma carta de amor pública, denunciante aos lugares-comuns e às banalidades da mesma, construindo uma linguagem suportada por um visual digno de barro, inegavelmente moldável e cúmplice para com a sua autora, Petra Costa, que dedica este trabalho à sua falecida irmã, um modelo que seguiu de perto e que viu sucumbir num ápice. Contudo, nunca na sua memória, pelo que Elena (filme) remete-nos à perda e ao medo da solidão, ao espírito decadente que inflige os seus golpes numa narrativa que para além de reforçada com o seu instinto artístico é combatida pelo afecto e pela veneração de uma figura carregada de emoção. É que a autora constrói uma fita tão pessoal que chegamos a sentir-nos culpados em “invadir” este seu Mundo.

Voltando à questão inicial, é possível identificar o esgotamento da veia documental? Por enquanto não nos é permitido garantir uma resposta concreta, sendo assim, Elena demonstra o quão ínfimas são as possibilidades de trazer cinema e torná-lo em algo infinitamente diversificado. Onde muitos viram vídeos caseiros e citações poéticas, Petra Costa viu Arte na sua forma mais pessoal.

(Vi)ver o Brasil em tons!

Hugo Gomes, 05.04.14

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Apesar do título, as cores são a grande ausência neste homónimo filme de Francisco Garcia, o retrato de uma juventude sem ambição nem dedicação às suas próprias vidas espelhado num Brasil marginalizado, longe dos lugares-comuns como as praias tropicais e as favelas ou os clichés sonoros como os ritmos de samba. O que vemos aqui é um Brasil diferente, negro, depressivo, onde o funk e o bossa nova dão lugar ao rock e à electrónica underground, tudo isto para nos remeter à geração descendente de Woodstock, desiludida perante as promessas do passado e cativas num “buraco” social e financeiro de difícil saída.

Entende-se desde cedo a mensagem que Garcia e o co-argumentista Gabriel Campos anseiam invocar, algo facilmente descrito nas “imagens-metáforas” ou na composição melancólica e derrotista das suas personagens. Porém, “Cores” arrasta-se de jeito naturalista e de inicio retardado para nos persuadir com o óbvio. É o tipo de obra que bem poderia ser reduzida ao formato de curta. Ao invés disso, é então enfraquecida por uma narrativa esticada e contemplativa e, para prejudicar uma eventual dinâmica de exposição, temos ao nosso dispor um leque de personagens vazias e sem objetivos definidos para que o espectador possa interessar-se em acompanhar.

Apesar de tudo, “Cores” é uma autêntica lição de cinema, um exercício que é executado sob uma linguagem perfeitamente decifrável, dotado de boa planificação e uma fotografia a preto-e-branco que cobiça e usufrui as luzes e sombras do ambiente em redor. Em termos técnicos, esta obra é invejável, mas não perderia se fosse mais contornada nas suas arestas.