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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Personagens gays na Disney ... ou muito barulho para nada

Hugo Gomes, 18.03.17

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"The Beauty and the Beast" (Bill Condon, 2017)

No ano passado, num divulgado trailer de “Finding Dory”, era possível ver duas mulheres com uma criança, imagem essa, que instantaneamente foi deduzida como um casal de lésbicas. A homossexualidade iria por fim entrar no universo Pixar, um prenuncio que suscitou euforia para a comunidade LGBTQ e profecias de destruição moral por parte do leque mais conservador. Até à sua estreia, “Finding Dory” usufrui deste tipo de publicidade, positiva ou negativa, consoante a perspetiva e ideologia de cada um. O resultado foi, simplesmente, fogo de artifício, as duas personagens nada de relacionado davam a entender. Para algumas publicações e órgãos de comunicação, a oportunidade foi vista como um total desperdício.

Um ano depois, não propriamente no seio Pixar, mas nos estúdios Disney, o anúncio de por fim, uma personagem gay neste Universo, levantou, igualmente, muitos festejos como também reações espontaneamente negativas em relação à nova versão de “The Beauty and the Beast” (“A Bela e o Monstro”). Desde a boicotes, censuras em cinemas norte-americanos, alterações da classificação etária em território russo, adiamentos na estreia em alguns países como a Malásia, de forma a conseguir cortar a respetiva sequência, ou seja, o Mundo ficou de pantanas ao ter conhecimento numa persistência homossexual nas produções dirigidas a famílias.

Será isto uma ameaça real aos velhos valores morais, ou tudo se deve ao facto de vivermos num Mundo cada vez mais governado pelo populismo e por mentalidades arcaicas? Que perigo encontraremos numa personagem destas num filme orquestrado para uma vasta gama de audiências? Caros leitores, antes de mais, não existe qualquer perigo nisto. Mais uma vez, a oportunidade foi desaproveitada, a dita cena “homossexual” é vista por breves segundos e utilizado como um veículo cómico (quantas comédias é que utilizam a homossexualidade como gag e são devidamente aceites em sociedade conservadoras?), provavelmente de forma a não prejudicar o frame-to-frame que o filme ousa em assumir-se. O veredito é que até nesta vertente de ser avant-garde do cinema familiar, “A Bela e o Monstro" converte-se igualmente conservador e reservado nesta matéria.

Sendo assim, a Disney provou ser capaz para tocar no tema, e sem precisar de grandes anúncios, veja-se por exemplo na chuva de beijos num segmento da série infanto-juvenil “Star Vs the Forces of Evil”, que sim, passou na televisão e não usufrui de igual mediatismo.

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Star vs. the Forces of Evil (2015 - 2019)

Perdendo o ar da sua graça ... pelo conformismo

Hugo Gomes, 17.03.17

MV5BMTU5NDEyOTkwNl5BMl5BanBnXkFtZTgwNDAyOTE1MDI_._Temos efeitos visuais, cenários grandiosamente artificiais, um elenco que está ali para cumprir o cheque e zero em criatividade. The Beauty and the Beast chega quase a ser um frame-to-frame da amada versão animada, aquela que resgatou a Disney das ruas da amargura. É um filme espalhafatoso que demonstra o quanto o estúdio está empenhado em manter a sua rigor mortis de conformismos mercantis.

Quando o maléfico já não é assim tão maléfico ...

Hugo Gomes, 10.06.14

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Em “Maleficent” (“Maléfica”) podemos evidenciar duas tendências que parecem virar moda para os lados de Hollywood (e não só!). A primeira é a humanização da figura antagonista, ou seja, do vilão, cada vez mais visto como uma personagem incompreendida e cuja malvadez é sempre fruto de análise psicológica. Como vivemos numa era onde o politicamente correto domina, todos os atos de crueldade destas mesmos personagens são ecos de traumas anteriores ou razões desculpáveis. A segunda é a modernização dos contos de fadas nos dias de hoje, o que com a iliteracia das novas gerações em relação às histórias originais poderá providenciar uma ignorância ou distorção da «realidade». Neste último ponto, o argumento utilizado e aceite na indústria é que como a Disney possui os direitos de tudo e todos no que diz respeito a estes contos folclóricos, e sendo “Maléfica” uma produção diretamente vinda de “A Bela Adormecida”, não estamos perante a história dos Grimm ou de Charles Perrault, mas sim da versão de animação de 1959.

Nesse mundo animado vangloriado pelos atributos técnicos, Maléfica (a personagem) talvez tenha sido o grande foco de interesse de uma história velha e repetitiva desde os tempos dos nossos egrégios avós, e já nesses anos a Disney sempre parece ter valorizado os seus vilões como foi o caso, a força condutora de todo uma intriga regida pelo eventual final feliz. Talvez seja por isso que uma nova avaliação desta antagonista fosse motivo que chegue para um spin-off deste género, mas será que realmente precisávamos?

Apesar da dedicação de Angelina Jolie em tornar-se num boneco da Disney (em principal destaque nas sequências “arrancadas” integralmente da animação original), “Maléfica” sofre de outro grande mal: a modelização de um mundo fantástico, sendo que a história desconhecida da personagem de Angelina Jolie, toda aquela harmonização entre criaturas mágicas e imaginárias e as intocáveis florestas dotadas de fadas e pós de “perlimpimpim”, seja algo visto e nada de surpreendente, até mesmo para as mais novas audiências. Tudo isto acompanhado por um visual tecnicamente competente, pudera, não fosse o facto de Robert Stromberg (vencedor de dois Óscares pela direção artística em ”Avatar” e a toca do coelho de Tim Burton que fora  “Alice in Wonderland”) estar na direção (os efeitos visuais talvez sejam dos mais qualitativos deste ano). Mas até nisso sente-se um certo desleixo, principalmente nas posições de luz e o uso desta.

Para complicar as coisas, “Maléfica" ainda expõe as vulnerabilidades do argumento quando estamos perto do final, onde parece que a produção apercebeu-se do tempo da duração e decide incutir um desfecho cínico, apressado e nada emocional. Aliás, já que falamos em tendências atuais, não poderíamos deixar de referir que esta nova produção da Disney surgiu numa era pós-”Frozen”, ou seja, em que a emancipação feminina e o fortalecer dos laços familiares são alternativas encontradas para expor uma ausência de ingenuidade romântica. Sim, “Maléfica” vale a pena por Angelina Jolie e até mesmo pela doçura de Elle Fanning, mas existe de momento uma necessidade urgente de preservar os antigos contos e não transformá-los em rotineiros guiões distorcidos de Hollywood. E quanto à transformação do vilão, a Disney fez bem melhor e sobre um tom mais descontraído em “Wreck-it-Ralph”, por exemplo.