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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Tilda Swinton à beira de um ataque de nervos

Hugo Gomes, 15.07.21

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Será que fazer Cinema é preciso cumprir uma devida e específica duração? Existe alguma regra raiz-quadrada que transforma automaticamente cada metragem em Cinema propriamente dito? Pedro Almodóvar prova que não. A barreira quase estigmatizada da curta para a longa é somente uma formalidade, porque o registo de menor tempo é preciso para a sua mensagem, ou diríamos antes, o seu Cinema.

"A Voz Humana" ("The Human Voice"), livremente baseado numa peça do poeta e cineasta Jean Cocteau (publicado em 1924), é uma invocação dum fantasma recorrente que assola o realizador espanhol. A homónima obra sempre fora uma inspiração, evidentemente cerne do seu intemporalmente elogiado "Mujeres al borde de un ataque de nervios" (mas antes "La Ley del Deseo" bebia desses mesmos sucos motivadores), sobre a espera incessante e destrutiva pelo seu amante. Aqui, trocando Carmen Maura por Tilda Swinton, a plasticidade mantém-se e ainda complexa num registo meta que cruza o "teatro filmado" com o cinema a olhar para a sua própria concepção.  

Swinton é das forças maiores do projeto que requer mais do que a sua capacidade de assimilar, a sua expressão em nos convencer de uma veracidade poética tida nas suas palavras, nas suas angústias, na sua linguagem corporal enquanto emana um monólogo justificado. A história de uma mulher em jornadas existencialistas, a quem cuja ausência do seu "mais que tudo", o impulsor de toda a compostura trágica, a leva a tomar as suas medidas. É um divã, uma confissão, dirão os mais moralistas, um acontecimento que prevê a verdadeira emancipação. Somente isto, uma atriz, um cenário multiplicado por "faz-de-contas", a ida de uma mulher ao seu mundo, a projetada realidade, para no fim, evadir essa mesma clausura criada.

Almodôvar prova mais uma vez que é um artesão na sua arte. E que arte é essa? A de dar voz a mulheres oprimidas pelas suas próprias emoções, sejam reprimidas ou libertadoras. E para isso não é necessário uma narrativa estendida. Meia-hora, simplesmente isso, é o que nos basta para oferecerem espectacularidade.

Cada um com a sua infância, cada um com o seu Cinema

Hugo Gomes, 01.06.21

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Good Morning (Yasujiro Ozu, 1959)

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The Childhood of a Leader (Brady Corbet, 2015)

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Capernaum (Nadine Labaki, 2018)

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Wadjda (Haifaa Al-Mansour, 2012)

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Home Alone (Chris Columbus, 1990)

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The White Ribbon (Michael Haneke, 2009)

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Let the Right One in (Thomas Alfredson, 2008)

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Little Fugitive (Ray Ashley & Morris Engel, 1953)

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The Florida Project (Sean Baker, 2017)

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The Sixth Sense (M. Night Shyamalan, 1999)

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The 400 Blows / Les Quatre Cents Coups (François Truffaut, 1959)

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The Kid (Charles Chaplin, 1921)

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The Last Emperor (Bernardo Bertolucci, 1987)

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Zero to Conduite / Zéro de conduite: Jeunes diables au collège (Jean Vigo, 1933)

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Bicycle Thieves / Ladri di Biciclette (Vittorio di Sica, 1948)

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Village of the Damned (John Carpenter, 1995)

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My Life as a Zucchini / Ma vie de Courgette (Claude Barras, 2016)

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The Boy with Green Hair (Joseph Losey, 1948)

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Aniki Bóbó (Manoel de Oliveira, 1942)

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The Shining (Stanley Kubrick, 1980)

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Cinema Paradiso / Nuovo Cinema Paradiso (Giuseppe Tornatore, 1988)

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Come and See (Elem Klimov, 1985)

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Pather Panchali (Satyajit Ray, 1955)

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E.T. the Extra-Terrestrial (Steven Spielberg, 1982)

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André Valente (Catarina Ruivo, 2004)

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Ivan's Childhood (Andrei Tarkovsky, 1962)

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Nana (Valérie Massadian, 2011)

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Pixote, a Lei do Mais Fraco (Hector Babenco, 1981)

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Poltergeist (Tobe Hooper, 1982)

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800 Balas (Álex de la Iglésia, 2002)

O segredo está dentro do plano e nunca fora dele

Hugo Gomes, 22.03.21

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Eles tem um plano, o filme também o tem, que se resume seguir à risca todos os “rodriguinhos” do seu género, sem sair da sua trajetória, porque é dentro desta mesma que se encontra … o tal golpe.

The Vault”, produção espanhola a fazer-se de cinema globalizado e hollywoodesco, no espírito dos êxitos em forma de seriado (“La Casa de Papel”), é um heist movie (filme de golpe) como manda a lei da sapatilha, onde um grupo de “iluminados” estão a postos para “assaltar” o “cofre mais seguro do Mundo” (frase-cliché que ouvimos vezes sem conta neste mesmo território). Pois é, para seguirmos as pisadas sem arrojo estão cinco argumentistas … repito, cinco argumentistas! Um quinteto reunido para entregar um cadernos de encargos a Jaume Balagueró, realizador que atribuiu um temporário fôlego ao tão limitado estilo do found footage (“[REC]”, 2007), e que aqui serpenteia por uma direção mecanizada a suspirar por grande espetáculo. Ou seja, tudo “cheira” a trabalho eficiente e de auto-congratulação, automatizado e fiel às suas próprias etapas.

Não há muito mais para dizer. Testemunhamos um amontoado de técnicos, das mais variadas áreas, em esforço para gerar um lugar-comum dentro dos lugares-comuns. Enquanto isso, um elenco algo reciclado e aparentemente desinteressado em “rechear” as suas personagens (pelos vistos cinco argumentistas deram meros bonecos … o que é que se há de fazer?) ficam encarregues de assumir responsabilidades pela variação. Em óbvio “destaque” está o equívoco de “cabeça-de-cartaz”, Freddie Highmore, aquele reconhecido ator-criança (“Charlie and the Chocolate Factory”, “Finding Neverland”) que porventura cresceu e se celebrizou na televisão com alguns êxitos (“The Good Doctor”), vivendo atualmente na ânsia de regressar ao grande ecrã. Infelizmente, não encontrará tal palco em “The Vault”, e pelos vistos se apercebeu a tempo, demonstrando (mais em comparação aos outros) um maior desapego pelo material.

No final, ainda há espaço para sequela … talvez diga isto de um jeito trocista (mas é o “estado das coisas”), que possivelmente para a próxima vez sejam precisos o dobro dos argumentistas. Não sabemos ao certo, porque o evidente é isto diluir com tantos outros do seu subgénero. Nunca tantos fizeram tão pouco!

Um manual básico de sustos sem improvisação

Hugo Gomes, 13.09.20

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Os fantasmas devem andar todos a frequentar a mesma academia, porque em matéria de sustos (mais precisamente o tão vendido dispositivo jump-scare), todos parecem ter aprendido nas mesmas bandas.

“O 3.º Andar: Terror na Rua Malasana” (“Malasaña 32”) riposta no clássico filme de assombração, com um apartamento de um prédio madrileno a assumir palcos dos terrores materializados, após a chegada de uma família rural nos anos 70 (contextualizando a transição do franquismo para a nova democracia espanhola). Aqui, os ditos espectros recorrem aos mais variados truques, todos eles contrafeitos e retirados de vários “clássicos” do género, investido nos mais inúmeros clichés e adornos-cúmplices dessa criação fantasmagórica … ah, e o auxílio da sonoridade delatora que nos lança pré-avisos quanto à chegada dos tais pop-ups.

Sim, nada de relevante ou inventivo poderemos encontrar neste arraçado de “Poltergeist” com tiques / tendências de “The Conjuring: A Evocação” e dos seus primos afastados, a não ser o seu próprio twist, um quase whoddunit fantasmagórico que vem ao delinear uma crítica à sociedade intolerantemente patriarcal da época, mas novamente, são territórios que o terror enquanto veículo subliminar para com temáticas atuais incentivava-nos desde sempre.

Agora, inserindo-o no contexto da indústria espanhola, e fechando os olhos à “invasão” produtiva na Netflix, uma certeza assombrosa nos atinge – os espanhóis já demonstraram, sobretudo em tempos dos iniciais fracassos da Filmax ou das ocasionais incursões do antes e do paralelo dessa mesma produtora, mais ambição e obviamente mais afinco na sua condição de entretenimento terrífico-passageiro. No fim de contas é isto, o filme assinado por Alberto Pintó (“Matar a Dios” em colaboração com Caye Casas) é um esboço daquilo que poderia ser se este não estivesse ao pendurão das trendys do seu subgénero.

Tarkovsky não tem a culpa! Repitam comigo. Tarkovsky não tem a culpa!

Hugo Gomes, 31.08.20

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O “Esculpindo o Tempo”, livro (e ideia) que virou teoria e consequentemente numa tendência de abraçar e relacionar com o cinema, os ensinamentos do cineasta russo perduram, ou pelos que desejam ser perdurados por apropriadores do título ‘herdeiro’. Tal como a gravura do monstro marinho cujo olho desenhado dá lugar à luz cintilante “roubada” por parte da Lua, Luís Patiño adquire por vias dessa transposição transitória um cognome que não lhe convém, até porque neste seu “Lúa Vermella”, a sua relação com o tempo, este transformado e moldado é um simples pergaminho para crítico escrever e interligar com a sua consciência.

Vindo de uma, como poderemos assinar, nova escola de cinema galego que encontra o seu berço nos meios naturais e rurais e no despojo dos seus (não) atores, como acontecera este ano com “O Que Arde, de Oliver Laxe (um forte braço deste suposto movimento), Patiño exorciza folclore antigo, oriundo de um medo arcaico e talvez, ainda hoje, com resquícios sobreviventes, que é esse tal receio pelo mar, e a sua ligação com o mero desconhecido.

Durante tempos, navegadores ou simplesmente trovadores incentivavam histórias de bestas submarinas ou demónios adormecidos no leito oceânico, eram guardiões bíblicos (referência a Leviatã) que encarregaria de manter o Homem na sua “praia”, na salvaguarda da terra, impedindo o seu espírito aventureiro e destemido seguir para além do possível horizonte. Porém, aqui não se trata de uma história de marinheiros ou corsários de qualquer espécie, mas sim, de um naufrágio, uma vítima da fúria de um tremendo e colossal monstro marinho, cujos rugidos acercam, tenebrosamente, a aldeia costeira ali de perto.

Os habitantes, tementes peões, instalam-se nas suas frágeis formas, do luto à iminente condenação, ou do impactante temor da morte que se materializa num atípico e misterioso rochedo. Como tal, três bruxas são invocadas para trazer à vida, Rubio, o homem cujo seu fim chegou com o encontro com tal bestialidade das águas. À medida que o feitiço das três é trabalhado, a Lua avermelha-se como sangue vivo, tornando tudo à sua volta uma dança espectral em tributo a divindades pagãs.

Patiño explora as imagens, e as embeleza para usufruir destas suas composturas sobrenaturais, dando forma a um misticismo improvisado e recorrente à imaginação do espectador. Curioso, que todo o seu filme é imóvel, os humanos adormecidos, encolhidos pela fragilidade das suas respetivas mortalidades, são apenas livres graças aos seus pensamentos repetidos e superstições paralisantes. Tudo o que se “mexe” neste filme é de natureza selvagem ou mágica, animais e criaturas do nosso imaginário parecem encontrar a liberdade para percorrer o território de ruralidade desgastante. Não vamos mentir, é uma obra lenta, que anseia admirar-nos com a sua contemplatividade e sugestão, que nos apela à nossa acessibilidade a estas sobrenaturalidades fingidas.

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Porém, é por esse caminho que o “Lúa Vermella” embate na sua limitação. Ao solicitar a nossa (in)compreensão, desesperar pelos simbolismos das suas imagens, dão-nos a liberdade de preenchê-la e dedicar-lhes o nosso tempo. Nesse aspeto, surgem as comparações tarkovskianas, como o tempo, esse, como fosse o catalisador que conecta estas imagens com as suas durações maleáveis, em que tempo fosse um berço convidativo ao espectador. Só que a sugestão dita tarkovskiana, de por exemplo, um “Stalker” (1979), regista o seu próprio movimento enquanto a intriga se move através dos pensamentos e emoções expostas das suas personagens. A Patiño lhe falta essa destreza em conquistar algo para além do seu mero tempo.

Por outras palavras, em “Lúa Vermella”, à nossa frente está um tempo emudecido, congelado sem uma dita entropia que o transpareça do seu casulo estético. Tudo calculado num gesto meticuloso. Em Tarko’s (carinhosa alcunha, no caso de dúvidas), por outro lado, o tempo encontra a sua fé na narrativa e vice-versa, tudo desenvolve, evolve e torna-se rico nessa sua simbiose.

Sim, Tarkovski não tem a culpa de quem acha por bem colar-se ao seu génio. “Lúa Vermelha” não é mais do que quadros pachorrentos de um misticismo contado entrelinhas.

Segunda Chance para a Terra Queimada

Hugo Gomes, 14.07.20

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Foi no início deste ano que experienciamos nas nossas salas a balada de um foragido que, de forma a desaparecer, tenta diluir-se no meio natural em “Alva”, a primeira longa-metragem do português Ico Costa, enquanto neste galego “O Que Arde” evidenciamos uma negociada trégua entre um homem e o meio natural agredido por este. É a história de um incendiário “acabadinho” de concluir a sua sentença, regressando à sua “casa” para restabelecer a sua vida “interrompida”, ainda na companhia da sua idosa mãe. Nesta sua reconciliação com o espaço que violentou, o tal protagonista (Amador Arias), tenta reaver a confiança, em jeito de convivência com os seus atos passados.

Oliver Laxe, que há uns anos estreava na Semana da Crítica de Cannes com a viagem esotérica na cordilheira de Atlas, em “Mimosas”, separa-se do seu predileto Norte de África e filma a Galiza, do qual é oriundo, com igual exotismo. A veia algo mística perdura nesta demanda de readaptação, aliás, existe um constante gesto xamânico na maneira como o realizador extrai da realidade (as personagens incorporadas por não-atores, os espaços e os seus eventos ainda prevalecidos), desconstruindo-as e refletindo-as perante uma criatividade ficcional. E é como tal que voltamos a “Alva”, não pelo filme em si, e sim pelo movimento (duradouro aliás), que se insere – a docuficção. Conhecemos (nós, portugueses) tão bem esta arte e, sobretudo, esta ruralidade documentada e, mesmo assim, ficamos deslumbrados com as possibilidades ainda restantes de manejo da mesma. Em “O Que Arde” somos incentivados a uma verdadeira prova de fogo ao uso e abuso do realismo e da sua realidade, transformando em matéria minimalista que, enquanto ficção, contraria as clássicas etapas narrativas.

A narrativa, essa, deriva da deambulação de Amador Arias no seu renovado biótopo, o qual cede à sua projetada metamorfose para nos dar um homem reabilitado. Porém, a natureza envolta fará as suas partidas, servindo de analogia ao próprio foro emocional desta “criatura”, onde o espectador encarará como seu iminente carrasco perante o seu dúbio destino. Ao seu lado, a anciã Benedicta Sánchez (que interpreta a mãe de Amador, e curiosamente vencedora do Prémio Goya de Revelação aos 82 anos com esta produção) preserva com graciosidade o naturalismo exato e pretendido por Oliver Laxe. Ela é a figura central, a verdadeira “parceira do crime” para o tom requisitado do cineasta. Uma musa!

Fora essas jogadas nos limites da metodologia do cinema, “O Que Arde” confirma o realizador como um observador nato da beleza paisagista, sendo esta a recortada moldura destes pedestres ocasionais assim como acontecera em “Mimosas”. Contudo, não nos levem a mal as comparações com “Alva” e toda a docuficção portuguesa engatada (apesar de hoje existir alguns ensaios de notável sensibilidade, mas isso não é o caso), até porque este filme é uma pequena jóia dentro desse mesmo universo. E apropriando da sua analogia, Oliver Laxe é um pinheiro num denso eucaliptal ao som de “Suzanne”, de Leonard Cohen. Pois, soa abstrato… naturalmente abstrato!

São Pedros, São Pedrocas, São Peters, São Pierres e São Pietros

Hugo Gomes, 29.06.20

Hoje, dia de São Pedro, recordo alguns 10 Pedro(s) célebres do Cinema. E para vocês, qual "Pedro" destacaria na lista?

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Peter Sellers, ator de “Dr. Strangelove” e da saga “The Pink Panther

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"Pierrot, Le Fou" (Pedro, O Louco), filme de Jean-Luc Godard com Jean-Paul Belmondo e Anna Karina

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Peter Lorre, ator de "M", "Casablanca" e "The Man Who Knew Much"

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Peter O'Toole, ator de "Lawrence of the Arabia" e "Venus"

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Peter Weller, ator de "Robocop" e "Naked Lunch"

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Pedro Almodovar, cineasta de "Pain and Glory", "All About My Mother" e "Women on the Verge of a Nervous Breakdown"

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Pedro Costa, realizador de "Vitalina Varela" e "Quarto da Vanda"

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Peter Cushing, ator de "Star Wars" e vários títulos da Hammer

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Peter Weir, realizador de "The Mosquito Coast", "Truman Show" e "Picnic at Hanging Rock"

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Peter Bogdanovich, realizador de "The Last Picture Show" e "Paper Moon", um dos responsáveis pela conclusão de "The Other Side of the Wind", de Orson Welles

"Liberté" e que se abram os portões do Inferno!

Hugo Gomes, 01.05.20

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Perante o puritanismo da corte de Louis XVI, vários aristocratas, confiando os seus mais íntimos desejos no libertino e livre Duque de Walchen (Helmut Berger), refugiam-se num bosque cercado pela escuridão do ocultismo (enquanto no seu interior comemorava-se o devaneio do iluminismo). Aí, após cumpridos os preparativos, estes homens e mulheres de requinte, prestígio e glamour são automaticamente desprovidos das suas “peneiras”, convertidos em seres rastejantes que farejam as fantasias idealizadas. O objetivo é apenas um: antes da morte chegar de madrugada há que matar o desejo, sendo esse envolvido de prazer, dor e humilhação.

De Albert Serra, o cinema é algo inclassificável e despido de qualquer rigor na sua conceção. Desde a sua segunda obra – “Honor de cavalleria” (2006) – o catalão tem inventado, experimentado e tentando com isso descobrir a sua noção de cinema. É uma descoberta sentida ao longo de 15 trabalhos (sejam longas, curtas ou ensaios performativos), que revê na mortalidade das suas personagens, o tremendo travessão para as suas próprias narrativas.

Com a “La mort de Louis XIV”, o antepassado do monarca “invisível” de “Liberté”, Serra confiou num dito ator profissional, a repugna vencida que tem proclamado no seu percurso enquanto cineasta, Jean-Pierre Léaud, da mesma forma que os decadentes elementos da nobreza e os seus serventes cegamente são guiados pela “sabedoria” de Walchen (uma distorção da imagem e filosofia do Marquês de Sade). Foi nesse exato filme que o ator apoderou-se da forma tosca com que Serra se dirige aos seus recontos, e nesse aparato, a morte citada é revelada na queda do enorme “imperador” e do seu legado. Aí, o realizador reinventou-se, mas foi sol de pouca dura, contextualizado pelo decorrer das experiências estampadas no ecrã de “Liberté”.

Há aqui um regresso à sua normalidade improvisada e, como tal, fora Léaud, o ego de Serra paira sobre o mato cerrado, sendo o espectador novamente embatido na experiência como fruto do acaso ao invés de reflexão. O que “Liberté” destaca frente à fase ante-Louis XIV é a sua subliminar linha-guia e o dito experimento que vai ao encontro das fantasias segregadas por Serra. A perversão contínua pontuada por um autêntico “freak show” de masoquistas, sodomia e barbaras resoluções para sedes secretas no foro sexual; o eros e thanatos (amor/vida e morte) que bailam inseparavelmente no breu da noite. A experiência de Serra é um objeto acidental que refresca o sexo como mero estatuto social, sobretudo de poder, assim como Pasolini o entendeu no mais radical dos seus filmes – “Salò o le 120 giornate di Sodoma”.

Portanto, em “Liberté” assistimos com repugna e em modo voyeurista estas excentricidades encenadas, por vezes intermináveis, como parte de uma performance coletiva incrustada e documentada em digital. Os atores parecem deambular sem orientação alguma por parte de Serra (talvez seja essa a libertação requerida de todo este processo), determinado aqui a cometer mais um mimo ao seu imbatível ego. 

Com isto prova que é um piores e simultaneamente melhores cineastas do nosso tempo (eros e thanatos num só, como se consolida a sua obra); um homem refém das suas tentações e fantasias hedonistas que alimentam unicamente o seu paladar, deixando de fora a degustação do espectador.

Bem-vindos ao "buffet"!

Hugo Gomes, 24.03.20

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A grande sensação da Netflix, “El hoyo” ("A Plataforma") deseja ser um filme-alegórico que combina os elementos do cerco vistos e revistos desde “Cube” (Vincenzo Natali, 1997) e os derivativos que se seguiram e prolongaram até aos nossos dias.

O que adensa o mistério conceptual desta longa-metragem de estreia de Galder Gaztelu-Urrutia, vencedora do Festival do Cinema Fantástico de Sitges, é uma previsível tese da instituída pirâmide social. Aqui, numa espécie de “não lugar”, encontramos uma coluna edificante, dividida em mais de 200 pisos, com pequenas celas de dois residentes (prisioneiros ou voluntários) que, todos os dias, se alimentam através de um "buffet" cuidadosamente preparado numa plataforma que vai de cima para baixo. Por outras palavras, os dos pisos de cima empanturram, os do meio colhem as sobras e os de baixo … bem, tentam manter-se vivos. E este é um sistema que constantemente procura a sua sustentabilidade, nem que para isso tenha que alterar mês a mês a posição dos seus "hóspedes".

Inspirado na alegoria das Colheres Longas, onde o saciar da fome se consegue graças à entreajuda, "A Plataforma" é essa tentativa de descodificar o armadilhado processo de distribuição, que se torna o "conflito" de uma obra atmosférica que se mantém devidamente presa aos lugares-comuns deste tipo de exercícios cinematográficos. Para tornar as “coisas” menos interessantes, o clímax é povoado do mesmo material de muitos desses filmes, inclusive num final em aberto, críptico e demasiado dependente da imaginação do espectador.

Dito isto, "A Plataforma" pode não ser "revolucionário", mas tem ideias políticas, sociais e éticas “deliciosas” e provocadoras. Como iguaria, não é coisa pouca...