Wacko References
Wacko (Greydon Clark, 1982)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Wacko (Greydon Clark, 1982)
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François Truffaut e Alfred Hitchcock
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Alfred Hitchcock, 1947
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Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelles (Chantal Akerman, 1975)
O problema incutido nas listas coletivas encontra-se na reação posterior. Existe uma crença neste tipo de forças mútuas como se uma verdade inabalável, um absolutismo, se tratasse. Recordo, há um par de anos, no virar de uma década completada, um top correspondente por parte do Cahiers du Cinéma, no qual elegia a série “Twin Peaks: The Return” como o filme marcante de dez anos de cinema, curiosamente, lugar que, estranhamente, coube a uma produção televisiva. Porém, a lista revelou-se fruto dos seus colaboradores, statements ou mensagens à parte, cada um pôde ler como bem apeteceu, mas na realidade é que após a divulgação foram muitos os que contestaram as escolhas num radicalismo puro e pior, colocaram em causa a reputação da revista de cinema. A resposta de muitos surgiu nas formas de listas individuais e pessoais, uma hipocrisia de quem condenava um trabalho de muitos.
As listas são o que são, meros “apanhados”, mero resultado democrático, e talvez essa contestação cada vez mais violenta de uma, seja um reflexo das nossas sociedades que se tem mostrado mais polarizadas, viventes de um período pós-verdade, ou será antes, embate de “uma” verdade contra a “outra” verdade (a verdade de cada um, vulgarmente declarado e citado por aqueles que pouco acreditam na mesma). Essa “violência” surge agora na forma de outra revista, a “Sight and Sound” da BFI, e a sua célebre eleição de “Melhor Filme de Sempre”. Título ambicioso, embora nele haja um certo simbolismo quanto à mesma. O processo é um inquérito feito através de uma seleção de críticos internacionais, cada um deles escolhendo dez títulos para que depois disso a magia seja feita. Desde o início desta atividade já esteve no topo, “Ladri di Biciclette" de Vittorio Di Sica, “Citizen Kane” de Orson Welles e por último “Vertigo” de Alfred Hitchcock. Um neorrealista italiano e dois pertencentes à Hollywood clássica tiveram em mãos a faixa de “Melhor Filme de Sempre”, um trio que dá lugar a um quarteto, porque aí entrou uma nova triunfante: “Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelles” de Chantal Akerman.
E num estalar de dedos, as reações fizeram-se sentir, de um lado quem celebrou a representatividade, “mulher feminista e queer”, promovendo causas e ativismos acima da arte (pois bem, mesmo sendo ambas, Chantal Akerman nunca pretenderia ser reconhecida desta maneira). Enquanto, do outro lado da barricada, como cães de Pavlov, rugindo e rasurando, acusando com a pretensão de “wokismo” e ideologias, sem perceber que até as suas vozes operam em regimento de uma. Um cenário polarizado, um cenário divisório, longe daquilo que poder-se-ia celebrar, o Cinema. Não se deve queimar Welles, Hitchcock nem Di Sica por não corresponderem a um mundo idealizado, ou simplesmente representarem um outro, cada vez mais distanciado (contraditoriamente, Orson Welles mantêm-se mais moderno que muito do cinema hoje produzido, e “Vertigo” num dos mais influentes de sempre), nem a oposição, o de “fechar portas” a "newcomers".
Citizen Kane (Orson Welles, 1941)
“Jeanne Dielman”, datado de 1975, representa um outro nome de Cinema, não o de “ser realizado por uma mulher”, antes disso, um anti-enredos aristotélicos, um anti-academista, um anti-Hollywood, um anti-agenda, um “esculpindo o tempo”, com um quotidiano capturado não ao serviço de uma ficção novelesca (“Queriam o quê? Novela”, entra, mentalmente, em cena João César Monteiro!), mas ao experimento do Cinema como expressão visual. Chantal Akerman tornaria, e hoje mantêm-se, num dos nomes charneiro do “slow-cinema” (termo que considero abjeto porque nele “nasceram” muitas nulidades artísticas, convenhamos sublinhar). Hoje é impossível não encontrar os seus “rebentos”, os seus “filhos” e “filhas”, o seu Cinema, o que resta dele, encontra-se atualmente ao virar de cada esquina e citando Herman José, “essa prostituta de esquina que se dá pelo nome de Vida”, ninguém tenha tido a mesma capacidade de a emoldurar cinematograficamente como Akerman a fez nas suas mais diversificadas estâncias e em “Jeanne Dielman”, o quotidiano é uma “bitch”.
Mas porquê “Jeanne Dielman” agora? Fácil de responder, um conflito geracional e com cada vez mais novos críticos no poll, de diferentes regiões geográficas, no qual reflete as divergências quanto ao cinema influente de cada nacionalidade. Certamente, e possivelmente, daqui a diante os filmes serão mais recentes (em 2012, um filme de ‘41 foi destroçado por um de ‘58, e dez depois, surge-nos uma obra com mais 16 anos de diferença, um espaço até menor entre “Citizen Kane” e “Vertigo”), mais extraviados do cânone anglo-saxonico (e atenção, Chantal Akerman é, acima de tudo, canónica). Haverá mais uma abertura para o cinema fora dos grandes polos. Quanto à falência à crítica apontada como razão desta escolha … realmente, a crítica de cinema encontra-se numas piores fases da sua existência, e poderíamos prolongar, mas continuo a mencionar que Roger Ebert tem muita culpa no cartório pelo binarismo, banalização e espetacularização. São outros tópicos.
Portanto, num momento em que a valorização ao storytelling (um sintoma do sistema algorítmico das novas "majors", as plataformas de streaming) tem sido imposto a milhões, “Jeanne Dielman” chega-nos com o título de “Melhor Filme de Sempre” para mandar uma mensagem ao Mundo, “o Cinema não serve só para historietas, também pode inquietar”. O resto, essas reações, são apenas ideologia (pró e anti, radicalismos que afastam a Sétima Arte da sua interminável demanda).
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Minari (Lee Isaac Chung, 2020)
Rebecca (Alfred Hitchcock, 1940)
Mirror / Zerkalo (Andrei Tarkovsky, 1975)
The Sacrifice / Offret (Andrei Tarkovsky, 1986)
Nightsiren (Tereza Nvotovà, 2022)
The Homesman (Tommy Lee Jones, 2014)
Burning (Lee Chang-dong, 2018)
Come and See / Idi i smotri (Elem Klimov, 1985)
Midsommar (Ari Aster, 2019)
Pet Semetary (Mary Lambert, 1989)
8 Mile (Curtis Hanson, 2002)
Gone with the Wind (Victor Fleming, 1939)
There Will Be Blood (Paul Thomas Anderson, 2007)
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The French Dispatch (Wes Anderson, 2021)
The House on Trubnaya Square / Dom na Trubnoy (Boris Barnet, 1928)
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Alfred Hitchcock
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Hoje morreu um dos meus heróis de ação, uma das grandes estrelas de cinema da minha contemporaneidade. Tinha 90 anos, eu sei, idade o qual já se perdoa a morte, mas não deixa ser uma perda das minhas, mais que percurso cinéfilo, memórias de infância. Sean Connery era uma lenda viva, um sinal de persistência no seu modo de interpretação, recusando alterar o seu sotaque escocês ferrenho e fugindo da indústria dececionado com o rumo desta. Grato pela tua existência, Sir.
Apesar do fato ridículo, Zardoz (John Boorman, 1974) tornou-se um delicioso filme de culto
O fracasso de The League of Extraordinary Gentlemen (Stephen Norrington, 2003) foi a gota de água que motivou o seu "divórcio" para com a indústria
The Untouchables (Brian De Palma, 1987) o levou ao seu primeiro e único Óscar.
O bélico The Hill (1965), foi uma das suas colaborações com o cineasta Sidney Lumet.
Uma pausa durante as filmagens de Highlander (Russell Mulcahy, 1986).
Um dos seus filmes mais populares nos anos 90, The Hunt for Red October (John McTiernan, 1990)
Ao lado de Michael Caine na adaptação de Rudyard Kipling, The Man Who Would be King (John Huston, 1975)
Durante as rodagens de Marnie (Alfred Hitchcock, 1964)
Foi o primeiro 007 no cinema! Interpretou James Bond em 6 filmes e um tributo intitulado de Never Say Never Again (Irvin Kershner, 1983)
A outra colaboração com o cineasta Sidney Lumet - The Offence (1973)
Em Finding Forrester (Gus Van Sant, 2000) conseguiu uma das suas interpretações mais elogiadas
Ao lado de um jovem Christian Slater no The Name of the Rose (Jean-Jacques Annaud, 1986), uma adaptação (ou será mais interpretação) do livro de Umberto Eco
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Automaticamente, se tivéssemos que mencionar filmes da torrente carreira de Alfred Hitchcock, nunca passaria pelas nossas cabeças referir Stage Fright. É um dos seus “filmes menores” (Paul Duncan na edição Taschen o chamou de “policial fraco”), perpetuamente esquecido perante muitas das produções posteriores, essa escalada que tornaria, por fim, o britânico no grande “mestre do suspense” (obviamente que tal cognome seria totalmente apreciado tardiamente sob o proposição dos cinéfilos e críticos do Velho Mundo … mas essa não é a história).
Antes da altura do seu lançamento, o que evidenciávamos era um Hitchocock a adaptar-se aos ambientes megalómanos e acelerados da indústria hollywoodesca, desde os tempos de “protégé” do produtor David O. Selznick (Rebecca, Paradine Case) ou dos fracassos cometidos pelos seus “filhos bastardos” como The Rope (1948) e Under Capricorn (1949). Obviamente que resumir a sua estadia norte-americana por esses dois pontos é de uma ingratidão “plus” ignorância, sem esquecer dos felizes exercícios do seu thriller à casa (como o sucesso de Notorious em 1946) que emancipou pouco a pouco, tendo, por fim, o seu nome reconhecido e convertido num selo de qualidade. Mas com Stage Fright, possivelmente, estreado num crucial 1950, cinco anos após o final da Guerra, cinco anos fora dos anteriores bodes expiatórios e de cabeça voltada para novos terrores, desencadearia um dos seus episódios mais recauchutados do seu estilo e composição narrativa.
Não há como negar que Stage Fright não seja um filme à Hitchcock, com todos os seus “rodriguinhos” de historieta; crimes, “macguffins”, falsos-culpados e investigações por conta própria. Tudo lá, embrulhado sobre um aprumo técnico e de claras impressões que nos guiarão para um twist final (a reviravolta que não é mais do que a "cereja do topo do bolo"), por sua vez, engatado na pequena sofisticação de Hitchcock (o “falso” flashback, ou o flashback traiçoeiro, como o quiserem chamar). Aí, há um caminho andado para o seu culminar (dez anos depois com Psycho), através da introdução de um conceito tão inevitavelmente censurado no cinema hitchcockiano. A palavra não é dita … a nossa heroína (Jane Wyman), cala-se a tempo de o invocar perante a loucura revelada do seu “falso-culpado”. O espectador contemporâneo possivelmente não o irá decifrar, será preciso um tempo-teste, umas quantas barreiras trespassadas e um assassinato acontecido num chuveiro que imortalizaria para todo o sempre, para que fosse possível, automaticamente, concluir esse raciocínio. Por enquanto, a mudez é a ambígua resposta à prolongada tese da culpa no cinema de Hitchcock.
Já o cineasta declarava que Stage Fright era o seu crítico exame à arte da atuação, colocando-o perto a perto com outra arte que o tanto fascina, a do crime. Depois dos desejos de impregnar o homicídio como a oitava arte em The Rope, a busca pelo crime perfeito e sem culpas em Strangers on a Train, o qual iria embarcar um ano depois, este seu “filme menor” instalava-se na teatralidade como uma das armas reconhecidas para essa ideia de assassinato concretizado, e nesse aspeto, os atores como os mais perigosos do ramo devido à sua iniludível capacidade.
Porém, o encenador aqui é outro, Alfred Hitchcock, que expõe a anatomia do crime através de um delicado humor e fascínio (muitas vezes transladados às suas personagens, ao amador detetivesco Alastair Sim) pela óbvia morbidez. Digamos que ele é o verdadeiro patife de todo este rol de criminosos, vitimas e culpados, usufruindo constantemente da sua posição de poder. O cineasta está a uns valentes passos acima do espectador, e tal é demonstrado na introdução da madame Marlene Dietrich a este universo, encarregue de nos apresentar o distintivo macguffin, a desculpa para o nosso embate policial. Tal como a personagem aflita que pede auxilio para remediar um dos seus atos impensáveis, Stage Fright solicita o nosso amor enquanto cinéfilo - “Say that you love me. You do love me, don't you?”.
Isto tudo para afirmar, que mesmo na sua esquecida posição, não saindo da sua menosprezada etiqueta de “obra menor”, Stage Fright foi o importante arranque para a mais consagrada década da carreira de Hitchcock. Depois disto, o rol é incontornável!
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Alfred Hitchcock e Janet Leigh durante a rodagem de "Psycho" (1960)
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