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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Ser ou não ser Sean Connery

Hugo Gomes, 31.10.20

Hoje morreu um dos meus heróis de ação, uma das grandes estrelas de cinema da minha contemporaneidade. Tinha 90 anos, eu sei, idade o qual já se perdoa a morte, mas não deixa ser uma perda das minhas, mais que percurso cinéfilo, memórias de infância. Sean Connery era uma lenda viva, um sinal de persistência no seu modo de interpretação, recusando alterar o seu sotaque escocês ferrenho e fugindo da indústria dececionado com o rumo desta. Grato pela tua existência, Sir.

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Apesar do fato ridículo, Zardoz (John Boorman, 1974) tornou-se um delicioso filme de culto

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O fracasso de The League of Extraordinary Gentlemen (Stephen Norrington, 2003) foi a gota de água que motivou o seu "divórcio" para com a indústria

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The Untouchables (Brian De Palma, 1987) o levou ao seu primeiro e único Óscar.

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O bélico The Hill (1965), foi uma das suas colaborações com o cineasta Sidney Lumet.

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Uma pausa durante as filmagens de Highlander (Russell Mulcahy, 1986).

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Um dos seus filmes mais populares nos anos 90, The Hunt for Red October (John McTiernan, 1990)

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Ao lado de Michael Caine na adaptação de Rudyard Kipling, The Man Who Would be King (John Huston, 1975)

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Durante as rodagens de Marnie (Alfred Hitchcock, 1964)

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Foi o primeiro 007 no cinema! Interpretou James Bond em 6 filmes e um tributo intitulado de Never Say Never Again (Irvin Kershner, 1983)

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A outra colaboração com o cineasta Sidney Lumet - The Offence (1973)

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Em Finding Forrester (Gus Van Sant, 2000) conseguiu uma das suas interpretações mais elogiadas

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Ao lado de um jovem Christian Slater no The Name of the Rose (Jean-Jacques Annaud, 1986), uma adaptação (ou será mais interpretação) do livro de Umberto Eco

 

Stage Fright: "Diz que me amas, Sir Hitchcock"

Hugo Gomes, 05.07.20

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Automaticamente, se tivéssemos que mencionar filmes da torrente carreira de Alfred Hitchcock, nunca passaria pelas nossas cabeças referir Stage Fright. É um dos seus “filmes menores” (Paul Duncan na edição Taschen o chamou de “policial fraco”), perpetuamente esquecido perante muitas das produções posteriores, essa escalada que tornaria, por fim, o britânico no grande “mestre do suspense” (obviamente que tal cognome seria totalmente apreciado tardiamente sob o proposição dos cinéfilos e críticos do Velho Mundo … mas essa não é a história).

Antes da altura do seu lançamento, o que evidenciávamos era um Hitchocock a adaptar-se aos ambientes megalómanos e acelerados da indústria hollywoodesca, desde os tempos de “protégé” do produtor David O. Selznick (Rebecca, Paradine Case) ou dos fracassos cometidos pelos seus “filhos bastardos” como The Rope (1948) e Under Capricorn (1949). Obviamente que resumir a sua estadia norte-americana por esses dois pontos é de uma ingratidão “plus” ignorância, sem esquecer dos felizes exercícios do seu thriller à casa (como o sucesso de Notorious em 1946) que emancipou pouco a pouco, tendo, por fim, o seu nome reconhecido e convertido num selo de qualidade. Mas com Stage Fright, possivelmente, estreado num crucial 1950, cinco anos após o final da Guerra, cinco anos fora dos anteriores bodes expiatórios e de cabeça voltada para novos terrores, desencadearia um dos seus episódios mais recauchutados do seu estilo e composição narrativa.

Não há como negar que Stage Fright não seja um filme à Hitchcock, com todos os seus “rodriguinhos” de historieta; crimes, “macguffins”, falsos-culpados e investigações por conta própria. Tudo lá, embrulhado sobre um aprumo técnico e de claras impressões que nos guiarão para um twist final (a reviravolta que não é mais do que a "cereja do topo do bolo"), por sua vez, engatado na pequena sofisticação de Hitchcock (o “falso” flashback, ou o flashback traiçoeiro, como o quiserem chamar). Aí, há um caminho andado para o seu culminar (dez anos depois com Psycho), através da introdução de um conceito tão inevitavelmente censurado no cinema hitchcockiano. A palavra não é dita … a nossa heroína (Jane Wyman), cala-se a tempo de o invocar perante a loucura revelada do seu “falso-culpado”. O espectador contemporâneo possivelmente não o irá decifrar, será preciso um tempo-teste, umas quantas barreiras trespassadas e um assassinato acontecido num chuveiro que imortalizaria para todo o sempre, para que fosse possível, automaticamente, concluir esse raciocínio. Por enquanto, a mudez é a ambígua resposta à prolongada tese da culpa no cinema de Hitchcock.

Já o cineasta declarava que Stage Fright era o seu crítico exame à arte da atuação, colocando-o perto a perto com outra arte que o tanto fascina, a do crime. Depois dos desejos de impregnar o homicídio como a oitava arte em The Rope, a busca pelo crime perfeito e sem culpas em Strangers on a Train, o qual iria embarcar um ano depois, este seu “filme menor” instalava-se na teatralidade como uma das armas reconhecidas para essa ideia de assassinato concretizado, e nesse aspeto, os atores como os mais perigosos do ramo devido à sua iniludível capacidade.

Porém, o encenador aqui é outro, Alfred Hitchcock, que expõe a anatomia do crime através de um delicado humor e fascínio (muitas vezes transladados às suas personagens, ao amador detetivesco Alastair Sim) pela óbvia morbidez. Digamos que ele é o verdadeiro patife de todo este rol de criminosos, vitimas e culpados, usufruindo constantemente da sua posição de poder. O cineasta está a uns valentes passos acima do espectador, e tal é demonstrado na introdução da madame Marlene Dietrich a este universo, encarregue de nos apresentar o distintivo macguffin, a desculpa para o nosso embate policial. Tal como a personagem aflita que pede auxilio para remediar um dos seus atos impensáveis, Stage Fright solicita o nosso amor enquanto cinéfilo - “Say that you love me. You do love me, don't you?”.

Isto tudo para afirmar, que mesmo na sua esquecida posição, não saindo da sua menosprezada etiqueta de “obra menor”, Stage Fright foi o importante arranque para a mais consagrada década da carreira de Hitchcock. Depois disto, o rol é incontornável!

#Neverforget

Hugo Gomes, 28.01.20

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Ontem, dia 27 de janeiro, comemorou-se os 75 anos da libertação do campo de concentração de Auschwitz.

Um dia para relembrar e nunca esquecer que experienciamos o Holocausto, hoje cada vez mais fomentando como uma “mera opinião politica” alicerçado a uma certa ideologia que se infiltra nas sociedades ocidentais. Mas não seguiremos por esse caminho tenebroso, a memória é aqui a nossa moral. O “Shoah”, essa palavra sem tradução atribuída de forma a assinalar e distinguir, assume-se como a garantia de que tais trevas não se repetirão. Infelizmente, o “andar da carruagem” segue em direção desses mesmos erros passados.

No cinema, a memória mantêm-se viva, quer no registo documental, quer na ficção, de forma a garantir o “Never Forget” (nunca esquecer).

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Nuit et brouillard (Alain Resnais, 1956)

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Kapô (Gillo Pontecorvo, 1960)

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German Concentration Camps Factual Survey (Sidney Bernstein & Alfred Hitchcock, 2014) 

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La vita è bella (Roberto Benigni, 1997)

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Shoah (Claude Lanzmann, 1985)

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Treblinka (Sérgio Tréfaut, 2016)

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Denial (Mick Jackson, 2016)

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The Boy in the Striped Pyjamas (Mark Herman, 2008)

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The Schindler's List (Steven Spielberg, 1993)

Nem uma mosca ...

Hugo Gomes, 10.01.16

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"They know I can't move a finger, and I won't. I'll just sit here and be quiet, just in case they do... suspect me. They're probably watching me. Well, let them. Let them see what kind of a person I am. I'm not even going to swat that fly. I hope they are watching... they'll see. They'll see and they'll know, and they'll say, "Why, she wouldn't even harm a fly..."

- Anthony Perkins (Psycho, 1960) Alfred Hitchcock

"Rebecca": um filme de Hitchcock ou de Selznick?

Hugo Gomes, 17.07.15

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Rebecca (Alfred Hitchcock, 1940)

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Gone with the Wind (Victor Fleming, 1939)

Apesar de oriundo da indústria britânica, Alfred Hitchcock era durante muito tempo um interessado observador do sistema de Hollywood e da sua respectiva manufacturação. A sua chegada ao Novo Mundo em 1939 (de forma a evitar a queda/inexistência de uma indústria inglesa) levou-o a embarcar num dos maiores desafios da sua vida profissional. Não a estreia num circuito cinematográfico, que não lhe era de todo estranho, mas a emancipação num processo de criação tão dependente por terceiros que era Hollywood. Como primeira ofensiva, Hitchcock decide adaptar o célebre livro de Daphne Du Maurier, “Rebecca”, e para tal recorre ao produtor David O. Selznick, que na altura encontrava-se a colher os frutos da promoção e sucesso de “Gone with the Wind” (“E Tudo o Vento Levou”). Hitchcock escreveu o argumento, mas foi automaticamente recusado pelo produtor. Contudo, isto não foi o fim e a colaboração continuou.

O chamado processo de colaboração entre os dois, foi de tudo menos harmonioso. O britânico, ansioso pela sua liberdade teria que se confrontar com um produtor possante e casmurro na sua execução. Se “E Tudo o Vento” Levou foi uma produção difícil, nada facilitada por Selznick, que segundo consta, pretendia controlar o mais ínfimo pormenor do filme (relembramos que as aventuras e desventuras de Scarlett O’Hara passaram por mais de sete realizadores e só um mereceu o seu nome creditado no espaço de “directed by“), já “Rebecca” foi um prolongado braço-de-ferro, quer pela dominância da rodagem, quer pela perpetuação de um estilo. O produtor era muito dado a adaptações de nutra fidelidade, à exposição de página para o frame e pelos diálogos extraídos na sua integralidade, por outro lado, Hitchcock aprendera a aperfeiçoar o efeito-sugestão, algo que havia adquirido dos seus “estudos” do expressionismo alemão e das primeiras passadas deste para o sonoro (“M”, de Fritz Lang, por exemplo, é uma das grandes influências do “mestre do suspense“).

Rebecca” consolidou esses dois mundos em plena confrontação. No campo de Hitchcock é visível, ou na melhor das hipóteses, invisível, um espectro que percorre todo o percurso matrimonial da protagonista, Mrs. Winter (Joan Fontaine), que se apercebe, gradualmente, de estar a integrar um lugar anteriormente ocupado pela mulher do título. A Rebecca assume-se como um fantasma, um mistério que por sua vez dissolve como uma capa ilusória, essa sugestão que poderíamos aproveitar das “garras” de Hitchcock (o relógio, o olhar suspeito e frio de Mrs. Danvers, o cão que tenta ir para “sabe-se lá onde“). Do outro lado, a sensibilidade feminina encontrada no cinema de Selznick, a evolução da sua protagonista, os embates psicológicos entre mulheres em terreno salobro, os “palacetes”, neste caso a mansão Manderley, a servir mais do que um cenário, uma personagem extraída da sua omnipresença (esta mansão iria mais tarde inspirar Orson Welles na concepção da sua Xanadu em “Citizen Kane”).

Estes dois mundos fecundam uma obra gótica, ingenuamente romântica e sob uma distorcida esquizofrenia moral. Se por um lado, existe aquela dualidade de estilo que cede a malabarismos autorais, a psicologia das personagens torna-se também num terreno fértil para essas disputas. É visível a moralidade de Hitchcock, a “culpa” como signo da sua filmografia, divinamente representada nos últimos momentos em que a governanta, Mrs. Danvers (Judith Anderson), reduz a cinzas o “assombrado” imóvel como um delirante acto de redenção com a sua não assumida culpa (uma sequência que faz paralelismo com o incêndio de Atlanta em “Gone with the Wind”).

Rebecca (Alfred Hictchcock, 1940)

Gone with the Wind (1939)

Contudo, do outro lado, a imoralidade que nos leva à ambiguidade da trama, neste caso o marido (Laurence Olivier), assombrado por esses mesmos fantasmas da culpa, no qual é lhe cedido a oportunidade do tremendo happy ending em letras garrafais. É de recordar que no anterior “Gone with the Wind”, Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) convertia-se numa das primeiras anti-heroínas do cinema clássico através de atos questionáveis que, contra a corrente, nos levavam a uma certa compaixão. O’Hara evitava os maneirismos e o evidente maniqueísmo moralizador da época através de uma exposição das suas motivações (“As God is my witness, as God is my witness they’re not going to lick me. I’m going to live through this and when it 's all over, I’ll never be hungry again. No, nor any of my folk. If I have to lie, steal, cheat or kill. As God is my witness, I’ll never be hungry again”). Em Rebecca, Laurence Olivier confessa o seu pecado, o involuntário crime que o atormentou, a partir dali o espectador sabe que a sua sentença é inevitável… O mesmo que acolhe pelo seu castigo, é o mesmo que deseja a sua absolvição, essa, conseguida através do mais repentino Deus Ex Machina, o save by the bell que nos guiará à autodestruição do culpado seguinte. E assim, chegamos a um outro “carrasco”, Hitchcock, na sequência anteriormente referida.

Rebecca” foi assim um sucesso imediato, e galardoado com dois Óscares da Academia, incluindo o de Melhor Filme (o segundo ano consecutivo para David O’ Selznick). Quanto a Hitchcock, ficou-se pela nomeação de Realizador (esse ano a estatueta seguiu para John Ford e o seu “Grapes of Wrath”). Hitchcock iria ser nomeado por mais quatro vezes sem resultados satisfatórios. Mas para o britânico, Rebecca é a vitória tremenda de um “estrangeiro” dando os primeiros passos em Hollywood, conseguindo vencer produtores megalómanos e tornando-se num nome relevante na indústria. Tornaria a colaborar com Selznick por mais duas vezes (“Spellbound” e “Paradine Case”), mais confiante e vinculado ao seu próprio estilo.

Até hoje, por mais legado que “Rebecca” esteja do seu nome, o filme orquestrou como um prova de ambição, a sua autoria esteve dividida por quatro mãos em constante conflito. Mas nada que evite a obra de ser o memorável labirinto gótico, aquela história de obsessão, medo, e de desconforto, vencido pela ingenuidade do seu amor. Numa Hollywood que acredita em romances, “Rebecca” era um dos seus grandes trunfos.