"We've met before, haven't we."
"It's been a pleasure talking to you." Robert Blake ("Lost Highway", 1997) David Lynch
Robert Blake (1933-2023)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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"It's been a pleasure talking to you." Robert Blake ("Lost Highway", 1997) David Lynch
Robert Blake (1933-2023)
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“Vamos antes ver o ‘Terminator 4''', sugere o par de jovens que abandona o cinema de bairro após a resposta negativa quanto à presença de peitos em “Bolero Fatal”, esse tumultuoso filme-fictício que serve de coração para a narrativa de “For Ever Mozart” (Jean-Luc Godard, 1996). Esta atitude em forma de sketch segue no eixo de uma caricatural première, o qual, após uma debandada generalizada dos possíveis espectadores, o filme, esse “Bolero”, é erradicado automaticamente da mesma sala. Isto para salientar um dos aspetos importantes deste filme que por sua vez reflete na demanda de Godard, a busca pelo “não-filme”, o seu interesse pela “possibilidade de” e não o concreto.
Antes da notícia que abalou o mundo cinéfilo - o Cinema órfão de Jean-Luc Godard, - a SR Teste Edições editava a tradução dos diálogos entre o cineasta e a escritora e realizadora Marguerite Duras, uma compilação deliciosa em três saltos temporais, que subtilmente revelava um embate de ideias quanto à palavra e a sua importância para com quem trabalha com imagens. Por diversas vezes, Godard mencionava os “não-filmes” por entre os diálogos, desde aquele trocado por Duras e Gerard Depardieu em "Le Camion" (1977), ou a adaptação inconvencional de “L'Amant” [livro da autoria de Duras] através dessa troca de ideias, até ao desprezo ostentado por Bertolucci pelo preciso momento em que avança com “The Last Emperor”. Godard escolheu o caminho eremítico, questionando e debatendo a própria cerne do Cinema enquanto estrutura estabelecida, e como tal possibilitou-nos a assistir nessas suas últimas pegadas na Terra, tremendas tentativas em concretizar um “não-filme”. Gestos algo falhados, portanto, inconcebível porque desde o momento que se avançava num projeto, esse idealizado “não-filme” deixaria automaticamente de existir.
É um paradoxo, aquele em que Godard se “enfiou”, mas antes disso, é a mentira que tentou vender a si mesmo para "disfarçar" a sua perda de crença no Cinema. Sim, Godard deixou de acreditar no Cinema, deixou de vê-lo como uma arte humana, criada por Homens e pensada por Homens. Deixou de crer no Cinema enquanto algo atingível. Para Godard, o Cinema havia esgotado, não restava nada, apenas os filmes ditos e nunca elaborados, nunca encenados, nunca escritos, os tais “não-filmes”.
Em “For Ever Mozart”, existe uma inicial crença na vitalidade do Cinema, tentando repescar esse espírito dos anos 60, onde a desconstrução, o burlesco, a aceleração e as ideias invocadas e rachadas em película seriam o mote do seu diálogo audiovisual. Mas tudo se tratou de uma miragem, de uma ilusão, no fim de contas, o verdadeiro filme, o Cinema digamos nós, em Godard, está no “Bolero Fatal”, o “não-filme” do seu “filme-real”. O “não-filme” como macguffin. O “não-filme” todo ele renegado da sua estreia.
Desta maneira, é possível constatar a descrença, não só no Cinema, como também no seu público, desinteressados quanto à subversão e à perversão. Convertendo-se em escravos da indústria e do cinema “empapado”, ansiosos pelo que estão familiarizados (o gag do ‘Terminator 4’) do que a descoberta que um filme “fatal” poderia proporcionar.
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Topol em "Fiddler on the Roof" (Norman Jewison, 1971)
Topol (1935 - 2023)
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Após seis filmes enquanto assassino-protagonista, Jason Voorhees [“Friday the 13th”] migra para Manhattan continuando a matança em largos número, por sua vez, após assumir a propriedade de “Scream” do falecido Wes Craven e do argumentista Kevin Williamson, a dupla Matt Bettinelli-Olpin / Tyler Gillett decide transportar Ghostface para Nova Iorque para uma eventual “mudança de ar”. Em certa parte funcionou com o terceiro filme, ambientando o dito slasher pós-moderno e desconstrutivo em terras de Hollywood (mesmo que a ausência de Williamson fizesse sentir na intriga), e inspira neste novo modelo da saga que pouco ou mais nada tem a acrescentar.
É correria e facaria, de pés assentes na sua nostalgia herdada e piscadela de olhos a novos públicos (adeus Neve Campbell, olá Jenna Ortega) seguindo o manual de “como conquistá-los”. Para isso recorre-se a um capítulo graficamente violento (o mais explícito de toda a franquia) e um “punhado” de easter eggs que nos transporta para uma montra memorialista quanto aos restantes filmes (união geracional, operando num só uniformizado). Bettinelli-Olpin e Gillett “brincam” à Wes Craven, mimetizando tiques e toques e atentando com “chico-espertice” o seu legado, sem os refrescos necessários para construir um próprio, porque o desejo é mais simples que isso (prestígio em tão pouco esforço). Contudo, comparativamente ao filme anterior [o inequívoco “Scream” apenas], é mais confiante, desenrascado e ritmado (a sequência no metro é das visualmente mais bem-sucedidas em toda esta confusão, quase redimindo a obra), para esboçar velhas fórmulas, praticadas uma e outras vezes, a caminho de uma exaustão (e com uns quantos plot holes).
Depois disto, e seguindo a trajetória de outras sagas slashers, daqueles que tanto adoram invocar, o Espaço é possivelmente a última fronteira e o seu degredo final (se realmente acontecer, leram aqui primeiro).
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Na próxima sexta-feira (10 de março) irá decorrer a 1ª Cerimónia de entrega dos Prémios Curtas, Auditório Fernando Pessa (Lisboa), apresentado por Rui Alves de Sousa (jornalista e radialista da Antena 1) e com exibição de três curtas-metragens (“Glória de Fazer Cinema em Portugal” de Manuel Mozos, “Arena” de João Salaviza e a animação “Nestor” de João Gonzalez [o mesmo de “Ice Merchants”, nomeado ao Óscar]). Integrei o júri em conjunto com Bruno Gascon (realizador de “Carga” e “Sombra”), Mia Tomé (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Rafael Félix (crítico) e André Pereira (videografo e editor de vídeo).
Os nomeados poderão ser conferidos aqui.
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Costuma-se vulgarmente sublinhar que “a escola é um reflexo da sociedade corrente”, nesses mesmos termos podemos considerar a “sala de professores” como os bastidores do Poder regedor dessa mesma. Quase como hanekiano na forma como se presta a construir presunções sociológicas através dos pequenos detalhes (como também na estética fria e ocasionalmente rígida), e por sua vez, até de grandes eventos em vias de acontecer (como foi o caso de “The White Ribbon” (2009) e os sinais marcantemente sociológicos no qual previa a Segunda Grande Guerra), em “The Teachers’ Lounge” de İlker Çatak [a sua segunda longa-metragem], não se trata de uma previsão, mas sim constatação.
A desventura dá-se na perspetiva de Carla Novak (uma destemida Leonie Benesch), uma jovem professora de matemática e de desporto que acarreta novos ideais pouco impressionáveis aos seus mais veteranos colegas. A protagonista coloca em prática o que sabe (aliás, o que acredita) para tentar desvendar uma cadeia de roubos que têm lugar na chamada sala de professores. Furtos, esses, o qual todos suspeitam ser obra de uma aluno. O que Novak descobrirá alterará para sempre a sua posição enquanto professora, como também desequilibrará a hierarquia estabelecida entre lecionadores e pupilos.
Há dois pontos a reter em “The Teachers’ Lounge” para além da sua alegórica político-social (até um jornal de escola joga-se na representação da liberdade de imprensa), a primeira é o registo narrativo do filme em nunca sair do seu cenário [leia-se escola], como também repugnando automaticamente essa evasão (como soubesse que a sua “força” está enraizada naquele cenário e naquele cenário apenas), desta forma a não evidenciar “backgrounds” pessoais sobre as personagens e principalmente da sua protagonista. A escola é um mundo feito, cumprido e emancipador.
Segundo ponto, apesar da enorme importação cultural vinda dos EUA que “contagia” sociedades, nomeadamente as europeias, o cinema do Velho Mundo persiste em retratar a figura do enfant como ambígua (ao contráio da "infantilização" dos cogéneres americanos), ou de inclinações maquiavélicas, seja a (re)invocação de Haneke (uma curiosidade, Benesch foi atriz em “The White Ribbon”) ou de outras variações (recentemente presenciamos a crueldade infantil no belga “Un Monde” de Laura Wandel, também nunca fugido do seu espaço escolar). A criança é vista como uma “criatura” perversa, porque serve de protótipo ao adulto do amanhã.
Quanto a “The Teachers’ Lounge”, os temas são mais que muitos, a sua mesclavagem e embutimento no décor, tornam esta pseudo-distopia fascinante o suficiente para nela encontrarmos o retrato dos nossos dias. A inocência é uma impunidade fantasiada nesta sociedade, ora os educandos não escondem a sua silenciosa anarquia, ora os educadores "cochicham" na sua sagrada “sala” para encontrar formas de os “controlar”. Este controlo parte na instituição de uma doutrina, e como tal é necessário determinar rituais cegamente cumpridos. A nossa protagonista não é “santa” no seu retrato, as palmas ritmadas com que exerce para demarcar a ordem na sua própria sala de aula, respondida de igual pelos seus alunos, é uma detalhe de como esta relação de Poder é uma preocupação neste sistema de ensino.
Talvez o cinema contemporâneo tenha a urgência de falar da nossa modernidade, uma demonstração das preocupações de uma arte ambivalente, ora propagandista, ora alarmista, conforme a “mão” de quem a usa, e dos “olhos” de quem a vê. Çatak constrói uma fábula sobre essa designação de Poder e de todas as suas consoantes [populismo, corrupção, panópticos, autoridade, repreensão, institucionalização], sem com isto sair da turma.
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True Romance (Tony Scott, 1993)
Blue Steel (Kathryn Bigelow, 1990)
Strange Days (Kathryn Bigelow, 1995)
Natural Born Killers (Oliver Stone, 1994)
Red Planet (Antony Hoffman, 2000)
Heat (Michael Mann, 1995)
Saving Private Ryan (Steven Spielberg, 1998)
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Feita uma pausa na dedicada procissão ao inventário artístico e intelectual de Pedro Costa, Júlio Alves encena a novela de Mário de Carvalho - “A Arte de Morrer Longe” - um “Marriage Story” à portuguesa, constrangido e dotado de um senso de absurdo que passa por representação da espuma dos nossos dias.
Aqui, o casal Arnaldo e Bárbara (Pedro Lacerda e Ana Moreira) colhe os frutos da negligência aos seus “felizes para sempre”, sintetizando que em “terra enfadonha” não existe príncipes encantados e como tal, a separação soa-nos um golpe de misericórdia ao suplício de uma relação moribunda. O processo formaliza-se como um inventário (aliás, outro para a carreira de Alves) - “da cozinha podes ficar com o microondas” - até que alguém menciona o “elefante da sala”, mais precisamente outro animal a assumir o silencioso e embaraçoso ícone do conflito: uma tartaruga.
O pequeno e singelo réptil é a partir daquele específico momento a exaltação de um necessário final de compromissos, possivelmente a última em que o “casal” terá como tomar enquanto … isso mesmo, casal. Porém, através de debates para apurar quem “fica com o ‘bicho’”, ou de quem o “‘bicho’ é propriedade”, que Arnaldo e Bárbara conformam-se em unir ao derradeiro destino do animal, naquele, aparentemente, simbólico e pequeno gesto, uma emancipação dos mesmos, o direito da sua respectiva individualização (possivelmente o digno final do casal, esse conjuntivo social o qual se empreenderam anos e anos).
“A Arte de Morrer Longe” é uma tragicomédia que embarca na alegoria do quelônio, o medidor de tensão arterial a uma relação, prescrevendo-a a um digno final, mais do que a consolidação. O desfecho será visto como acesso à independência social. Enquanto isso, a jornada doméstica destes seres não habilitados para com o anterior animal de estimação é tido num visual respeito quanto à sua privacidade, dito isto são os constantes planos engendrados em que Arnaldo e Bárbara mantêm-se, de alguma forma, separados e retidos para com o seu redor, a solidão por ambos emanadas traduzir-se em “gravidades” próprias (bem presente devaneios oníricos que aludem a essa, cada vez mais, distância para com o estabelecido conformismo), apenas intercalados por grandes planos da tartaruga, cuja natural vagarosidade do animal transfere uma certa indiferença ao conflito do casal.
Dito isto, Júlio Alves converte-se num certificador da imaginária e criada “ordem de restrição" decretada pelas personagens, e sem barricadas, indicia um invulgar trilho de superação para ambas. Os atores, por sua vez, são cúmplices dessa entranhada e voluntária melancolia. O que existe depois do amor?
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Gilda (Charles Vidor, 1946)
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