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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Pérola para os checos ...

Hugo Gomes, 05.02.25

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Perla (Rebeka Poláková) escapou da opressiva Cortina de Ferro que pairava sobre a sua nativa Checoslováquia para Viena, onde se tornou numa artista em ascensão. A sua filha, Julia (Carmen Diego), uma talentosa pianista, tem ainda muito território a pisar. Do outro lado da fronteira, Perla constrói uma vida estável e boémia, e até um marido que cuida dela com afecto e paixão, mas tudo ameaça desmoronar-se quando ouve uma voz vinda do passado. O pai de Julia, outrora prisioneiro político e agora finalmente libertado, deseja conhecer a filha e suplica uma visita das duas sob o pretexto de sofrer de uma doença terminal. À chegada ao outro lado da fronteira, a visita, o reencontro – ou talvez a reconciliação – entram em conflito com a nova identidade de Perla, desenterrando traumas ocultos e dilemas que dificultam a sua progressão. 

Segunda longa-metragem de Alexandra Makarova (“Crush My Heart”), “Perla” volta a ser um ensaio sobre identidades, deslocações e espíritos ambulantes, agora sob o contexto sociopolítico da desintegração dos estados soviéticos e da sua resiliência face a uma iminente derrota. O filme vive sobretudo da sua protagonista, Poláková, que transmite (e, crucialmente, esconde) uma angústia traumática perante o modus operandi do regime que a marcou durante anos. No regresso à Checoslováquia, o contraste com Viena é evidente – não apenas na rigidez e frigidez dos figurantes, moldados à imagem de um sistema opressivo e repressivo, como também no brutalismo quase ruralista e na névoa fantasmagórica que parece assombrar um local onde o tempo estagnou em prol de um “Bem Comum”, slogan decretado sem qualquer margem para dúvida.

Perla”, após a entrada do segundo ato, e transpassada o posto fronteiriço (um imagético separador capitular), tece habilmente subgéneros ou tendências formais que se desdobram ao longo da narrativa: da provocação à la Östlund, evidente no interior do hotel, uma mera fachada, aos embustes de folk horror que emergem no vilarejo; do flashback desconfortável filmado num único plano - que nos recorda do trágico e condutor episódio do georgiano “Beginning” (Déa Kulumbegashvili, 2020) ou desta corrente vaga de cinema russo anti-sistema (Kantemir Balagov, Kira Kovalenko) -, a exposição grotesca que coloca o espectador numa posição de impotência. É um filme de cerco sem ser verdadeiramente de cerco, evocando memórias da própria realizadora, que hoje, num mundo mais propenso a saudosismos e repetições históricas, parece adquirir uma nova dimensão. Porém, como exercício fílmico, herda a mesma austeridade e rígido formalismo manifestado por tantos que o precederam.

Filme em Competição no Festival de Roterdão 2025