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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

No lago do Falcão, banhando nas águas da juventude ...

Hugo Gomes, 02.09.23

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Claramente ao rever “Falcon Lake”, a intriga e as suas pressuposições adquirirão outro significado, mas a primeira viagem pela longa-metragem de estreia de Charlotte Le Bon é figurativamente equivalente à primeira viagem pela nossa descoberta emocional e sexual.

Apresentado em Cannes, mais precisamente na Quinzena de Realizadores da edição de 2022, “Falcon Lake” leva-nos ao homónimo lago canadiano, em época estival de um família ao encontro de um casal amigo, longe dos olhares dos adultos embarcados em jogos sociais e provas de vinhos deparamos com um pré-adolescente, que nas “artimanhas” de uma (assumida) adolescente, vai-se despertando para uma outra percepção para com o mundo - o fim da inocência, o início da adolescência. Por entre jogos sexuais e outros de cariz mutilador (o filme reage ao ‘suposto’ romance numa posição mórbida e silenciosamente sanguinária), a delicadeza de Le Bon em construir uma linguagem de corpos como interação carnal, respeitosa e, convém afirmar, nada de preocupantemente explícito ou lascivo, deixando a sugestão como elemento erotizado, convertendo esta obra numa espécie “madalena” proustiana universal (são poucos aqueles que não experienciaram as suas primárias demandas sexuais com cautela e magnetismo ao desconhecido). 

É um filme concebido nessa condição, a dos “verdes anos”, sem condescendências nem “ping pongs” perspetivos, onde os adultos tornam-se irrelevantes, sendo que aquele território é (agora) dominado pelos jovens hormonizados, secundarizando os seus tutores a forças ora ambíguas, ora antagônicas. E tal ‘guia turístico’ não funcionaria se o par não fosse convincente; ele (Joseph Engel, pequeno ator requisitado por Louis Garrel em várias das suas aventuras pela realização) incorpora o autodestrutivo ser corrompido pela experiência, batalhando entre a infância a fragmentar-se e a adolescência no virar da esquina, enquanto ela (Sara Montpetit), a vivaça, a sedutora emocionalmente quebrada, de ambições estagnadas numa lagoa assombrada, confronta com as suas decisões e a suas indecifráveis vontades. Uma dupla que nos convida a visitar seu íntimo, aos apalpões nas suas “primeiras vezes”, ignorando destinos fatídicos e supostos fantasmas que povoam o nenhures canadiano. 

Porém, a viagem é ela mesma corrompida, “Falcon Lake” deseja a sugestão como ninguém e nisso quebra a narrativa numa encruzilhada quase shyamaliana, depois disso o filme ganha um outro significado, uma outra visão, um outro efeito, o que nos leva ao grande dilema da nossa modernidade enquanto espectador - continuidade? Fortalecer ou enfraquecer?