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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Qual é a sensação de morrer?"

Hugo Gomes, 28.02.25

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Num vaivém pelos cantos prazerosos de Hollywood, Bong Joon-ho, após ser condecorado com o Óscar, regressa a uma estância há muito apetecida: a ficção científica, a distopia e aos seus “monstros” – sejam eles de feições grotescas ou de “faces” humanas, e determina esses elementos em cadência na adaptação do livro de Edward Ashton. Por isso, não vamos mentir: havia alguma expectativa em torno deste novo gesto do realizador de “Parasite”, até porque a sua contribuição sociológica surge com uma coincidência diabólica para o mundo em transformação que presenciamos.

Também palco para Robert Pattinson, já habituado às andanças espaciais [“High Life”], mostrar a sua versatilidade, tendo no papel do “descartável" Mickey Barnes o seu exercício performativo tragicómico e por vezes com queda para contido slapstick. Perseguido por um implacável agiota, candidata-se a uma expedição de colonialismo espacial - liderada por um político falhado, populista e desprovido de qualquer noção de estadismo (um cruzamento bizarro entre Trump, Musk e Oprah) vivido por um dentudo Mark Ruffalo - como passaporte de fuga à sua eventual destino. Para tal, Mickey inscreve-se para esse tal cargo - descartáveis. Ou melhor, sacrifícios humanos, literalmente “carne para canhão" nos primeiros passos da humanidade em territórios interespaciais desconhecidos. Para isso, cedem corpo e mente a uma impressora humana que, após cada morte, os recria, perpetuando um ciclo mórbido e absurdo. 

Devido a essa sua voluntária condição, Mickey é encarado como um sub-humano a bordo da nave, um pedaço de carne reciclada, constantemente questionado pelos curiosos – "Qual é a sensação de morrer?". Sem nenhum desígnio de vida para além de manter-se longe do cobrador e vivo pós-morte, algo em Mickey encontra na relação com Nasha (Naomi Ackie), uma das responsáveis pela segurança da missão, num apoio, quem sabe, a um futuro alcançável. O filme arranca sob a perspectiva da cópia 17, a tal que dá título, só que a sua morte não acontece como havia sido esperado e devido a isso, este ser recalcado adquire um estranho apreço à vida – ou o que resta dela –, e o medo da morte, numa dança epifânica para com o existencialismo.

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Dito assim, parece uma ficção científica entusiasmada, com os louros habituais que Bong Joon-ho coloca nos cabeçalhos: a eterna luta de classes, agora envolta num neo-colonialismo com um humanismo valorizadamente ingénuo. De um lado, temos um cinema político disfarçado de grande produção; do outro, um entretenimento descaradamente político, e mais: quando nos preparamos para uma Hollywood MAGA-friendly, o sul-coreano viu aqui a oportunidade de refletir uma sociedade americana vendida à política messiânica, teatralizada e belicista. Mas, para isso, torturou a narrativa, desorientou-a, trocou-lhe as voltas, violentou-a no aristotélico, até restar apenas uma sensação arrastada e tardia. O seu tom existencialista é infantilizado, simplificado, higienizado ao ponto de adequar à estratégia mercantilizada da produção - não podemos esquecer que Joon-ho está aqui a trabalhar para os norte-americano, e as majors abraçaram intensamente o algorítmico processo de “dumb down” (parafraseando James Mangold)

“Snowpiercer”, “Okja ou “The Host”: a trindade à qual “Mickey 17” se aproxima, só que de menor fôlego. Cansado do seu circuito de mortes experimentais, recita letra gasta sem o primor de outrora. Porém, mesmo fracassando, talvez tenhamos à nossa frente um último dos supra-dispensiosos filmes politizados de uma Hollywood pré-Trump 2.0 (a produção de Brad Pitt também tem os seus feitos).

Com isto resta apenas a pergunta: "Qual é a sensação de morrer?" Fica para a audiência …

Uma força maior à escala de Gene Hackman (1930 - 2025)

Hugo Gomes, 27.02.25

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The Quick and the Dead (Sam Raimi, 1995)

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The Conversation (Francis Ford Coppola, 1974)

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The Firm (Sydney Pollack, 1993)

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The French Connection (William Friedkin, 1971)

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Com Christopher Reeve em "Superman" (Richard Donner, 1978)

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Unforgiven (Clint Eastwood, 1992)

À semelhança de Sean Connery, Gene Hackman retirou-se das nossas vistas após um derradeiro filme que envergonharia os céus, um final indigno de uma carreira longa e duradoura. Anos e anos na discrição, pairando como um lembrete de que Hollywood albergara uma força estelar, hoje em longo processo de renovação — ou quiçá de extinção, e tal como o mencionado actor, o retorno de Hackman era uma incógnita quase sebastiana; cruzavam-se os dedos por um eventual “comeback”, por um último trabalhador merecedor do seu legado, o qual nunca chegou a acontecer. "Welcome to Mooseport" ficou com esse título, mas dele esquecemos, porque a “pegada” de Hackman foi muito maior do que qualquer nódoa no seu final de carreira. O incorruptível, o infiltrado, o mais ameaçador dos vilões e o mais fanfarrão também, o tigre da Malásia de colarinho branco, o último veterano, o eterno cowboy. Hoje, perante a sua despedida — esperada, não apenas do cinema, mas do mundo — recordar Hackman é recordar um prestígio em tela, uma galeria de filmes que, à sua maneira, marcaram Hollywood, a indústria e os espectadores. Fica a minha vénia a um gigante.

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Com Al Pacino em "Scarecrow" (Jerry Schatzberg, 1973)

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The Royal Tenenbaums (Wes Anderson, 2001)

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Mississippi Burning (Alan Parker, 1988)

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Ao lado de Rhys Ifans em "The Replacements" (Howard Deutch, 2000)

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Uncommon Valor (Ted Kotcheff, 1983)

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Twilight (Robert Benton, 1998)

Tertúlia oscarizada!

Hugo Gomes, 24.02.25

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Óscars!! Lá vamos nós! Amanhã (25 de Fevereiro) haverá tertúlia entre os críticos da Metropolis (Jorge Pinto e eu) e da Tribuna do Cinema (Rafael Fonseca, Rita Cadima de Oliveira, David Bernadino, André Filipe Antunes e Pedro Barriga), com moderação de Rui Pedro Tendinha, na FNAC Chiado. Pelas 18h30. Entrada livre. Apareçam e levem pompons.

"Fazer cinema é uma forma de sonhar", uma conversa com a realizadora ucraniana Eva Neymann

Hugo Gomes, 23.02.25

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When Lightning Flashes Over the Sea (2025)

Nos nossos sonhos somos livres – o nosso escapismo, o atalho inconsciente para a cruel entidade denominada “realidade”. Odessa, cidade imortalizada no cinema graças a “O Couraçado de Potemkin” … ai, aquela escadaria! … continua a ser sonhada, mesmo quando o cenário prenuncia um conflito interminável. A realizadora ucraniana Eva Neymann regressa a este porto-não-seguro em busca de sonhadores: desde a criança que contempla o mar como possibilidade infinita até àqueles que encaram a outra margem como morada da liberdade, e ainda aos que, diante de uma tragédia de insuportável dimensão, se dirigem ao confessionário prontos a responder ao inquérito das suas almas – enquanto as sirenes anunciam refúgio nos abrigos: “Os russos vêm aí!!”. Todos se recolhem; excepto os gatos, esses ficam, e nesse instante transformam a temporária “cidade-fantasma” no seu livre estadantarte.

When Lightning Flashes Over the Sea” assume, através das mãos desta cineasta, a forma de um documento que se contrapõe aos demais oriundos da Ucrânia, onde a dignidade se revela no ponto de encontro entre o filme e os seus sonhadores.

Apresentado na secção Forum da Berlinale, o Cinematograficamente Falando … teve o prazer de manter uma breve conversa com a realizadora.

Para começar esta conversa, gostaria de adentrar no universo que capta no seu filme, portanto a minha primeira pergunta é: é possível continuar a sonhar, mesmo neste mundo, em Odessa?

Acredito que seja essencial conseguir sonhar, independentemente de onde estejas. Para te manteres, tens de ter a capacidade de sonhar – de ver algo para além do que chamamos de realidade. Para mim, por exemplo, fazer cinema é uma forma de sonhar.

É por isso que tenta captar, escutar e partilhar os sonhos de outras pessoas neste filme.

Se essa é a questão, posso tentar responder no que toca aos sonhos …

Nos seus filmes anteriores – lembro que, em “God 's Way” (um dos seus primeiros trabalhos) – retratou Odessa como um lugar onde a esperança parecia distante, mas mesmo assim permaneceu em Odessa. Em “When Lightning Flashes Over the Sea”, inicia com uma criança que partilha os seus sonhos, de querer viajar pelo mar, sair dali [Odessa]. O filme conecta-se com uma certa esperança. Mas como bem sabemos a realidade é “velhaca”, e tendo em conta que “God 's Way” foi realizado em 2006 e este filme surge num estado diferente, emergente, digamos, num outro cenário, mesmo que a cidade seja a mesma…

Pelo que entendo, vê uma ligação entre a Odessa de 2006 e a Odessa de hoje?

Hoje, recorrendo aos seus filmes e ao seu método… Sim, é por causa dos meus métodos; Odessa continua a ser uma cidade dos seus sonhos.

Na verdade, não sou de Odessa, e sim de Zaporozhye. Escolhi Odessa porque é uma fonte de inspiração. Sinto que lá encontro raízes que me nutrem, e que continua a ser a cidade dos meus sonhos. Peço desculpa por mencionar 'sonhos' com tanta frequência, mas é verdade – a cidade ajuda-me a sustentar a minha abordagem ao fazer cinema. 

Honestamente, creio que, apesar de fazer filmes muito diferentes sobre diversos temas, no final estes assuntos servem para expressar algo constante. Tenho uma ideia na minha mente que quero transmitir, e o faço através de temas diversos, de pessoas diferentes e de variados elementos. O cinema é o meio de expressão. A língua que falo.

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Eva Neymann no Festival de Berlim

Ou seja, tenta encontrar um traço comum entre essas pessoas. É como se fosse a sua assinatura – mesmo nas suas obras de ficção, procura esse mesmo padrão subjacente.

Não é que procure conscientemente uma ligação; é simplesmente que não consigo evitar. É a minha assinatura, como disse e bem. É a forma como vejo o mundo e como faço cinema. Claro que estou sempre ansiosa por procurar esperança, especialmente entre as pessoas que se encontram em situações difíceis ou tempos complicados. E, mesmo nos momentos bons, tento elevar algo – por exemplo, ajudar uma criança de rua a manter a sua dignidade, os seus sonhos de infância e tudo aquilo que uma criança deve, e deveria, ter. É muito importante. Penso que o principal ponto a realçar é que as pessoas não são meros produtos das suas circunstâncias. Há, confesso, uma tentação artística de se esconder por detrás de uma situação impressionante, afinal, às vezes é mais fácil, no cinema, mostrar a dor, as lágrimas e o sangue. Mas vejo a minha missão de forma diferente. Existe uma tentação perigosa de retratar as pessoas unicamente como vítimas, como produtos das circunstâncias. Ao invés disso, gostaria de usar o poder da arte para lhes dar validade, de modo a que continuem a ser dignos do nosso interesse, e marcantes também, mesmo nos momentos em que não estão a chorar ou a manifestar um luto ostensivo.

Também é interessante, mesmo que não haja sangue, mesmo que não haja lágrima, para que essas pessoas sejam impressionantes, é preciso reconhecer que é algo muito desafiante. Considero isso o meu objetivo.

Mencionou agora uma palavra que iluminou esta conversa - Dignidade -, porque, neste filme, procura encontrar acima de tudo essa mesma dignidade nestas pessoas. Convidou-as a partilharem as suas tristes e trágicas histórias, dos tempos de Guerra, sobre a perda de um familiar, até de famílias inteiras, dos filhos e tudo o mais, só que não vemos uma única lágrima; não os retrata, como disse e muito bem, como vítimas da situação – pelo contrário, confere-lhes a oportunidade de serem algo mais. O de não serem meros elementos de miserabilismo.

Para mim, é fundamental, por um lado, fazer com que as pessoas abram o seu coração, a sua alma e se coloquem em frente da câmara. E, por outro, desejo respeitá-las – a elas, a mim e também o público – sem explorar indevidamente a situação. Se aquilo se revela sem câmara, porque o deveria fazer com a câmara?

Um dos elementos mais chamativos do seu filme foi a tão livre abordagem que adotou – refiro-me aos gatos. Não dedicou um tempo excessivo a eles, mas reservou bastante a esses felinos que parecem viver com uma liberdade absoluta, os verdadeiros espíritos livres de uma Odessa constantemente oprimida. Os gatos, tornam-se, de algum modo, um refúgio daquela realidade, pois não são apenas animais de estimação – são também um escapismo face ao estado do mundo. Adoramos ver gatos na internet, por exemplo; muitas vezes paramos tudo só para os ver.  Por isso, porque é a decisão deste olhar atento para com os gatos neste documentário – ou neste comentário, como se queira chamar, embora prefira o termo 'filme'?

Necessito destes animais para simbolizarem, de alguma forma, um espírito livre. Fiz um documentário sobre o tempo, o lugar e os gatos em Odessa. Não concebi esses elementos como algo engraçado, tudo foi feito com grande seriedade. Toda a população de Odessa mudou desde a minha infância, mas o que se mantém imutável são os gatos.

Os gatos assumiram completamente o controlo de Odessa, e até disputam o protagonismo, quer na cidade, quer no filme. É quase como se fossem animais sagrados, um símbolo acarinhado por todos. E essa convivência entre pessoas e gatos é algo que não vi em nenhum outro sítio, não sei se vocês em Portugal têm essa admiração, não sei… Estive apenas uma vez em Lisboa, só que não me recordo bem, mas o nosso carinho pelos gatos nota-se – estes animais parecem tão seguros, são alimentados e desfrutam da vida. Estão, de certa forma, muito afastados da realidade dos humanos. É precisamente por isso que representam uma parte importante da vida na cidade, proporcionando um sentimento de alegria e vitalidade a muitas pessoas.

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When Lightning Flashes Over the Sea (2025)

O seu penúltimo filme, “Pryvoz” (2021), sobre um dos maiores e mais antigos mercados da Europa, na Odessa, é claro, era um filme na linha documental, mas também recordo que já realizou ficção (“Song of Songs”, por exemplo). No entanto, dado o peso do mundo de hoje, pergunto se ainda há espaço em ti para a ficção, para a dita narrativa ficcional?

Sim, claro que sim!

Mas é realmente possível filmar ficção na Ucrânia neste momento?

Não, não é. E, sabe, gostaria muito de realizar também um longa-metragem de ficção lá – tenho esse plano. Só espero que o cinema ucraniano signifique não só filmes sobre a guerra ou sobre as situações terríveis que se vivenciam. Desejo que os festivais deixem de ser festivais de luto e se transformem em festivais de arte.

Sim, e atualmente o cinema ucraniano – especialmente o documental – está a tirar partido desta situação, o que é, ao mesmo tempo, bom e triste. Espero que seja também possível fazer filmes que não sejam apenas sobre lágrimas e toda esta dor sangrenta, sangue e luto.

É verdade, nos últimos anos, surgiram muitos documentários sobre a situação na Ucrânia. São – digamos – muito cruentos, factuais, até fatais. É difícil afastar-se desta realidade, pelo que recorrem a estes documentos como forma de protesto ou, melhor, como uma janela para o mundo ver o que realmente se passa. 

Mas isso não é cinema. O cinema não é jornalismo; não se trata de um jornal, nem de um artigo, nem de uma reportagem qualquer. Trata-se de arte, e seria triste se a arte se limitasse à tristeza. É, sem dúvida, muito importante mostrar ao mundo o que se passa e expressar essa dor que todos sentimos – é assim que somos feitos. Mas também existem momentos de felicidade.

Certa vez, fiz um documentário sobre a minha tia judia muito idosa, que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, e perguntei-lhe – com as câmaras – sobre a sua trajetória em 1945. Ela contou-me coisas, algumas horríveis, mas no fim acabou por dizer: “Tinha 17 anos e era feliz.” Ou seja, a vida não se resume à morte e a tragédia, há alegrias, vida a ser comemorada, e como tal isso deve ser realçado.

Como cinéfilo, não posso deixar de referir que, no cinema, Odessa é sempre recordada pelo clássico “Battleship Potemkin” (Sergei Eisenstein, 1925), o que nos projeta uma imagem de um campo de batalha eterno, uma cidade em permanente conflito.

Não diria assim. Acho que temos percepções diferentes. Nessa cidade há tantos festivais. Há tanta alegria, e as mulheres são tão bonitas. Há festas, há a orla marítima, há restaurantes, há teatros, e assim por diante. É tão alegre, sabes, e essa ideia de um campo de batalha eterno… simplesmente não concordo. Em Odessa ainda se pode sonhar.

"Sunshine", uma vida interrompida em Manila. Falando com a realizadora Antoinette Jadaone.

Hugo Gomes, 22.02.25

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O “Acontecimento” filipino! Uma jovem ginasta, batizada de Sunshine, descobre que está grávida, o que pode comprometer a sua ida às Olimpíadas e um futuro promissor. Para evitar esse impasse, percorre as ruas de Manila em busca de uma forma de interromper a gravidez, num país altamente rígido e sem intenção de debater o tema.

Apresentado no Festival de Berlim, na secção Generation, onde venceu o seu prémio máximo (o Urso de Cristal), “Sunshine” não é apenas mais um filme na extensa carreira de Antoinette Jadaone, veterana do audiovisual filipino, é também um retomo ao seu lado mais intimista, emergente e, talvez, autoral desde “Fan Girl” (2020), cujo retrato dos segredos obscuros de um ídolo lhe valeu elogios e atenção no Ocidente. Já em “Sunshine”, é a obscuridade ainda vivida num país que lhe aufere um registo de ativismo.

Em conversa com o Cinematograficamente Falando…, a realizadora falou sobre o projeto e a dificuldade de abordar esse cenário num país como as Filipinas.

Gostava de perguntar de onde surgiu a ideia para este filme, visto possuir uma longa carreira tanto no cinema, quer mainstream e mais autoral, como também na televisão. Portanto, como foi trabalhar este tema em particular no seu filme?

Durante a pandemia comecei a desenvolver este conceito. Estava a brincar com a ideia do que acontece dentro da mente de uma adolescente grávida, e a partir daí, mergulhei numa espécie de “toca do coelho” [rabbit hole]: vi documentários sobre o sucedido nas Filipinas, entrevistei raparigas que quiseram levar a gravidez até ao fim, outras que quiseram interrompê-la e também aquelas que recorreram a abortos ilegais no país. Além disso, falei com ativistas dos direitos das mulheres e até com grupos religiosos. Quis olhar para este tema em diferentes perspetivas antes de finalmente decidir avançar com o filme. Estamos a falar de um tema delicado ...

Exacto, até porque está referido no press kit que o aborto ainda é um tabu no cinema filipino. E na sociedade filipina?

Sim, muito. As Filipinas são um país profundamente católico. Veja, o divórcio ainda é ilegal. Apenas existem dois países no mundo onde o divórcio continua proibido: um é o Vaticano, o outro somos nós. A religião está intimamente ligada a tudo na nossa vida, especialmente a política. É por isso que temas como o divórcio, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e os direitos das mulheres ainda são tão difíceis de discutir e precisam de ser amplificados. Não são assuntos facilmente abordados em qualquer contexto, muito menos no cinema filipino.

Este filme surge, creio, três anos depois da consagração de “L'Événement”, de Audrey Diwan (com base no livro de Annie Ernaux), no Festival de Veneza, filme também sobre o aborto que causou um certo frenesim e debate por esse mundo fora. Chegou a vê-lo? Inspirou-a de alguma forma a explorar esta realidade no seu filme?

Não, na verdade, ainda não vi esse filme, mas conheço-o. [risos] Existem muitos filmes que abordam o aborto em diferentes regiões do mundo, ainda que não seja um tema muito comum. No entanto, mesmo quando o aborto é tratado no cinema, nunca é da forma como ele é visto nas Filipinas. Aqui, o aborto é ilegal em todos os casos, mesmo quando está em risco a vida da mãe. Noutros países, há estados ou regiões que permitem a interrupção da gravidez dentro de determinados prazos ou circunstâncias, mas, nas Filipinas, é estritamente proibido em qualquer situação. Não há nada a fazer!

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Antoinette Jadaone

Como funcionou o processo de casting? Posso garantir que a atriz principal é o coração trepidante do seu filme. Como a encontrou?

Sim, a Mariestella Racal [Maris Racal]! Ela, na verdade, não é ginasta como a protagonista. Nunca tinha praticado ginástica antes, mas é uma bailarina, muito flexível, movimenta-se graciosamente e dança muito bem. Queria uma atriz que já tivesse alguma preparação física, fosse flexível e que pudesse treinar para os movimentos de ginástica. Então, ela treinou com a equipa nacional das Filipinas, um dos treinadores da seleção nacional também foi seu treinador e coordenador para o filme.

Já tinha trabalhado com a Maris noutros projetos, numa série de comédia e também numa série dramática. Enquanto trabalhava com ela, percebi que, de certa forma, estava a prepará-la para um papel deste género, algo completamente diferente do que tinha anteriormente feito na sua carreira e fico muito feliz quando as pessoas que veem o filme me dizem que está incrível na pele de Sunshine, porque o papel foi realmente desafiante para ela!

E sobre as crianças que aparecem no filme…

Fizemos duas rondas de audições. Como sabe, é muito difícil selecionar crianças para um filme, por isso, foi um processo mais demorado. Tivemos um psicólogo infantil no set para orientar e explicar o sucedido, e depois fazer um acompanhamento após cada filmagem. Era essencial, porque o tema do filme é muito sensível, e não é algo que uma criança de oito anos compreenda facilmente, mas, na vida real, as crianças do filme são muito espertas, têm um grande sentido de sobrevivência e são muito perspicazes. Conseguimos falar abertamente sobre tudo, também com os pais delas, para garantir que estavam confortáveis com a situação.

O aborto é o núcleo do filme, mas durante a narrativa há sempre espaço para abordar outras questões, como o abuso infantil, juvenil, famílias disfuncionais e até a marginalização da comunidade queer. Como é que estes elementos se juntaram neste argumento?

São todos grupos marginalizados na sociedade. Não foi algo totalmente planeado no início da escrita, mas, ao desenvolver a história da Sunshine, era impossível ignorar o ambiente onde ela vive. E esse ambiente é Manila, que representa o que são as Filipinas atualmente. Como poderia uma adolescente grávida crescer nesta sociedade sem esbarrar noutras formas de marginalização? Era natural que outros aspetos da realidade social emergissem, como a infância em situações precárias e os desafios enfrentados pelas mulheres, tal como acontece com a Sunshine.

Gostava de falar sobre Manila. A cidade tem quase um papel próprio no filme. Enquanto espectador ocidental, vejo Manila retratada em muitos filmes filipinos, como os de Brillante Mendoza … posso referir desde já o seu “Ma’Rosa” (2016), por exemplo, que tal como o seu filme expõem a cidade de forma caótica, mas muito viva. Manila é, de facto, assim? Ou fruto da “magia do cinema”?

Sim, é caótica, mas também vibrante e cheia de cor. Desde o início, quis que Manila fosse uma personagem à parte no filme. É lá que a Sunshine encontra os medicamentos ilegais para abortar, mas também é onde faz amigos para a vida. Manila pode ser uma amiga para ela – às vezes leva-a a lugares perigosos, mas também a pessoas que a apoiam. Acho que é isso que define uma sociedade: há partes sombrias, mas também há esperança. O nosso objetivo, a nossa visão, é que estas crianças encontrem o caminho para os aspetos mais positivos da sociedade, em vez de ficarem presas às partes mais escuras.

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Queria falar sobre o final do filme, porque me pareceu bastante otimista. Não sei se, naquela situação, seria um desfecho realista, mas é como se fosse o "nascer do sol" para a Sunshine. Sentiu a necessidade de dar um final mais feliz à história? Foi uma escolha intencional em oposição ao que geralmente se retrata no cinema sobre este tema?

Sim, o final foi um tema recorrente nas nossas discussões – creio ter voltado a ele umas 10 ou 12 vezes em conversa com os produtores. O desfecho em si nunca mudou; o que variou foi a forma de o apresentar. Seria uma representação negativa ou uma visão mais positiva?

Pus-me no lugar de uma rapariga que, no futuro, possa ver este filme, alguém na mesma situação da Sunshine. Pensei no impacto dessa experiência e quis que encontrasse nas Filipinas uma imagem que a apoiasse, que lhe desse esperança, em vez de um futuro marcado apenas pelo desespero e uma sensação ainda maior de impotência.

Nas Filipinas, ao abordar estes temas, o desfecho tende a ser trágico – morte, destruição ou violência. A mensagem manteve-se, mas procurei uma perspetiva diferente, algo mais luminoso, mais "ensolarado", por assim dizer. Não sei se esse futuro se concretizará, mas em 2024 e 2025, quando fiz este filme, quis acreditar que era, pelo menos, uma possibilidade.

Este filme teve a sua estreia mundial em Toronto no ano passado, se não me engano. Agora estreia em Berlim. Já foi exibido nas Filipinas ou será para breve?

Ainda não estreou lá.

Certo. E como espera que seja a receção nas Filipinas? Imagino que vá gerar discussão e debate…

Isso é o mínimo que espero. Claro que queremos mudança, queremos uma sociedade melhor para estas crianças, mas tem de ser um passo de cada vez, um filme de cada vez. O nosso grande desejo é poder exibi-lo nas Filipinas, para que o filme possa "voltar para casa". Estamos otimistas, mas temos uma comissão de censura muito rigorosa no país. Ainda assim, espero que consigam ver para além do tema sensível e enxergar “Sunshine” pelo que realmente é: a história de uma rapariga a crescer, que deseja apenas um futuro brilhante para si.

Sente-se otimista em relação à sociedade filipina? Não apenas sobre este tema, mas também sobre os outros que aborda no filme?

Essa é uma questão político-social complexa. É muito difícil ser otimista hoje em dia, não só em relação às Filipinas, mas ao Mundo em geral. Ainda assim, acho que é sempre melhor ter esperança do que simplesmente ser pessimista. Acredito que a verdadeira esperança para o nosso país está na juventude, nas crianças. Já não sou jovem. [risos] Já fui como a Sunshine, já tive esse olhar para o mundo… E sim, o mundo está difícil, mas se o virmos através dos olhos da Sunshine, talvez as coisas não sejam assim tão más.

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Agora, para terminar, uma pergunta um pouco banal … Tem novos projetos em mente? Já pensa num novo filme? Talvez sobre outro tabu nas Filipinas?

Na verdade, tenho um projeto que ficou perdido devido à pandemia. Chama-se “Boldstar” e chegou a fazer parte do Mercado de Coprodução da Berlinale em 2020, mas tive de o suspender para o desenvolver melhor e também para esperar pela atriz principal. Talvez seja esse o projeto que vou retomar depois de “Sunshine”. É engraçado, porque escrevi “Sunshine” depois de “Boldstar” – o plano era trabalhar nele, mas durante a pandemia acabei por mergulhar completamente neste tema e decidi avançar com “Sunshine”. Depois, quem sabe, posso finalmente retomar ao dito “Boldstar”. A protagonista é, mais uma vez, uma mulher – como acontece em todos os meus filmes. Vamos ver o que acontece depois disto.

Na tragédia do momento nasce jornalismo

Hugo Gomes, 21.02.25

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O tempo joga, simultaneamente, a favor e contra “September 5”, assinado pelo suíço Tim Fehlbaum, uma reconstituição dos eventos ocorridos na mencionada data, em 1972, durante os Jogos Olímpicos de Munique, quando um grupo de terroristas palestinianos invadiu a aldeia olímpica, assassinando dois atletas israelita e fazendo refém o resto da equipa, tudo sem sair do estúdio provisório da ABC, instalado apenas para a cobertura desportiva do evento. Sobre a sua atualidade, como faca de dois gumes, é certo que reavivar estes fantasmas se confronta com uma atitude polarizadora, tendo em conta o nosso zeitgeist. Por outro lado, o filme procura não ser um olhar complacente para o mártir e o seu martírio, nem se entregar à pornografia da sua tragédia.

Onde “September 5” acerta — e daí nunca perder a sua atualidade e urgência — é no jornalismo ali retratado: improvisado (desenrascado em bom português), doloroso, ainda pontuado pela ingenuidade trazida na demanda pela verdade e das suas consequências. Esse Quarto Poder, hoje debatido e questionado por outras ordens e aparelhos pós-verdade (não é preciso mencioná-los), assume-se como a genuína tese do filme, mas a execução é onde essa discussão se materializa: a trama nunca abandona os bastidores, a régie e os seus anexos tornam-se o único ponto de vista do espectador, enquanto o exterior apenas nos chega através das imagens captadas para a emissão em direto ou da informação recolhida, e tratada (importante salientar), no calor do momento.

Nesse registo, somos induzidos num thriller que bebe dos elementos do “filme de cerco”, nostálgico para com a era do boom motivado pelo escândalo do Watergate e pelo empoderamento do jornalismo enquanto agente da verdade e da moderação. Sim, aconteceu nos anos 70, e como devem lembrar, “All the President 's Men” (Alan J. Pakula, 1976) foi a joia dessa coroa, desaguando em críticas internas ao televisionismo e a sua espectacularização com “Network” (Sidney Lumet, 1976) do qual “September 5” morde subtilmente. Um elogio e uma facada nas costuras desta arte de divulgação, enquanto reproduz um dos marcos da história do jornalismo televisivo, e do seu mediatismo, hoje vigorado como intrusão.

Tim Fehlbaum mostra-se competente na entrega do prometido: o elenco, por sua vez, é camaleónico dentro desta realidade encenada (destaque para John Magaro, ator desmerecidamente discreto, e para a alemã Leonie Benesch, que brilhou no recente “The Teachers’ Lounge”), e o ritmo em crescendo impacta o espaço. Mas — e como os ‘mas’ são tradição milenar — da mesma forma que o realizador aprendeu com os melhores thrillers americanos deste universo, também resgatou o pior: as manhas de um teor mais “modernizado”, incluindo uma banda sonora quase estática, parte-nervos, que Paul Greengrass parece ter popularizado e implantado na sua indústria, elemento dispensável num filme que escarafuncha questões tão pertinentes.

Quanto ao tema subjacente, ao trágico propriamente dita, fica a recomendação de uma das obras, surpreendentemente, mais maduras de Steven Spielberg - “Munich” (2005) - o relato pós o fatídico, com a resposta de Israel que não os deixou bem visto.

Atrás do fantasma de Gaugin ...

Hugo Gomes, 20.02.25

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Por essa estrada fora, Hugo Vieira da Silva, depois de citar Joseph Conrad e o Congo colonial no muito apreciado “O Posto Avançado do Progresso”, regressa às adaptações de mato, tendo como farol uma graphic novel — “Loin de la route”, de Christophe Gaultier e Maximilien Le Roy - que por sua vez é inspirada nos escritos de Victor Segalen, médico e poeta que procura o rasto deixado pelo pintor Paul Gauguin no seu refúgio no Taiti, no início do século XX. Dessa mesma busca emergem encontros com fantasmas e uma aura espectral do pintor, do homem e da controversa figura que foi, e que se mantêm, Gauguin

Este projeto coincidiu com um momento delicado na saúde do realizador, levando à requisição da co-realização pelo seu habitual montador, Paulo MilHomens — cada vez mais dedicado a terminar projetos de outros (veja-se também o caso de “Axilas”, o último termo de José Fonseca e Costa) -, numa espécie de coordenação à distância, e o que nasceu dessa colaboração foi um filme de múltiplas vozes e visões, deixando-nos a imaginar como seria caso mantivesse um só maestro. Contudo, mesmo afastando-se por vezes da estrada que lhe fora traçada, a obra acaba por abrigar na sua própria posição: não apenas a de reimaginar os “quadradinhos” de “Loin de la route», nem sequer de reproduzir os escritos de Segalen (aqui interpretado por Antoine de Foucauld), mas também de humanizar Gauguin — figura de mau agouro neste zeitgeist a que convivemos, numa espécie de imposição moral e cancelamentos por via de um cânone ainda por entender. 

O filme faz dessa passagem algo fantasmagórico na sua tese, mesmo subliminarmente implantado à beira-mar, nestes trópicos que oscilam entre a decadência de um império e a mistificação ainda sustentada por crenças de gerações e gerações. Funciona como registo histórico, modesto na sua produção, sem nunca ter o devido golpe de asa. Para Hugo Vieira da Silva, as melhoras. Continuamos interessados na sua nova aventura pelo passado colonialista, seja qual for o prisma.

Corpo de Celeste e sem Alma de Sorrentino

Hugo Gomes, 20.02.25

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O que gosta numa mulher? 

As costas, o resto é pornografia

Seguindo as suas artimanhas visio-sonoras, Paolo Sorrentino mapeia o corpo escultural de Celeste Dalla Porta como se fosse a geografia de uma cidade — precisamente a sua cidade-berço, à beira-mar. O mar, esse, inevitável primeiro contacto com a vida e também com a morte, condensando-se na tragédia desta jovem mulher, de frases prontas, mas cujos seus silêncios a deter uma outra dimensão.

Parthenope, nome que partilha com o antigo batismo de Nápoles, é um símbolo desse povo, sobre o qual recai a incumbência de carregar uma tristeza entranhada e corrosiva — um quê de existencialismo, outro de bovarismo, sem certezas absolutas, talvez na busca de um tempo perdido. Aquele em que a sua carruagem, oferenda de um oligarca que a "moça" apadrinhou, representava o seu idealizado mundo, luminoso e, sobretudo, belo. A beleza — a sua arte, a sua estratégia, o seu mistério, a sua tão proclamada "grande beleza" — numa tentativa de “matar dois coelhos numa cajadada só”: a demanda pelo que a vida ainda guarda a sete chaves e a réplica estética com que Sorrentino cita e recita o seu próprio êxito.

A "pilhagem", diria Pedro Mexia sempre que tivesse oportunidade de destilar o seu ódio sorrentiniano, muitos o seguirão nesse fel, sem dúvida, mas aqui não há saque aos tesouros alheios, apenas a exibição das velhas pratas da casa. Sorrentino conhece a lição de cor: os tons fellinianos, o circo montado, a alienação burguesa levada ao extremo. Não desbrava caminho nem sobe um degrau, apenas recolhe os restos da juventude de que tanto se queixa ter perdido.

Nápoles, sim, o canto onde Celeste "Diva" Portadiva ou divina, como quiserem — se entrega ao mistério, à fantasia e, sobretudo, ao líbido implantado nos homens ressabiados. Um simples toque traz consequências — a mão de Deus ou a fatalidade da ardência que desperta nos outros. E é dessa pulsão que nasce um enredo desfigurado, desorientado, cansado no seu misticismo pasoliniano de terceira rodagem.

Sorrentino é capaz de notas mais altas. Fala aqui um dos poucos defensores de “La Grande Bellezza" neste meio, até porque de Fellini se conhece e se vê retratado num distanciamento possível, mas em “Parthenope”, mesmo que por vias de sketches, concentra-se numa exatidão identificável: "Para onde vão as conversas das noites de bebedeira?", chora Gary Oldman, e choramos também nós ao perceber que o tempo não retrocede, não se entrega de mansinho, não nos estende a mão para uma segunda oportunidade — seja qual for — e que o ideal que projetamos de nós mesmos nunca se cumpre.

Cairá quem quiser. Talvez porque Sorrentino seja um homem de desejos masculinos e frustrações à medida, e porque aqueles que partilham essas inquietações se reveem nas suas dores, mesmo quando debitadas por uma protagonista — donna com título inquirido e olhos tristes a condizer. Um exibicionista ensaio com vida lá dentro — a vida maquilhada de Sorrentino —, mesmo que o velcro seja de uma pobreza franciscana perante a aristocracia das suas imagens. E já agora, Nápoles… viva Nápoles!

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