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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Abril Sempre!

Hugo Gomes, 24.11.24

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Na procura de uma memória coletiva sobre os preponderância da Revolução, Luciana Fina “resgata” do arquivo uma montagem, quase a cheirar a coletânea, de ventos que se defrontam numa ideia conceptual num ato. O 25 de Abril, ponto-chave, e de lá o Antes, o Durante e o Depois: o que se ganhou, o que se perdeu e o que se manteve. “Sempre, título ou grito afirmativo das promessas, acalora corações, como a “venda” de um Abril retirado da normalização do seu calendário e transformado numa Primavera ideológica. Assim, deparo-me com os conselhos de “não descansar até o Abril se concretizar”.

Leia-se nos murais, nas faculdades, ouça-se das bocas dos idealistas, dos otimistas, dos sonhadores. Sonhar é fácil; acordar é mais difícil, porque é nessa sobriedade que nos damos por vencidos pelas frustrações do tempo. “Sempre é um ensaio de intenções, imagens e sons costurados, projetados dias e dias numa parede de tijolos do átrio da Cinemateca de Lisboa. Ali encontrou uma textura que lhe condizia: o picotado retangular de cada peça compunha cada imagem como um puzzle, algo apenas sustentado pelo “poder da projeção” — essa luz tremeluzente como uma acidental alegoria de um país imaginado.

Porém, 50 anos de Abril levam-nos a estas comemorações. Mas a comemoração adquire asas próprias: chega Veneza, e a oportunidade de esta instalação virar filme é outro sonho acordado. Os italianos também comemoram o 25 de Abril — não o nosso, outro. Será que entenderão o peso das imagens que Fina acarreta no seu “Sempre? Ou apenas as olharão como uma curiosidade de arquivo?

Para nós, portugueses, essas mesmas imagens são sentimentos: ora de compreensão, ora de indignação. As forças opostas — os saudosistas ou os que consideram que se perdeu a “essência” (qual, não sei) do primeiro cravo — encontrarão em “Sempre uma propaganda contra o seu paladar. Os críticos “pés-de-barro” virarão costas, como sempre (e “Sempre). Não foi para eles que o filme foi feito.

Luciana Fina demarca-se num ensaio cujo sabor difere conforme o espectador. Há quem o veja como uma continuação de uma luta. Há quem o entenda como uma desilusão: às influências de Abril, ao engodo, à traição e, sobretudo, à decepção trazida pela engrenagem política. “Bom Povo Português”, de Rui Simões, documento crucial dessas paradas, igualmente serviu-se de imagens para demonstrar o fracasso acima da exaltação. Muitos viram o ato como uma traição à Pátria, uma patranha, sem conceber a hipótese de que a crítica é o avanço da sociedade.

Sempre nunca obtém tal sentimento, até porque é um objeto do seu tempo, deste tempo, em que se olha para a Revolução tentando encontrar um fio condutor. Quem sabe, para seguir até esse sonho, cada vez mais distante, de um Abril Sempre.

Bowling & Sexo & Twist

Hugo Gomes, 21.11.24

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Após ter sido vencido pelo seu instinto animalesco, Armand (Achille Reggiani), perante o corpo da sua ‘companheira’ de “one night stand” - uma trágica noite para dizer a verdade - planeia livrar-se das provas carnais do seu violento crime. Enrola-a em saco de plástico, limpa os vestígios de sangue espalhados pelo aposento e parte para o próximo e, mais complicado, passo: o de a “expulsar” do prédio sem ser-se notado. O método encontrado é o contentor de lixo situado abaixo da janela comum do corredor do seu piso, cuja ligação faz-se via por um longo duto de entulho. Armand despeja o corpo pelo funil, e enquanto este desliza, a câmara mantém-se estável no orifício, imprimindo a escuridão e os deslizes de luz que se movimentam no interior do túnel, criando uma sensação de movimento através dessas tonalidades. 

É um plano sem importância para a queda do storytelling, aquela economia que muitos desejam executar para o “bem do espectador”, contudo, é através deste mesmo plano, a sua fixação, fascínio e visão em encaixá-lo na narrativa, que confirma a cineasta que é Patricia Mazuy. Uma cineasta de ambientes, de sugestões, de belezas questionáveis, de uma violência que entende-se desconstrutiva, como eficazmente dolorosa. “Bowling Saturne” é essa confirmação … e que forte dose essa mesma confirmação se revelou! É preciso dizê-lo de forma clara: este é um thriller sombrio sobre a masculinidade tóxica e o patriarcado que a sustenta, mas acima de tudo, é um retrato da violência, que aqui se mostra como uma viscosidade penetrante, uma doença, não venérea, só que hereditária. 

Mazuy propõe esta visão ao representar uma pista de bowling, a herança de um caçador respeitado ao seu filho Guillaume (Arieh Worthalter, “Le Procès Goldman), um polícia em ascensão na sua carreira. Contudo, essa vida enquanto agente da autoridade o remete a uma constante solidão e, porventura, desgaste, apagando nele qualquer traço social, muito menos motivador em lidar com o público em geral. Portanto, a solução encontrada foi entregar o estabelecimento ao seu meio-irmão, o tal Armand, um ex-segurança consumido pela raiva e por uma frustração quase animalesca. É precisamente a partir dele que o filme arranca, e desde os primeiros instantes, com o seu comportamento errático, o espectador é prontamente alertado para o que está por vir.

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Voltando à pista, após alguma resistência inicial, Armand acaba por aceitar a tarefa de gerir o espaço de orgulho do pai falecido. Aqui, o bowling une-se como um misto de santuário para as angústias de homem falhado e de repositório de memórias viris, dos quais, por exemplo, um grupo de caçadores, no seu restrito clube de primitivismo sanguinário, alugam o local, exibindo vídeos das suas caçadas africanas e recordando, através de rituais que só entre eles reconhecidos, dos feitos másculos, e da fúria depravada de uma “espécie condenada e desconstruída”. 

Bowling Saturne” poderia ser, como tem sido abundante, mais um desses ensaios de textualidades e decomposição dos códigos entre géneros, nomeadamente a do homem outrora pintado: seres irracionais e sanguinários, acorrentados a essa maldição do cromossoma Y. Neste sentido, não é surpreendente que seja uma mulher a realizar o filme, mas o verdadeiro twist está na crueza com que Mazuy se debruça para captar este retrato. Construindo um quadro de serial killers e de detetives encarregados de os capturar, filmando a violência daí emanada, o tabu sobre as mulheres e contra as mulheres, com uma secura longe do espectáculo gore ou da glorificação do ódio, fazendo do próprio ato uma imagem a deslizar para a objetividade. A perspetiva, quem sabe, está naquele cão, herança e “roommate” de Armand, criatura prisioneira de um ambiente de sexualidade frustrada e ferida. O termómetro para essa loucura enraizada, e igualmente o separador entre o predador natural e o predador. A brutalidade é apresentada sem a tentativa de adotar a visão do predador ou da presa, mas sim de uma testemunha — e talvez seja por isso que estas imagens nos atormentam.

Se existe um filme próximo a “Bowling Saturne”, esse seria definitivamente “Henry: Portrait of a Killer”, de John McNaughton: destituído de empatia pelo vilão/protagonista, sem esperança de redenção, e aqui, com a fotografia de Simon Beaufils (“Un couteau dans le cœur”) a assaltar-nos a sensibilidade, convocando-nos de forma confortável para a violência que representa. Uma oposição aos nossos sentidos (e sem a necessidade de sádicos e gratuitos palhaços assassinos … fica a provocação). Esta é uma história de predadores, com rostos humanos e sorrisos maliciosos, que ora nos repugnam, ora nos fazem ferver o sangue. Se este último estado se manifestar, não se preocupem; Patricia Mazuy sabe bem onde tocar nos nossos nervos.

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E talvez nos tempos que decorrem, filmes como este adquirem uma importância social dos que “felizes” ensaios de desconstrução, é que por vezes o Cinema é um espelho dirigido a gorgonas, a Medusa, confrontando os nossos horrores numa “pega de caras”, talvez como alternativa à nossa cobardia em lidar com as realidades em redor. Sim, peguei emprestado tal alegoria a Radu Jude no seu dicionário “de Anedotas, Signos e Maravilhas” no premiado “Bad Luck Banging or Loony Porn. Contudo, “Bowling Saturne” explicita esse choque de ideias com as imagens de uma masculinidade protecionista, não tão longínqua das milésimas variações variações do slasher movie ou de psicopatas 70’s e 80’s.

E antes do habitual revirar de olhos de uma cinefilia também conservadorista e cercada, não existem lições de moral no cinema de Mazuy, apenas perversidade didática e um sorriso sádico e deleite com a morte avistada. 

Noémie, a anti-virgem?

Hugo Gomes, 20.11.24

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Não pretendia seguir este ponto, por isso perdoem-me a hipocrisia ou até mesmo a subjetividade dentro da subjetividade, e vamos encarar como tal: este “Emmanuelle” é, enquanto suposto “filme erótico”, um objeto deveras entendiante. O que supostamente não seria um sentimento vivido neste subgénero tão em queda, mas se nos novos tempos cinematográficos - oscilando pelo progressismo sexual e um certo puritanismo em outras frentes - o erotismo parece não ter espaço lúdico no ecrã. Culpamos o quê e a quem afinal? A expansão da pornografia, enquanto pseudo-indústria ou a acessibilidade virtualmente sem obstáculos? Os novos moldes e pensamentos da intenção erotizada? A expulsão do olhar masculino [“male gaze”, academicamente falando] deste género? Ou a sua desconstrução primordial, muitas vezes ao serviço de uma cultura, que a direita adora exclamar indignamente como, woke? Fica os culpados em suspenso. 

A refilmagem de “Emmanuelle” de Audrey Diwan (“L'Événement”) é uma busca pela dignidade da própria personagem, esta eternizada por Sylvia Kristel num problemático filme de 1974 [de Just Jaeckin], que resultou num franchise enormíssimo e com foz em absurdos (“Emmanuelle no Espaço”, por exemplo). Sem Sylvia, é Noémie Merlant a vestir a personagem criada por Emmanuelle Arsan, que bem poderia chamar-se algo como Patrícia ou até Jéssica que o resultado seria o mesmo (nunca é chamada pelo nome que serve de título), uma mulher bem-sucedida no sentido lato ou intensificado na literatura de cordel, em Hong Kong ao serviço da sua empresa, explorando o biótipo de um hotel luxuoso enquanto debate com o seu (fugido) prazer. Basta reforçar o velho esterotipo do Poder com a frivolidade e daí o sexo sem sabor, preenchido com o mistério de um hospede intrigante e errático. “Emmanuelle” tenta desconstruir a fantasia e o desejo numa extensa conversa de engate de verborreia pouco imaginativa (Rebecca Zlotowski, co-argumentista, foi mais espontânea no seu deleite “Une fille facile” do que na lascividade dos outros), e a câmara de Dwan entende-se como demasiado tímida para prosseguir na aventura desta mulher à beira de um orgasmo. 

O final, talvez o único momento de erotismo no sentido estético, efabulado em jeito softcore a manifestar-se na réplica de Wong Kar-Wai trambolho, não compensa a jornada de uma heroína sem grandes empatias num filme sem grande tesão. Mas já deveríamos esperar tal resultado, os créditos iniciais apresentavam um N vermelho … maldita Netflix, a contribuir para estes objetos assexuados sem eira, nem beira.

As condenadas do musical

Hugo Gomes, 20.11.24

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Não é a primeira, nem será a última … por vezes os filmes nascem das oportunidades e das hipóteses angariadas, e nunca do planeamento ditatorial, da mesma forma que a ideia se adapta, reajusta, embebendo na fórmula darwinesca, testando-se à lei da seleção natural. “Reas”, segunda longa-metragem da argentina Lola Arias (“Teatro de guerra”, 2018), é o resistente desta anti-fórmula, um embrião de filme costurado entre ficção e o documental (leia-se realidade extraída), num pseudo-musical com cárceres femininas de Buenos Aires, uma grande produção (até que ponto não sabemos) cujo impacto pandémico a impediu de prosseguir conforme o tracejado, optando por uma simulação e experimentação de ex-reclusas, entre o relato das suas historietas, e fantasias emanadas no género “maldito” do musical (tendo em conta que as reivenções deste universo parecem ser apenas admitidas em plataformas de nicho, ou seja “viva Emilia Perez”, “ódio para Joker: Folie aux Deux”). 

O resultado é uma farsa, nunca escondendo a sua natureza enquanto tal: com Yoseli Marlene Arias, jovem detida por posse de droga, instalada numa prisão cujas companheiras de cela, grande parte delas integradas numa banda, organizam um concerto como momento alto das suas “estadias”, uma espécie de grito revoltoso às suas injúrias e injustiças sociais que as conduziram a esse “limbo”. Toda essa narrativa pontuada por histórias e vivências, injectadas num “faz-de-conta” possível para com os seus meios, ou a prisão-cenário imaginada pelas ruínas, a requisitar a fertilidade criativa do espectador e a depender dele a sua resposta cognitiva. Esse lado artisticamente experimental, guia Arias [a realizadora] pelos becos e desconstruções do género que analisa, despindo-a do seu propósito hollywoodesco - o escape emancipador - ou de estéticas aperfeiçoadas, de ritmos febris e de todo o jingle mercantil. 

É, antes de mais, um musical desengonçado de genes parentescas aquele que Bruno Dumont apresentaria como choque na Quinzena de Realizadores de 2015, num desafinado “Jeannette, l'enfance de Jeanne d'Arc”, aqui, a melodia é quase como um encosto, nunca um condutor, e por outro lado, as protagonistas, diversificadas, e nunca padronizadas. Nesse efeito, “Reas” promove o corpo, o seu ecossistema, a sua “evolução”, por outras palavras as diferentes formas, os diferentes géneros e ambiências, é um ensaio corporal, de tomar à força um género “bonitinho”. 

Dele nasce uma intenção para lá do conceptual, a da voz, ou vozes, e desse resgate do artístico para além dos mesmos “protagonistas”. “Reas” deu origem a uma digressão performativa, com este grupo de marginalizadas a serem rainhas do seu próprio palco, enquanto que Lola Arias perante o exequível, dá-nos o real ficcionado com beijos no braço a um gracioso lado trash (a um certo bailado à lá John Waters ali e acolá). Um feel good nada oco.

A Cicatriz ...

Hugo Gomes, 19.11.24

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Eis-lá! Temos aqui a adaptação de “A Cicatriz, de Maria Francisca Gama, aquele best-seller português que “descortinava” as causas e efeitos envoltos na violação de uma turista portuguesa em terras cariocas, sob o tenebroso manto da perversidade política. Em “Vidro Fumê”, de Pedro Varela, antigo cúmplice de Leonel Vieira, e com o guarda-chuva protecionista do inevitável “baseado em fatos verídicos”, encontramos novamente um relato de violação — desta vez, em consequência de um sequestro perpetrado por “favelados” contra uma gringa. Sim, é esse o termo que exaltar, gringo, ou diria melhor “estrangeirado”! É aí que a visão do Rio de Janeiro parece ficar cristalizada, presa nessa bolha de estereótipos, por mais que se proclame haver “investigação” ou que se invoquem apoios na “história-exemplar”: já não há escapatória deste cansaço narrativo de “favela movie” [modelo mais que importado depois do seu boom em território nacional] temperado com simplistas toques de denúncia social!

Quanto ao parentesco com “A Cicatriz”, até a sua incoerência parece ter sido fielmente transportada. Se o livro sofria de má escrita, o filme padece de uma narrativa faminta por chocar à custa de uma realidade — essa mesma, duvidosa - e, como se não bastasse, temos o literal milagre de Nossa Senhora, a beatice enfiada via “garganta funda” no momento do clímax, nunca chegando a compensar a bidimensionalidade das personagens, as suas decisões / atuações dignas de fazer qualquer um bradar aos céus. E eis o verdadeiro canto e encanto divino: uma carrinha que muda de cor pelo menos três vezes numa única noite agitada pelas ruas do Rio. E antes que haja dúvidas, sim, é a suposta e mesma carrinha. 

Depois, lá surgem uns pirilimpimpins de panfleto combativo, encavalitados numa personagem secundária — como também secundarizada (Mari Oliveira, “Medusa”) —, uma mulher negra de periferia (não vá tirar o protagonismo dos estrangeiros “capturados” na “fauna selvagem” do Brasil, triste vida!). E não podia faltar a ingenuidade do meio criativo: gente que claramente conhece o país através e apenas em dois filmes — “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”. É quase ofensivo. Não só o retrato do Rio de Janeiro para estrangeiro ver (e temer), mas também a sua concepção. Deslavada, embaraçosa, e, atrevo-me a dizer, intensamente encaralhada enquanto co-produção brasil-americano. É a “A Cicatriz” de Varela … preservando as suas maleitas.

O Fabuloso Destino de Sasha

Hugo Gomes, 13.11.24

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Uma Amélie de caninos aguçados: é assim que se pode descrever este relato vampírico com uma abordagem moralmente adocicada à eutanásia enquanto sugestão criativa.

Humanist Vampire Seeking Consenting Suicidal Person” – um título literal e sem disfarces – conta a história de uma “nosferata”, Sasha (Sara Montpetit, “Falcon Lake”), que, desde criança, contraiu empatia pelas suas vítimas, vulgo humanos, o que a impede de os atacar para se alimentar. Os seus extremosos pais, preocupados, tendo recorrido a toda ajuda médica ao seu alcance, não têm outra escolha senão deixá-la temporariamente com a sua sádica e predatória prima, na esperança de que esta a persuade a aceitar a sua verdadeira natureza de vampira. Pelo caminho, Sasha cruza-se com um jovem vítima de bullying (Félix-Antoine Bénard), decidido a pôr fim à própria vida, que se oferece como refeição voluntária. 

Esta primeira longa-metragem de Ariane Louis-Seize é uma espécie de goma romântica, apelando ao absurdismo da sua alegoria fantasiosa, e da comédia negra com que manobra perante uma intriga de superação / aceitação do próprio fado. Entende-se as razões para que este ensaio sobrenatural esteja a conquistar um mar de gente. Em primeiro lugar, vivemos numa época em que a fantasia vampírica parece ter-se dissipado desde o fenómeno “Twilight” e os seus bastardos, que deram origem ao “vampiro integrado” numa sociedade capitalista-depressiva-niilista – com uma vertente hedonista ressaltado no “Only Lovers Left Alive” de Jarmusch –, um estilo que acabou por gerar o culto (filme + série) “What We Do in the Shadows”, de Taika Waititi. “Humanist Vampire Seeking Consenting Suicidal Person” inspira-se nessa realidade alternativa, onde os vampiros são símbolos de capitalistas vorazes e elites do 1%, no entanto, a política aqui é apenas cenário; o que realmente importa é, e aqui entra o segundo ponto, a sua narrativa agridoce. 

Este é um feel-good movie com sangue em jorros e um romance tween (ainda que a protagonista tenha 60 anos num corpo de 20) para aquecer corações. É uma mistura bizarra, tal como foi o popular e autista “Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain” – aqui sem presença inaugural e sem os olhos vidrados de Audrey Tautou, embora não se deva desvalorizar Sara Montpetit. Ainda vamos ouvir falar dela sim, do filme não tanto.