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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quatro notas soltas sobre "Maestro" de Bradley Cooper:

Hugo Gomes, 30.11.23

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- Vemos realizador para o futuro! Depois de "A Star is Born", um livro de apontamentos do classicismo à lá Eastwood, deparamos com uma variação mais scorseseana (se não fosse o facto de Scorsese manter-se na produção do projeto), entre movimentos graciosos, transições de alto risco e enquadramentos que jogam nas diferentes perspetivas (há um Snoopy que atravessa o cenário, literalmente, num timing perfeito). Se a Academia não ficar refém da 'nolanização', temos prémio garantido para "Directing".

- Bradley Cooper é igualmente primoroso enquanto ator (sem querer apoiar nos prémios, mas Óscar já é uma garantia), e é uma interpretação acima do seu nariz e das controvérsias (!) que isso acarretou.

- Perdoem-me os "mulligrupies", mas Carey Mulligan é altamente sobrevalorizada, imaginei o seu papel em 10 outras atrizes, e com mais pathos, dinâmica e expressão.

- É mais que um biopic na formatação do termo, é a desconstrução de uma figura de culto, sem degradações e sem venerações, com destaque à "sombra" do génio, à cumplicidade e às suas tragédias  ... tudo embrulhado numa técnica impressionante (e nos dias de hoje, com o realismo formal e com as imperatividades narrativas, desprezamos cada vez a técnica).

Um Sonho de uma Noite de Verão Violento

Hugo Gomes, 26.11.23

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Em paredes adornadas sob o signo futurista de Carlos Carrà, o apropriado "Temptation" a ecoar no gira-discos daquela mansão que exala fascismo em todos os seus poros, o albergue de um grupo de jovens (mais uma infiltrada), infiltrados em tal ambiente na escapatória do negrume dos seus respectivos dias. Nada importa, sem ser o calor daquela noite de Verão; a Guerra parece algo distante, impalpável, inoportuno, e a política, essa, mera desnecessidade, ali, sem lugar naquela mansão - o "clube de poetas vivos", um esconderijo para as suas romanceadas ilusões.

Entretanto, falávamos de uma infiltrada, é verdade, alguém cuja juventude alça vôo como pássaro em fuga, uma viúva de um tenente da marinha, Roberta (Eleonora Rossi Drago), na casa dos 30, desconfortável na sua busca pelos "verdes anos" manifestados por aqueles jovens movidos pelo álcool e "beijos roubados", todos eles na casa dos 20 ou abaixo para contrastar. No grupo jovial, existe também quem anseia evadir a sua própria "imaturidade", Carlo (Jean-Louis Trintignant), filho de um líder do regime fascista daquela Itália estival de '43, que não é nada mais, nada menos, como proprietário daquele imóvel agora servido de silencioso festival.

Carlo ronda Roberta no aguardo de uma resposta, uma confirmação quanto aos sentimentos entre eles germinados. Horas antes estavam na bancada de um circo, um espetáculo ali decorrida entre palhaços e trapezistas que nada de jus fez ao duelo de olhares que acontecia ali entre os dois “jovens desencontrados”, um confronto, uma negação que contaria com o seu clímax tempo depois, naquela residência e ao som daquele soneto melodicamente encoraja à tentação. Contam-se gestos, passos calculados, olhares, cadências, até as sombras "conspiram" num demente jogo, etapa a etapa (economia da consequência, nada é desperdiçado) até por fim, como tomos de ar fresco no jardim propriamente dito, os silêncios triunfam num esperado beijo. Consolidou-se então o romance de Verão, naquele Verão que não era um qualquer, como havia datado, 1943 para sermos exatos, em plena Segunda Guerra numa Itália governada a mão de ferro por Mussolini (por pouco tempo), e é nessa precisa estação que as tropas aliadas invadiram o território. Pormenores, dirão alguns, que funcionam como cenário desta história que se assumiria como mais uma.

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Mas a Guerra possui um papel de ruptura aqui, uma adversidade ou antes um chamamento, cujos gritos encaminham-nos para um caminho de ferro bombardeado por aviões “aliados” (as aspas denotam a indiferença do termo aliança; as bombas não têm partido e os ataques não têm conduta), o terror dos céus pairando sobre eles, determinados a agendar sua fuga, o devaneio dos românticos. Nesse momento, o romance já não importa num mundo em conflito, e o corpo da criança assassinada, sem rosto e sem nome por sorte, poupado dos pés dos nossos protagonistas, conscientiza essa epifania mortal. Carlo (Trintignant, o jovem trágico em verões alheios), que até então gabava-se de desertar do “apelo nacional”, do exército, à Guerra, esse fantasma-encostado, é agora determinado a servir, sem obrigações, sem incentivos, sem ser em rebelião ao cenário que depara. O comboio que separa os amantes, cliché emoldurado do melodrama enquanto género, serve aqui como faca de dois gumes, perpetuar o trágico da ruptura amorosa e sublinhar o sacrifício individualista do nosso "bon vivant" ao serviço de um Bem maior.

É uma propaganda moral com atraso, visto que o filme data de 1959, com a Segunda Guerra no seu fim, mas não o fascismo, até aos nossos dias, como ervas daninhas que se revelam após um prolongado Inverno. "Estate Violenta", segunda longa-metragem de Valerio Zurlini, o romance de verão contra todos os romances de verão, do fascismo à liberdade e da liberdade ao fascismo, a imaturidade em busca de maturidade de Carlo com a maturidade em busca da imaturidade de Roberta, a sua representação e o seu oposto, que ao contrário do que o título incentiva não nos valida com violência. Saudades de filmes assim.

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Táxi!!

Hugo Gomes, 25.11.23

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Like Someone in Love (Abbas Kiarostami, 2012)

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Total Recall (Paul Verhoeven, 1990)

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Night on Earth (Jim Jarmusch, 1991)

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The Fifth Element (Luc Besson, 1997)

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Colateral (Michael Mann, 2004)

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They All Laughed (Peter Bogdanovich, 1981)

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Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976)

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Taxi (Gérard Pirés, 1998)

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Taxi (Jafar Panahi, 2017)

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No Táxi do Jack (Susana Nobre, 2021)

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Scrooged (Richard Donner, 1988)

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A Taxi Driver (Jang Hoon, 2017)

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The Day After (Hong Sang-soo, 2017)

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It Must be Heaven (Elia Suleiman, 2019)

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The Bone Collector (Phillip Noyce, 1999)

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2046 (Wong Kar-Wai, 2004)

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Happy Together (Wong Kar-Wai, 1997)

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In the Mood for Love (Wong Kar-Wai, 2000)

"Eu sou o Capitão"

Hugo Gomes, 23.11.23

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Em junho de 2023, lamentavelmente comum no Mediterrâneo, mais uma embarcação de migrantes oriundos do Norte de África (maioritariamente) naufragou, resultando na perda de 800 vidas. A notícia, relegada a um rodapé pelos meios de comunicação ocidentais, rapidamente cedeu lugar à busca pelo submersível Titan no Atlântico Norte, operado pela Ocean Gate com 5 tripulantes, abastados entre eles, devemos salientar, com o intuito de observar as ruínas do Titanic. “Morreram todos”, foi desta e criticada forma que o pivô José Rodrigues dos Santos abriu o telejornal da RTP, e é com esta ruptura que desvendamos o desfecho desses “esforços”. Ou seja, enquanto chorávamos por cinco, 800 vidas não obtiveram tamanha solidariedade, apoio nem sequer “buscas incansáveis” do que restava daquela gente. O Mar Mediterrâneo, diante da crise migratória, havia-se convertido num cemitério marítimo, dessacralizado, e distanciado das nossas sensibilidades

Em setembro deste mesmo ano, em plena Competição do Festival de Veneza, Matteo Garrone (“Gomorra”, “Dogman”) apresentava o seu último trabalho - “Il Capitano” - filme que seguia a jornada de um jovem senegalês seduzido pelas “promessas do Primeiro Mundo”. Previsivelmente, a odisseia não será de todo feliz, e o rapaz, cuja inocência torna-se no maior adversário e igualmente aliado, é confrontado com os bastidores do “sonho europeu”, passando pela Níger, ao deserto do Saara e à prisão libanesa até chegar por fim, ao obstáculo marítimo. 

Etapas de sofrimento que Garrone ameniza por via de um tom fabulista (resquícios do seu “Il racconto dei racconti”, 2015), presente em delírios, miragens, sonhos ou escapes do protagonista, mas o pesado daquele cenário mantém-se como pintura de parede, relembrando ao espectador da rota dos infortúnios, dos que tentam alcançar a mundanidade que nós europeus nascemos com direito garantido. Desde o seu primeiro passo, o mesmo “passageiro” [leia-se, espectador], prevê na sua “bola de cristal” os desdobramentos deste sonho, as consequências, os antagonistas e o clímax, esse, justificando o título, o qual, numa estratégia burlona em que o nosso protagonista (mais uma vez, inocência como palavra de ordem) assume-se “capitão” de uma sobrelotada embarcação, cegamente rumo a Itália

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O “caminho marítimo” é desgostoso, sofrido, miserabilista, mas é a partir daí, com “terra à vista”, que Matteo Garrone joga o seu privilégio num imprevisto “conto de privilegiados”. Considerando a narrativa comum, ou a ausência dela,, o destino trágico de milhares de “aventureiros”, o realizador tentou prevalecer uma fantasia, um “happy-ending” abrupto ou inconcluso em jeito de manifesto à miserabilidade que estes “contos” trazem. Poderá ser uma boa intenção, servindo do Cinema como escape da nossa realidade, ao mesmo tempo trazendo consigo uma satisfação burguesa (contra a vulgarização da tragédia) e, consequentemente, uma romantização daquela situação em prol do nosso conforto da sensibilidade. É um italiano a dizer-nos, sobretudo, que “nós” europeus estamos absolvidos da culpabilização da jornada destes “peregrinos”, enquanto que na realidade, nós somos os traidores dos seus sonhos. 

Il Capitano” é, em todos os aspectos, um filme verdadeiramente competente, seja tecnicamente, performativo ou na descrição da sua “realidade”, distanciando-se da presença branca (não há uma única ‘personagem’ europeia, levando-nos a uma história inteiramente de quem viaja). Contudo, incentiva uma hesitação, à banalização trágica que tanto critica e igualmente à tragédia banalizada que emana enquanto espetáculo de emoções.

"Tentamos a outra fase da moeda dos 70's". Alvalade Cineclube novamente nos trilhos da América da década de 70'

Hugo Gomes, 21.11.23

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Wanda (Barbara Loden, 1970)

Tão distante, tão perto. A década de 70 afasta-se cada vez mais da nossa contemporaneidade, contudo nunca se falou tanto, ou igualmente se repescou, aqueles anos como agora. Saudosismos, reavaliações, ou as lições embutidas que as promessas do amanhã anotam como suas, este período, marcante para várias artes além do cinema, refletiu numa subversão e consequentemente numa ruptura das velhas fórmulas e estéticas acompanhadas pelo teor “Novo Cinema” que difundiria pelo mundo afora desde os 60. Nos EUA, a sua nova vaga foi entardecia para a década seguinte, abraçada por “movie brats” e denominada por “Nova Hollywood”, a frente contra a decadência do velho sistema e a imposição de novas vozes, personagens e historietas, assim como novas preocupações, quer sociais e políticas, desencantando a ficção tida cinematográfica. Apesar da relevância desta onda, o cinema norte-americano não viveu apenas de “Novas Hollywoods”, mas dificilmente mesmo é ignorar essa sua influência nos mais diferentes quadrantes. 

Sendo assim, voltamos ao Alvalade Cineclube, que ano passado nos presenteou com uma rota ao cinema dessa década. Nesta sequela, tendo arrancado no passado dia 8 de novembro com “Wanda” de Barbara Loden, seguimos pela Nova Hollywood e as suas ramificações, com tempo para “truques” de kung fu e pesadelos paternais. Com quatro sessões, e desta vez decorrendo no Cinema Ideal, o ciclo “América ‘70” prossegue nesse cenário cinematográfico de outros tempos e de novos entusiasmos. Falamos novamente com o programador Bruno Castro sobre a mostra, eventualidades e possibilidades.  

Voltamos à tão aguardada segunda ronda pela América dos anos 70, aqui, ao que parece, ocasionalmente nos desviamos da trilha da Nova Hollywood que estava tão presente na primeira parte. Como foi feita a seleção dos filmes para esta "sequela" e qual a razão por trás da escolha destes títulos específicos?

Ficamos a pensar nesta questão da sequela depois de, há um ano atrás, teres perguntado especificamente se fazia sentido voltar a repetir. Foi algo que ficou em cima da mesa. A ideia desta vez foi, em primeira instância, manter a possibilidade de contarmos com uma visão feminina dentro do programa, e é aí que surge o “Wanda", da Barbara Loden. Quando há um ano tínhamos passado o filme do Cassavetes - “Mulher sob Influência" - constatamos que deveríamos ter esta possibilidade de termos um olhar feminino naquela década, e achámos “Wanda" a escolha totalmente óbvia, até porque não é um filme muito visto em tela em Portugal, apesar de ter passado algumas vezes, não é muito disseminado … não é fácil também devido a questões de direitos e afins. E a cópia que existe habitualmente em Portugal é em película, não foi o nosso caso que contamos com uma cópia digital. 

A partir daí, desta vez, a intenção foi de facto fugir um bocadinho da ideia da Nova Acrópole, daí surgindo títulos como o “Enter the Dragon", do “Eraserhead", e , por fim, do “Blue Collar". Tentamos a outra fase da moeda dos 70's. Não insistir apenas nesta ideia da Nova Hollywood, ou seja, não fazer uma sequela direta, mas encontrar dentro da década de 70 pistas para aquilo que aconteceu depois. E daí também, por exemplo, a questão do “Eraserhead”, o início de carreira do David Lynch, que nós possivelmente não associamos o próprio Lynch aos 70's, mas as ‘coisas’ começaram daí. 

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Eraserhead (David Lynch, 1977)

É uma evidência da década de 70 ser um espaço de liberdade criativa, ou seja, não só do ponto de vista formal, não só desta possibilidade de surgirem novos realizadores com novas abordagens, fora daquilo que eram os mecanismos normais dos estúdios e da forma de fazer cinema, como também do ponto de vista artístico, se quisermos. Este espaço enorme de liberdade onde parecia não haver grandes convenções: e quer o “Eraserhead”, quer mesmo o “Enter The Dragon”, são bons exemplos dessa ideia de liberdade e, portanto, focamos nessas possibilidades, não fugindo da ideia das personagens e das narrativas, e deparando com outras linhas de discussão e, devido a isso apresentamos outros tipos de convidados desta vez.

No caso do "Eraserhead" vamos contar com Vasco Araújo, artista plástico, pintor, precisamente porque queremos olhar para os filmes de outra perspetiva e de não estagnar num sítio tão cinéfilo puro e duro. 

Ao explorar novamente esta América, descobrimos que existe um público interessado nas propostas e no cinema deste período. No geral, como correu o primeiro ciclo de exibições? As expectativas foram cumpridas?

Sim, foram aliás cumpridas e ultrapassadas. Em primeira instância o conceito da década de 70 era que era uma premissa muito nossa, mas foi muito interessante perceber que há vários tipos de público para este tipo de iniciativa e por exemplo, no ano passado, na sessão do “Taxi Driver” deparamos com jovens de 16, 18 anos que nunca tinham visto o filme e muito menos em tela, e cinéfilos infiltrados com 60 anos, que não só viram o várias vezes, como ainda desejavam lá voltar. 

E, portanto, eventualmente a cinematografia americana de 70 tem esta capacidade, esta elasticidade de chegar a públicos muito diversos e de os "resgatar" por uma abordagem de cinema que é bastante diferente. E isso significa que de facto, aquele ciclo correu muitíssimo bem e como tal decidimos regressar a ele. Era uma aposta sedutora, nós gostamos sempre de correr alguns riscos depois e ao mesmo tempo perceber a existência de audiências possíveis para este tipo de iniciativas.

Confesso que fiquei surpreso por ver “Enter the Dragon” nesta mostra, não porque não faça parte do cenário cinematográfico americano da época, mas porque parece destacar-se em termos de estilo e perspectiva política-social, em comparação com os outros filmes. Bruce Lee e a sua equipa poderiam justificar um ciclo de artes marciais? E já agora como olha para esse subgénero numa óptica de importância (ou não) cinematográfica?

Olhando para o “Enter the Dragon” … Bom, em primeira instância, a ideia de surpresa, nós gostamos sempre de ter um joker no meio destes ciclos. Ter algo que de facto nos aufere aquele sentimento WTF. No ano passado foi através do "Car Wash", um filme muito diferente dos restantes do ciclo, este ano acontece com o caso “Enter the Dragon", até porque o trabalho do Bruce Lee está completamente associado ao Hong Kong e aqui contamos com uma produção americana, devido à possibilidade da América de 70s acolher produções que não tinham necessariamente a ver com o seu próprio contexto, sendo outro espaço de liberdade que não sabemos se voltou a repetir depois. 

Bruce Lee e a sua equipa poderiam justificar um ciclo de artes marciais? E já agora como olha para esse subgénero numa óptica de importância (ou não) cinematográfica?

Temos dúvidas, ou por outra, o Bruce Lee claramente podia justificar um ciclo de artes marciais, temos dúvidas se existiria público para esse efeito. Parece existir um goodwill muito grande relativamente a este tipo de filmes o que não reflete necessariamente em público, e portanto, dificilmente olharemos para essas questões, sobretudo as questões de género ou de subgénero que colocas na ótica de importância cinematográfica. Tem mais a ver com a possibilidade da sua contextualização, mais do que outra coisa. 

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Enter the Dragon (Robert Clouse, 1973)

Não temos a certeza de que o cinema de artes marciais seja um subgénero cinematográfico, sinceramente, mas estamos seguros de que ele teve, em certa medida, um contexto específico, bastante concentrado, apesar de existirem exemplos ao longo do tempo. Existe um período muito específico desse ponto de vista, no qual havia a capacidade de integrar a dimensão das artes marciais com outras componentes narrativas, entre outras abordagens. Isso, de alguma forma, foi-se diluindo ao longo do tempo ou viu surgirem outras abordagens um pouco distintas, algumas mais plásticas e visuais, outras mais focadas na tradição asiática, o que não era o caso das propostas que referi, e assim por diante. Mais adiante, temos alguns exemplos ligados à comédia slapstick.

Não estamos inteiramente seguros que isso possa fazer sentido. Pode fazer sentido sim encontrar objetos que, num outro contexto como este específico, podem encaixar e fazer sentido para audiências, mas não enquanto proposta muito concreta. Portanto é uma ideia que eventualmente não fica assim tão a pairar. 

É inegável que Paul Schrader continua a desempenhar um papel direto e indireto neste prisma cine-americano, como demonstrado por um dos seus filmes mais reavaliados, "Blue Collar".

Nós queríamos ir ao Paul Schrader há algum tempo. Interessa-nos a sua faceta enquanto realizador, visto que Schrader argumentista, encontra-se mais visível, o seu trabalho está muito revisitado. Interessou-nos ir a uma visão direta de realização, e mais antiga, claramente, até porque o Paul Schrader recente não estamos a avaliar qualitativamente, é diferente. 

Este “Blue Collar” tem uma série de características muito interessantes, a questão do dilema moral dos personagens. O próprio Richard Pryor, que acaba por ser uma espécie de grande figura ali no meio, que se foi perdendo depois ao longo do tempo de outra forma, interessou-nos esta lógica também ligada a um movimento sindical e a forma como ela era vista e trabalhada, e portanto também vamos ter na sessão do “Blue Collar”, Manuel Carvalho da Silva, ex-dirigente da CGTP, para a conversa e trazendo com isso um ângulo muito laboral, um outro olhar para este “Blue Collar” e isso interessou-nos mais do que outra coisa.

O que poderá dizer sobre os convidados? Que tipo de dinâmica espera criar através dessas interações?

Sobre os convidados … o que tentamos sempre é ter convidados, até este ano mais que a do ano passado, e com poucos especialistas. Não gostamos da ideia de especialistas, tentamos fugir dela como o “Diabo da cruz”, o que pretendiamos era procurar vozes que tenham opiniões diferentes sobre os filmes.  

Como já referido, no “Eraserhead” vamos ter o artista plástico Vasco Araújo, com uma visão claramente diferente sobre aquilo e, portanto, não nos interessa a ideia de género, por exemplo, ligado a terror ou a bizarria, mas outro tipo de abordagem. E na última sessão, para além de outro convidado, o Carvalho da Silva, também com uma visão sobre mais a ideia do mundo laboral do que cinefilia. Interessa-nos sempre haver esse tipo de discussão, sair do filme e não ficar fechado dentro dele. O ano passado conseguimos isso em espaços. Dependeu um ‘bocadinho’ dos convidados. Neste caso específico fizemos um esforço claramente maior para que isso aconteça.

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Blue Collar (Paul Schrader, 1973)

Finalmente, teremos o desfecho da trilogia?

A resposta permanece a mesma que há um ano: não temos certezas. Tudo dependerá da avaliação que faremos disso e também muito do contexto do próximo ano, se se adequar. Não apreciamos a ideia de um festival ou de uma mostra cíclica que se repete. Isso significa que, muito possivelmente, há casos em que até podemos realizar uma vez ou duas, mas não necessariamente transformar isso numa iniciativa que ocorre anualmente e se consolida. Dependerá muito do que acontecer na programação ao longo do ano e do que pretendemos fazer também em torno desta questão dos anos 70. Isso pode implicar assumir outra abordagem, explorar diversas direções ou integrar-se em outros tipos de iniciativas. Esta é uma questão que estará claramente em discussão, mas, por enquanto, ainda é muito precoce para fazer essa avaliação.

Toda a informação sobre o ciclo aqui

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