Reed all about me
Oliver Reed promove a sua autobiografia, em 1979
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Oliver Reed promove a sua autobiografia, em 1979
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As qualidades enquanto produto são várias e (até) discutíveis em eventuais tertúlias, porém, em “Talk to Me”, esta produção australiana que cunhada pela A24 tem vindo a tornar-se num dos grandes êxitos do género em 2023, é destacada pela sua relação (seja filme, seja as personagens) para com o sobrenatural.
O enredo que “abocanha” luto, solipsismos e euforias com jogos espirituais, sempre testemunhados por câmaras de smartphone a fim de captar, registar e partilhar qualquer momento de invocação e possessão, dialoga com a nossa contemporaneidade e muito mais com a geração em voga [correspondendo aos denominados Z & Alfa], cuja intimidade aufere novas fronteiras e consequentemente novos critérios. Portanto, esta aventura ora tecnológica, ora paranormal, vem ao encontro de uma extraposição que estes jovens sobrelotados de redes sociais normalizaram e com isso a fantasmagórica presença de um outro mundo, encarado como uma droga, não no sentido estupefaciente, e sim, virtual. Basta entender os algoritmos e cair em vórtice nos enésimos reels ou tik-toks que emanam aparições ou eventos inexplicáveis, muitos deles (grande parte, sublinha-se) fabricados pelos seus usuários, outros expondo a urgência dessa cadeia de filmar e difundir.
A exploração do fantástico é também a sua base de mistério, contraditório que “Talk to Me” parece delinear nestes “ouijas” de nova geração, onde o voluntariado jovem, apertando um artefato místico (uma mão embalsamada) invocam os “mortos”, oferecendo a respetiva carne para uma breve possessão, a adrenalina trazida por este comportamento visa na diversão dos joviais espectadores em reuniões casuais, cada um na sua, ou diria antes, na sua solitária e assexuada vivência. Não nos estranha o facto da obra ser realizada por dois youtubers [a dupla Philippou], detentores não da linguagem, mas da compreensão desses códigos de partilha, onde o nosso torna-se deles e os fantasmas convertem-se em passageiros avatares, nada é propriedade exclusivamente terrena ou sobrenatural, a fronteira é diluída em prol de um outro “mundo”, o virtual. Enquanto isso, “Talk to Me” reserva-nos algumas fintas às habituais e cadavéricas tendências do seu género, uma delas a cedência do facilitismo dos “jumpscares” pela atmosfera em construção, e a troca do nefasto CGI pelo simplesmente prático.
Mas como a geração que retrata, viciado nos seus bovarismos e depressões vendidas (e mercantilizadas, basta entender a “cultura do depressivo” que abunda pelas redes sociais em modo irónico), esta é uma obra que valoriza o seu pessimismo ao invés de pontuar no seu assombro. Para a convencionalidade do seu género pode desiludir, contudo, é apenas um filho desta nossa modernidade, e quem sabe, o ventre-gerador de uma nova manifestação do terror. Pelo menos “franchisado” já está!
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O Cinema, que tanto pode ser tudo como também pode ser nada, é ocasionalmente um dispositivo proustiano, que involuntariamente me transporta para os cantos e recantos distantes da minha memória (e experiência). "Falcon Lake", de Charlotte Le Bon, é a mais recente madalena da minha "caixa".
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Elenco de "Death on the Nile" (John Guillermin, 1978)
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Anne Bancroft e Mel Brooks, em 1983 / Foto.: Douglas Kirkland
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Ebrahim Golestan (1922 - 2023)
Kiarostami, Panahi, Farahi, Rasoulof, entre outros, os “monumentos” do cinema iraniano hoje citados vezes sem conta, não nasceram ontem, nem caíram do céu, integram, sim, um legado construído tijolo a tijolo, reflexo a reflexo. Hoje, aos 100 anos, Ebrahim Golestan, um dos pais dessa modernidade soada em estado de resiliência desde o seu ínicio, despediu do mundo, deixando uma obra que captou a transformação de um Irão, que por mais reformas “sofridas”, viria a culminar naquilo a atualidade nos presenteia (basta ir à notícias e entender do que falo). Resistência, palavra de ordem ou punho erguido, a opção de luta, mas nele, o segue o pensamento-base que Golestan (assim conhecido) incutiu nos seus dramas familiares ou nas curtas-documentais sobre mudanças agrárias ou petróleo em plena combustão. Parte da sua obra foi vista na Cinemateca no início deste ano, em forma de “capturar” a atualidade de revoluções (ou supostas promessas de revolução). Deste lado, com este texto ingrato (diria até despreparado) recomendo o filme que espiritualmente povoa nestas palavras - “The Brick and the Mirror” - um jogo de éticas e moralidades, com responsabilidades que “reflectem” (novamente invocado) um Irão de amanhã.
The Brick and the Mirror (1964)
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Produção islandesa de fazer inveja a muito estúdio, “Operation Napoleon” é um thriller conspiracional sobre a descoberta de destroços de um avião nazi nas tundras da Islândia que vai culminar num silencioso conflito global.
Entre os “heróis” improváveis, bem ao jeito hitchcockiano [à hora errada e no lugar errado], encontramos uma advogada destemida (Vivian Ólafsdóttir), envolvida na “trapalhada”, ao pedido do seu irmão, aventureiro de espírito que acidentalmente encontra tais ruínas marcadas com a suástica, sendo eventualmente perseguido e capturado por uma elite da Inteligência Americana. Sim, os americanos, o costumeiros “bonzinhos “ da fita são aqui retratado como forças antagónicas sem timidez para a influência mundial, lideradas pelo ator escocês Iain Glen (da série “Game of Thrones”, e vilão do franchise “Resident Evil”), que verdade seja dita, já experiente nesse tipo de sujeito sem escrúpulos.
Deixemos eles ficarem com os louros de “bad guys”, visto já ser tradição em Hollywood o sentimento de perseguição do resto do Mundo para com o lar dos patriotas e dos estados estrelares, e não é por isso que o “gato vai às filhoses”. Contudo, se vamos seguir a onda da ação gélida, então seguir o rasto deste avião e os seus segredos obscuros revela-nos mais interesse na promessa (o “macguffin” tem o seu quê de misterioso) do que na jornada, esta ditada por lugares-comuns, algumas incoerências na lógica e na razão e sobretudo previsibilidade.
Nada aqui é jogado fora, tudo é encaixado e previamente oleado para escorrer sem perturbações no goto do espectador, duas horas de espéctaculo mais recauchutado, sendo que … tcharam! … a sua nacionalidade apresenta-nos um admirável mundo novo (ou currículo para o realizador Óskar Thór Axelsson para futuros cargos norte-americanos, quem sabe). Mas fora desse (curioso) pormenor, nada de relevante é colhido, apenas sementes para uma “sequela”, caso for bem-sucedido.
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The King of Comedy (Martin Scorsese, 1982)
“Não conheço melhor definição do trabalho do humorista. Fazer com que as pessoas se riam desta ideia: por mais que façam, vão morrer. Fornecer-lhes uma espécie de anestesia para esse pensamento. É um ofício belo, nobre, indispensável e inútil: sim, o riso tem o poder de esconjurar o medo, mas só durante algum tempo, talvez apenas durante o tempo que dura a gargalhada, às vezes, nem tanto.”
- Ricardo Araújo Pereira, “A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar: Uma espécie de manual de escrita humorística”, publicado pela Tinta da China
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Em tempos, venderam-nos a Netflix como o último reduto da criatividade cinematográfica, após a homogeneidade do cinema de super-heróis e sequelas atrás de sequelas que as majors estavam destinadas a seguir. Porém, o mito evaporou, e um passeio pelo catálogo do streaming hoje, na sua seleção de originais, revela-nos algoritmos fílmicos, seja em argumentos binários ou estéticas que se camuflam com o livro de encargos do "N" vermelho. Após a tentativa de "Gray Man", com um orçamento de 200 milhões (?), resultando numa sopa instantânea sem sabor, eis que chega-nos a mesma fórmula em outras roupagens, com Gal Gadot assumindo a condução de mais um protótipo de espionagem global, daqueles que Hollywood produzia em abundância no pré-11 de Setembro (ressalta-se que nesse lote, apenas a saga "Missão Impossível" sobreviveu graças à seleção natural e a Tom Cruise, num constante desafiar da sua existência).
"Heart of Stone" soa-nos escrita de Inteligência Artificial (e infelizmente, essa tendência está a tornar-se mais do que habitual), peças encaixadas à martelada, lugares-comuns estampados sem pudor e algo que nos tentam convencer de serem personagens, só que se tratam de meros avatares deste videojogo chamado "novidade de streaming". No fundo, é esquecível, acredito que até mesmo antes dos créditos finais já o “olvidamos”, portanto, deixemos o parte do furto de Tom Harper ("Wild Rose") e foquemo-nos no tal "elefante na sala" (o faits divers para nos acalentar a dor) - Lisboa, cidade menina e moça - aqui interagida na ação de passagem como uma capital de postal. É assim que os "gringos" nos veem, até porque, Gal Gadot, seguindo o conselho da sua superior hierárquica, em Lisboa come-se tapas (!).
“Heart of Stone” e seus afins, são ‘produtos’ verdadeiramente prejudiciais à qualidade do espectador dos nossos tempos (talvez seja um sintoma deste estado agravado), mais do que os fenómenos “Barbenheimers” desta vida que muitos conspiram e acusam como atentados à nossa estabilidade social.
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Orson Welles e uma pequena Natalie Wood na rodagem de "Tomorrow is Forever" (Irving Pichel, 1946)
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