Uma aventura à lá Pee-Wee
Tim Burton dirigindo Paul Reubens (1952 - 2023) em "Pee-wee's Big Adventure" (1985)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Tim Burton dirigindo Paul Reubens (1952 - 2023) em "Pee-wee's Big Adventure" (1985)
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O Papa Francisco atravessa uma vazia Praça de São Pedro, a fim de celebrar uma missa em prol das vítimas da pandemia, uma imagem convertida num dos momentos-chave do corrente ano 2020. Imagens essas, recicladas por Gianfranco Rosi, como não poderia deixar na composição deste registo documental, deste álbum de viagens da figura máxima da Igreja Católica por este mundo - Cuba, Brasil, Palestina, Arabia Saudita, Iraque, etc - uma “cruzada” em difusão da sua mensagem, humanitária ou de simples fé à sua crença para milhões e milhões.
A travessia do deserto que o Vaticano transformou nesse fatídico ano da pandemia, reserva-nos uma simbologia pensada de um homem de branco que ora para o “boneco”. Se foi essa ou não a intenção de Rosi, é com essa fenomenologia que tiramos partidos das enésimas voltas e “beija-mãos” pelo Globo, finalizados por um discurso de bradar (e apelar) aos céus, a uma utópica e inexistente convivência entre religiões, estados e pessoas. Dessa feita, e cépticos na Humanidade enquanto massa uniforme, pensemos com que maneira um tributo às vidas perdidas no Mediterrâneo - o filme abre com uma chamada de rádio desesperante e impotente entre um barco de refugiados e a guarda costeira (tema “querido” por Rosi, que originou o galardoado Urso de Ouro, “Fuocoammare”) - por parte da eminência terá impacto para com a multidão de Lampedusa que o venera? Ou a conversa sobre a integração dos palestinos no território disputado pelo Estado Israelita? Ou até o “ofuscado” genocidio dos arménios aos turcos? Palavras fortes, razões salientadas, dirigidas ao nada, à desumanização normalizada de quem o assiste, e como o Papa refere, a ideologia como intromissão das suas respectivas sensibilidades e moralidades.
Portanto, caminhar pela praça esvaziada ou intervir numa enchente humana dará ao mesmo. As viagens tornam-se meros processos, protocolos papais deste mundo globalizado, Rosi, silenciosamente, pratica esse detalhado ponto na sua completa montagem. Se foi essa a sua intenção imediata ou não em "In Viaggio", só poderemos dizer que as imagens falam por si, superando jornadas e colecionadores de postais turísticos da nossa Santidade.
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Manoel de Oliveira dirigindo Leonor Silveira e Michael Lonsdale em "O Gebo e a Sombra" (2012)
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Não são apenas jovens inconscientes, mas jovens precários, deambulando pelo mal-amparo social, resultado de políticas, muitas delas conservadoras, que nada acrescentam ou acompanham na vida das gerações futuras, com ambições de emancipação. Poderia ser a história do dia-a-dia em qualquer região do mundo ocidental e industrializado; basta ligar o noticiário ou abrir o jornal do quiosque para nos depararmos com a enchente de notícias e relatos de jovens sem a capacidade de auto-sustentabilidade, sem um emprego que corresponda às suas habilitações ou a uma crise habitacional que agrava essa tão esperada 'saída da casa dos pais'.
Neste caso, vamos ao Irão; por momentos, fazemos "festinhas" ao fervor social que lá habita, renegando o cinema-denúncia feroz que nos é encaminhado - Panahi, Rasoulof - nada disso, a "politiquice" está enraizada, ou quem sabe, mais universalizada. Aqui, a questão é de foro moral, de integridade perante as adversidades do seu meio. Nesse território, tem sido Asghar Farhadi a dançar por entre os holofotes da ribalta; por sua vez, o estreante Behrooz Karamizade vagueia pelos dilemas de um jovem forçado a seguir vias ilícitas para conquistar o seu horizonte (e casar com a sua ‘rapariga dos sonhos’), antes disso, sendo enganado pelos seus próprios ideais, convicções que o trapaceiam ao invés de o beneficiar à luz do seu meio social.
Portanto, o também estreante Hamid Reza Abbasi, o lesado Amir - um talentoso nadador que faz uso da sua arte ao participar num comércio negro de caviar (iguaria para ocidentais, sempre a ocidentalidade como a erva-rato dos nossos dias) - encontra-se em tal situação como uma restrição de um avariado "elevador social" e de doutrinas religiosas diluídas nesta sua comunidade. Subsistindo nestas tarefas à margem da dignidade ou da lúdica caça de enguias como um escapismo pecaminoso para pescadores presos no seu status social (o ópio dos miseráveis). Enquanto linguagem, é a universalidade que muitos poderão identificar-se com a jornada descendente do jovem com integridade sem partilhar tais características culturais; fora isso, resume-se a um filme de pretensões mal resolvidas para com os seus induzidos traumas, cuja miopia do protagonista nos leva a uma trama ego-central, onde o restante biótopo povoa em jeito de "por favor”.
Ou seja, “Empty Nets” faz uso das suas próprias redes em busca de peixe graúdo, mas apenas consegue “pescar” miúdo devido à sua inexperiência, seja formal, temática ou sintática. O percurso talvez seja longo, e nada disso impedirá Karamizade de crescer, amadurecer num futuro próximo; porém, no momento, pode-se supor que é grande num registo que o leva ao rascunho e não mais do que isso. Como também é o seu território, o Irão como laboratório do cinema-denúncia mordaz que o jovem realizador não parece fazer jus aos requisitos.
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Marcello Mastroianni em "La Dolce Vita" (Federico Fellini, 1960)
Bem, chegamos aos 16 e, segundo a lógica dos GNR, falta pouco para os 96. A caminho da sua maioridade, o Cinematograficamente Falando … tornou-se um espaço mais do que sobrevivente, caloroso de uma cinefilia perdida e partilhada entre blogs e "cinéfilos de cave", como também de expressão deste meio, algures entre a crítica (que não segue os padrões mercantis) ou do cinema enquanto discurso universal. É como uma espécie de bimby, cozinha-se tudo ao sabor da Sétima Arte, seja de transversalidades como políticas, estéticas, sociologias ou lirismo. Sai o prato e acompanha-se com uma boa cerveja, gelada de preferência.
De momento, com 16, não existe novidade alguma senão a perseverança e o aprimoramento deste espaço, meu, como também vosso. Portanto, convido-vos a explorar, comentar, criticar, degustar ou até desgostar (estão no vosso direito). E fora isso, um agradecimento a todos que têm contribuído para a longevidade do Cinematograficamente Falando..., não é só para mim que escrevo, como também para vocês, e as visitas confirmam essa adesão.
Ah... já me estava a esquecer, este ano teremos outro dossiê de convidados, desta feita sobre a relação entre Cinema e Medo, a ser lançado nas proximidades do Halloween. Brevemente adiantarei mais sobre esta iniciativa. Por enquanto:
CONFORME SEJA AS VOSSAS ESCOLHAS, BONS FILMES!
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Barbie (Greta Gerwig, 2023)
Playtime (Jacques Tati, 1967)
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Spencer Tracy e James Stewart no funeral de Clark Gable, Novembro, 1960
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Frank Sinatra, Dean Martin e Judy Garland num programa especial de "Judy Garland Show", em 1962
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Falemos de um génio que nem é bem um sábio, um homem de convicções fortes mesmo assim, cuja sua ciência culmina numa arma de destruição, “testada” enquanto “golpe de misericórdia” ao oponente de Guerra. Mais de 200 mil vidas, a soma de Hiroshima e Nagasaki, desvanecidas, o custo da tal invenção, esse ultimato ostentativo que segundo o seu criador é capaz de dilacerar o Mundo. Digamos que o “pai da bomba atómica” - legado amaldiçoado - J. Robert Oppenheimer é uma figura e tanto, o Prometeus do último século, da modernidade dele apresentada se forjou a Caixa de Pandora, e ao seu “mensageiro divino” o “esventramento”, o “sacrifício” em regozijo dos mortais que deleitam o seu “roubado fogo do Olimpo”. Este seria uma “personagem” a merecer justiça no leito cinematográfico, mas para isso bastaria alguém dedicado à sua psicologia, à sua consciência, delinear aquela culpa do tamanho do Mundo ou simplesmente desvendar o seu martírio, um realizador de Homens, um autor de sentimentos e relações, um observador do seu redor.
Infelizmente ‘calhou-nos’ Christopher Nolan - o grandiloquente Nolan, o messianico Nolan, o sebastiânico Nolan - cuja megalomania produtiva “engole” um homem, uma personagem e os seus devidos atores. Abre-se as “Portas do Inferno”, a estrutura operática (e no sentido literal, obviamente, com o compositor Ludwig Göransson a demonstrar escola à lá Hans Zimmer), um espectáculo ambicioso, deixando à mercê uma esquemática de biopic a apontar para Oeste (para a estatueta para sermos mais certeiros). Sim, tudo convencional, apenas “embrulhado” numa sonoplastia mastodôntica e um visual aprumado, esmagando toda a intenção de aproximação à encarnação de Cillian Murphy que tudo tenta em atribuir dignidade ao seu “Destruidor de Mundos”, só que a aliança com Nolan é unilateral, a montagem propositadamente desorganizada, o “rally-tascas” para com as vinhetas históricas (elenco de luxo para meros “bonecos de cartão”), e pior que isso, sendo essa a grande fraqueza do realizador britânico, a desinteressada dedicação na direção de atores (resultado - anda tudo a trabalhar para a ilustração).
Enfim, complicar o que não precisava de complicar, apenas fazer-se ouvir e ouvir o que “Oppenheimer” [o homem, como o filme] teria para dizer … até porque, tal como acontece nesta metragem, ninguém parece falar com ninguém, apenas debitar discursos sem direito a resposta. Radioativo, este Nolan, cada vez mais demonstrando a sua posse destruidora em prol de um espectáculo “enfarta-brutos”, um trailer de três horas, tendo em questão o seu ritmo “bicho-carpinteiro”, que nos faz questionar sobre a existência de Deuses no Cinema e nos confirmar a presença de Ceifeiros.
Now I am become Death, the destroyer of worlds”
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Oppenheimer (Christopher Nolan, 2023)
Sobre a crítica de cinema e a sua fusão para com o "marketing" do filme: as estrelas tornam-se o sedutor cruzar de pernas para o mercado, e com isto, nunca normalizou-se tanto o conceito de 5 estrelas (sim, numa altura que vai estrear um novo Nolan, este pensamento não é acidental) como agora. O estatuto "obra-prima" perdeu o seu encanto, ou exclusividade.
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