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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Feliz dia do Pai!

Hugo Gomes, 19.03.23

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Big Fish (Tim Burton, 2003)

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Like Father, Like Son (Hirokazu Koreeda, 2013)

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Star Wars: Episode VI - Return of the Jedi (Richard Marquand, 1983)

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Adeus, Pai (Luís Filipe Rocha, 1996)

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The Lion King ( Roger Allers & Rob Minkoff, 1994)

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The Son (Florian Zeller, 2022)

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Life is Beautifull / La Vita è Bella (Roberto Benigni, 1997)

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Ladri di Biciclette ( Vittorio De Sica, 1948)

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The Pursuit of Happyness (Gabriele Muccino, 2006)

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The Kid (Charles Chaplin, 1921)

Beatriz no país das "maravilhas"

Hugo Gomes, 17.03.23

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Continuando com o seu formalismo do desesperante real, Marco Martins mantém-se leal aos trajetos agonizantes que as suas personagens, mártires feitos e refeitos, caminham em busca da sua essência. Mas o que é que procuram? A resposta aos seus males, seja ela, física, existencial, obsessiva ou corrosiva. O seu Cinema é composto por essas cores, estas deambulações e nisto, trazendo, não somente emoções, mas uma estética política, “à esquerda” como acusou veemente o jornal Observador nos ares de estreia de “São Jorge” (2016). Em “Great Yarmouth: Provisional Figures”, projeto maturado em dois “mundos” distintos, um pré e pós pandemia, ganha vida acrescida sob os ventos das novas marchas politizadas, reacionária e extremistas e quiçá nacionalistas, pintando-nos como “bons emigrantes”, acarinhados pelos povos do Mundo e bem-sucedidos na sua integração. 

Martins provoca, - porque em Great Yarmouth, cidade costeira inglesa (e uma das mais precárias do Reino Unido) - num êxodo à portuguesa é possível escutar os nativos referindo-os como mão-de-obra silenciosa, assumindo trabalhos que os próprios ingleses desdenham. Na liderança dessa peregrinação ao encontro de “vidas melhores”, está a Mãe, apelidada desta maneira (como gosta, devemos salientar), Tânia, portuguesa integrada, a face de uma rede de “exportação” destes trabalhadores carenciados e reduzidos a corpos exaustos, sacrificados, as outras martirizadas equações deste cosmo. Beatriz Batarda é essa “criminal” emigrante, com sonhos próprios, mesmo que mais mesquinhos e pirosos que sejam (velhos e bingo, combinação da sua vulgaridade). Não interessa, ela própria embarca na “foleirice” como íntimo refúgio, o “Promise Me” de Beverly Craven, por exemplo, servido como canto de sereia e de igualmente forma como canto de banshee, cantarolando para ‘seduzir’ ou invocando o antidote para a sua angústia. 

Digamos que na atriz, o ponto alto de “Great Yarmouth”, Martins deposita-lhe fé e determinação para nos guiar pelos dantescos infernos desta exploração, das madrugadas frias e silenciosas, meio adormecidas e calejadas pelo cansaço acumulado, dos “quartos” de hotel (as aspas não são acidentais) ou das idas e vindas aos matadouros de perus, em que o “trabalho liberta” encontra-se invisivelmente gravado nos seus muros. E nela testemunhamos o cansaço, envolto numa rotina, gradualmente desintegrado por vias de um caos, as rugas vincadas do seu rosto renomeia-se como “cicatrizes do tempo”, o qual não volta atrás de maneira alguma e é comumente sabido, mas são essas supra-expressões que a camufla com as noites intermináveis e os becos sem saídas. O sonho não passa disso … num sonho. Acordar é o derradeiro ato. 

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Enquanto isso, Batarda, é toda ela um filme à parte, a alma, a raiz, a força e a farsa, Martins apenas a filma, a integra e suplica para que nela nasça um filme emancipado. O realismo britânico mimetizado numa narrativa suja e sob curvas e contracurvas, a duração da miserabilidade sente-se, seja pelas sisifistas matanças às aves comestíveis, decepadas e decapitadas, "carne para canhão”, como os portugueses e tudo o resto. Só Beatriz’ salva-se, adquirindo as suas asas e transcendentemente sobrevoando tudo o resto. 

Great Yarmouth: Provisional Figures” instala-se como um ensaio sem norte, talvez as várias vidas e os seus vários procedimentos criativos o esvaziaram, porém, encontra conforto na sua protagonista, maior que o filme, maior que a vida. Beatriz Batarda show, é o que é!

"Dá-me as minhas savings"

Curtas, curtinhas, a origem: 1ª edição dos Prémios Curtas

Hugo Gomes, 13.03.23

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Os premiados e os jurados / Fotografia.: Ricardo Fangueiro

Foi através de uma curta que Portugal desbravou caminho em direção à Kodak Theater, a nomeação à tão cobiçada estatueta norte-americana automaticamente entrou para a História audiovisual do nosso país, e então porquê de estarmos constantemente a reduzi-los a "protótipos" de futuras longas-metragens?

André Marques teve um sonho, criar uma cerimónia de festividades, premiações e de comunhão a esse universo bem português, a resistência do Cinema na sua mais natural essência, a simples e de rápida dicção, a curta. Para isso juntou oito magníficos* e fundou um júri, aliciou e arrecadou apoios, e “convidou” a todos os participantes a inscrever o seu trabalho. A sua vontade fez com que o seu desejo se materializasse. No passado dia 10 de março, sexta-feira nervosa devido à nomeação de “Ice Merchants”, cujos Óscares seriam revelados no domingo seguinte (“será desta?” pensavam todos os que presentes), o Auditório Fernando Pessa em Lisboa encheu-se (deve-se sublinhar), para receber a primeira edição, modesta, ainda com o seu quê de improviso, muitas vezes ocultado graças ao malabarismo e carisma de Rui Alves de Sousa, radialista da Antena 1, que assumia o papel de anfitrião. Intercalado pela dita premiação e pela projeção de três curtas referentes aos três géneros-base (ficção, documentário e animação), a cerimónia ficou marcada pelas promessas do seu fundador, ambicionando seguintes edições em maior escala e a ambição de um “microfestival” em celebração daquilo que a curta-metragem tão bem representa - o Cinema, aqui e agora.   

Quanto à premiação, a noite consagrou “Azul” de Ágata de Pinho com cinco prémios, no qual incluem as categorias de Curta de Ficção, Realização, Argumento, Atriz (também Pinho) e Fotografia (assinado por Leonor Teles). “O Homem do Lixo” de Laura Gonçalves arrecada três distinções (Curta de Animação, Curta Documental, Banda-Sonora), igualando com “Punkada” de Gonçalo Barata Ferreira (Montagem, Caracterização, Guarda-Roupa). Os outros prémios; Vítor Norte recebe o de Melhor Ator (“O Caso Coutinho” de Luís Alves), Nuno Nolasco como Ator Secundário (“Tornar-se um Homem na Idade Média” de Pedro Neves Marques), Rita Tristão na categoria de Atriz Secundária (“As Feras” de Paulo André Ferreira), Rodrigo Manaia em Interpretação Infantil (“By Flavio” de Pedro Cabeleira), e ainda a animação “Garrano” de David Doutel e Vasco Sá no campo dos Som / Efeitos Sonoros juntamente com a ‘dobradinha’ de “2020: Odisseia no 3.º Esquerdo” de Ricardo Leite (Direção Artística, Efeitos Visuais).

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Rui Alves Sousa e eu / Foto.: Ricardo Fangueiro

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Vítor Norte brama ao Cinema após vencer o Prémio de Ator / Foto.: Ricardo Fangueiro

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André Marques, fundador do evento, discursa / Foto.: Ricardo Fangueiro

*Bruno Gascon (realizador de “Carga” e “Sombra”), Mia Tomé (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger do Hoje Vi(Vi) um Filme), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Rafael Félix (crítico e fundador do Fio Condutor) e André Pereira (videografo e editor de vídeo da Renascença).

Óscares para tudo e para todos, em todos os lugares, menos para Portugal

Hugo Gomes, 13.03.23

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Everything Everywhere All at Once” saiu-se, de alguma forma previsível, como o grande triunfante na noite de entrega dos Óscares. O estranho e filme de culto da A24 assinado pela dupla Daniels levou para casa 7 prémios incluindo os de Melhor Filme, Realizador, Atriz Principal, Atriz Secundária e Ator Secundário. É a possível abertura da Academia a estes filmes tresloucados que apenas viriam os prémios por “canudo”, contudo, mudanças feitas e tendo em conta o vencedor do ano passado (que já ninguém se lembra, e que na pior das hipóteses escancarou ‘portas’ para o streaming) é uma melhoria, venceu o Cinema, mesmo que não seja o “nosso” ou o “vosso” Cinema, porque de resto, bem, Óscares são Óscares, valem o que valem. Nessas narrativas são ‘sonhos’ a serem concretizados, bastou ouvir Ke Huy Quan no seu discurso oscarizado [um dos mais emocionados na história dos prémios] para perceber que aquele momento era o momento em que se atinge o conceito “sonho americano”, até Jamie Lee Curtis o chegou, de estatueta na mão. Uma imagem improvável para quem sempre fora entendida como a atriz do “Halloween” e outros slashers

Só que não foi desta que o “sonho americano” chegou a Portugal. “Ice Merchants” ficou pelo caminho, vencido pela produção de J.J. Abrams - “The Boy, the Mole, the Fox and the Horse”, de Peter Baynton e Charlie Mackesy - adaptação de um popular livro de Charlie Mackesy, com o selo BBC e Apple, cujos seus fragmentos tornaram-se virais no Tik Tok, um conjunto de elementos que reforçam esse néctar premiável, o lobby. Todavia, a animação de João Gonzalez é já um vencedor por direito, abriu uma “porta” que Portugal nunca estendeu a mão à sua maçaneta, e levou portugueses a falar e a interessarem-se por este sector (prestigiado em todo o Mundo com excepção … como é “óbvio" … no nosso país), e da imprensa, que durante anos se “borrifaram” para ela, puseram-se a dedicar dossiês especiais sobre a nossa produção de animação e dos seus ‘protagonistas’. A Animação tornou-se na ala maior do Cinema em Portugal, não só pela indicação, mas como esta serviu de tocha para que muitos se aventurassem na escura gruta da sua ignorância. Voltando aos prémios de “last night”, Brendan Fraser com o “boneco de ouro” empunhando deixou-me satisfeito, mais uma vez, constatando o “sonho americano” e as suas narrativas de superação e “comeback” a vingarem numa entrega que tanto poderia ser contada em forma de filme oscarizado, e que o diga Michelle Yeoh!

Mas do outro lado da premiação, a derrota figurada na decepção, Angela Bassett não se controlou, demonstrando esse ar infeliz (foi a melhor de “Wakanda Forever”, mas um prémio num filme dessa instância seria ingrato para a carreira de uma atriz que, certo dia, se “vestiu” a Tina Turner), ou “Tar” de Todd Field, obra sobre a nossa modernidade e contra o seu simplismo, de mãos vazias e sobretudo com Cate Blanchett, injustamente, fora da glória da noite. Não há Óscares para todos, muitos menos ‘sonhos’.

São mais que as mães ...

Hugo Gomes, 11.03.23

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Um caldeirão de possibilidades em jeito trocista e em modo “chico-esperto”, Daniel Scheinert e Daniel Kwan (a mesma dupla que fizeram Daniel Radcliffe de um canivete suiço humano em 2016, ou a “crazy party” do videoclipe “Turn Down for What” do DJ Snake) tinham tudo para falhar na imensidão do seu ridículo, porém, o filme, que resgata Michelle Yeoh dos intermináveis papéis-tipo de anciã de artes marciais que Hollywood a sequestrou, é um dedo médio esticado aos ensaios metafísicos que os extremamente sérios Nolan e Villeneuve executam com gosto. 

Mas não se deixem levar pelo seu absurdismo e pelas referências metalinguísticas, “Everything Everywhere All at Once” remete à nossa mortalidade, insignificante existência digamos, tratando-a com respeito, astúcia e sobretudo Humanidade. É filosofia açucarada multifacetada, entendida sem dissertações complicadas (acima de complexas), envergando-se por uma montagem frenética (hiperativa, sublinhamos), conectada ao seu espírito (multi)dimensional. Schrodinger, ou Lovecraft, meros peões neste falso-wuxia tecnológico maximiliano que repesca em “bom porto” aquilo onde “The One” (filme-tentativa com Jet Li, datado de 2001) exercitou. Aqui o ensaio deixado, insurge-se perante as “fuças” de uma vaga multidimensional ressonada nas estratégias mercantis em outras estâncias (cinema de super-heróis, estamos de olho em vocês), embora nas mãos dos Daniels [nome carinhoso] sabe a um uoque salteado e confraternizado para com a nossa mesquinhez humana. 

Porque se o observarmos de lado, o destino, essa onipresente temática no cinema norte-americano popular, não é mais que uma mera anedota, cruel piada contada aos “infelizes”. E assim seja, ditada como história infantil, paródia ao body horror, ou aspirante a Wong Kar-Wai em dó romanesco, disfarces e muitos para apaziguar a amargura de uma vida desencantada, austera, rodeada de sofrimento para quer que se vá. Para Evelyn (Yeoh), essa intrínseca “infelicidade” (talvez a existência é por si infeliz) manifesta-se das mais variadas fontes, do passado que nunca fora concretizado, ao presente arrependido, ao futuro incerto, de relações familiares perdidas, exaustas, fragmentadas. Ora, “Everything Everywhere All at Once” é “tudo e mais alguma coisa” na vida de uma mulher, quiçá a fantasia abraçada enquanto escapismo, ou o refúgio dos inconsolados perante a decadência do quotidiano. 

Há no núcleo desta parafernália sci-fi a mais identificadora das histórias, e nela, o seu alicerce emocional - entre pais e filhos, resulta a epifania, o macguffin, o conflito e a sua loucura, nela está origem e a solução. Talvez peque por ser demasiado longo, com isso ostentando a sua proeza criativa (“what the fuck ali” ou “what the fuck acolá”), mesmo assim, nada nos faz negar de facto estarmos perante de um sucessor de “Matrix” por direito. 

Aos cépticos quanto à “comparação” ou desaprovação da herança, basta relembrar a renúncia do qual a referida obra dos(as) Wachowski foi recebida em épocas da sua estreia - "filosófico, isto? Está tudo doido”. Não creio que a constatação seja imediata, isto leva anos a consagrar-se, mas para “Everything Everywhere All at Once”, o selo de Óscar (basta nomeações), revelou-se no seu “calcanhar de Aquiles”, colocando na berra um filme fora dos parâmetros “oscar bait”, com isto colocando-o à mercê dos "cinéfilos” temporariamente acordados, para que no final da cerimónia do Kodak Theater regressem aos seus sonos cíclicos Para quem vê o cinema numa só dimensão e não procura-o em outros “mundos paralelos”, este é definitivamente um filme a milhas deste discurso “oscarizado”. 

Amar os avós que não nos amam

Hugo Gomes, 10.03.23

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Rue de l'Estrapade (Jacques Becker, 1953)

“Não há muito tempo, estava eu a ver a “História Parisiense" [“Rue de l'Estrapade”], de Becker, na TV por cabo, e não conhecendo bem Jacques Becker, senti-me um pouco envergonhado, pois ele terá sido o único cineasta que, na altura da minha saída da infância, amou a juventude dos actores franceses de então, esses jovens como Daniel Gélin e Louis Jourdan ou Anne Vernon, que tinham tudo para ser os primeiros jovens a estrelar no pós-guerra. Pois, nada disso aconteceu. Não sei o que se passou, mas, dez anos depois, ainda antes da Nouvelle Vague, os cabeça-de-cartaz do cinema francês eram novamente os monstros sagrados de entre as guerras: Fernandel, Gabin, Fresnay, Brasseur, Noël-Noël. Portanto, o que o cinema francês estava a oferecer a uma criança francesa, como eu, eram os seus avós, o vovô e a vovó, decerto fantásticos, mas bastantes amargurados e anti-jovens. Era preciso amar a forma como eles não nos amavam!”

- Serge Daney entrevistado por Serge Toubiana  [Fevereiro, 1992], publicado sob o título "Perseverança" (edição portuguesa, com tradução de Luís Lima, publicado pela The Stone and the Plot)

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