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Wacko (Greydon Clark, 1982)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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Wacko (Greydon Clark, 1982)
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"Mal Viver" (João Canijo, 2023)
Convém declarar que no cinema de Canijo o processo acaba sempre por ser a atração dos seus projetos, e nele concentra-se uma ação performativa intensamente arrastada, seja nos atores e a sua maleabilidade para aquilo que chamamos de “realismo” (o nosso senso perante essas representações), ou por outra, pela construção de uma instalação visual, cénica e sonora.
No caso deste recortado “Mal Viver”, a sua característica nata encontra-se no segundo ponto, mais do que as possibilidades com que os seus atores (com muitas “caras” reconhecíveis do universo de Canijo por aqui) possam expressar. É a inteira percepção do realizador em elaborar um filme, arquitetonicamente falando, retalhado em diversas perspectivas (sendo que isso nos levará à outra face do díptico, mas já lá vamos). Assim, com “Mal Viver”, somos conduzidos a uma teia de dramas a ter lugar num hotel rústico, com enfoque na equipa que gerencia este mesmo espaço, esse abordado maioritariamente por vias de planos conjuntos, onde a ação é somente uma janela à escolha do freguês (literalmente e não-literalmente). O espectador assume então a posição de voyeur e é igualmente resistente face a não distrair-se do enredo principal, essa coluna vertebral conectando tudo o resto sem ordenar a sua execução linear.
João Canijo presta-se ao desafio, vislumbrando o seu mais Tati dos filmes, um objeto aglomerante de ações sob ações, e o procedimento dessas mesmas em grande ecrã, como os diálogos interpolados e independentes, são apenas sintomas dessas personagens em livre arbítrio, pelo menos a sensação dada, visto que o realizador é um realizador por inteiro, autocrata e onipresente (próximo da rigidez de Haneke). O espectador, porém, perde esse estatuto endeusado, convertendo-se num testemunho impotente e sem certezas absolutas, escolhendo a óptica que lhe enquadrar e nisso prescrever o seu próprio filme.
"Viver Mal" (João Canijo, 2023)
“Mal Viver” não se deleita nos corpos dos seus intérpretes (em território “canijiano” são escravos do seu método), é antes disso um filme-edificante, pensando e casuístico, cuja sua arquitetura se revelará ainda mais com “Viver Mal”, que ao contrário do filme-siamês, tende em controlar a perspetiva do espectador, ao invés de deixá-lo a “marinar” no ambiente. Desta feita, o enredo não é novo, já havia sido “descoberto” no filme anterior, e em modo loop é trabalhado com severidade na sua mimetização. Aqui, seguimos três histórias, três reservas, cada uma apresentando hóspedes presos aos seus respetivos pecados capitais ou crónicos bovarismos (“ah, o velho conto dos privilegiados encurralados nos seus ‘mundinhos’”).
Mais do que a matéria desenvolvida em “Mal Viver”, “Viver Mal” encanta-se com os seus atores, e ainda mais na dramaturgia emanada por eles, os seus corpos tornam-se devidas medidas temporais quanto à narrativa tríptica, expondo o esqueleto deste projeto, entretanto repartido em duas estâncias fílmicas. E a conexão sexual entre os demais, reluzentes atrativos para o “buraco na fechadura” que o então voyeur-espectador não deixará de espreitar. Tal como o referido, e estabelecido, filme anterior, “misturamo-nos” com a plebe, faminta por “conhecer” os traços das vidas animalescas e de excentricidades calcificadas dos passageiros residentes (o qual tão bem nos identificamos com a personagem de Cleia Almeida, a camareira que remexe os pertences dos hóspedes ou que se intervém nas suas trivialidades, uma fantasiadora do degrau que nunca irá “pisar”).
Contudo, é neste capítulo que presenciamos os desempenhos mais ferozes, seja uma Beatriz Batarda em modo “mommy dearest” ou uma Leonor Silveira, despojada vilã de novela, no desempenho mais desafiador da sua carreira nos últimos (e largos) anos. Poderão ser dois filmes desiguais, um mais cuidado que o outro, mas são provas da maratona que Canijo tem executado ao longo da sua carreira, da performance à idealização de um cinema prestigiado por diversos “pontos de fuga”.
"Magoamos a mãe?"
Fisicamente ...
Parir doi ...
Transforma."
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Jack Black em "School of Rock" (Richard Linklater, 2003)
Drew Barrymore em "Donnie Darko" (Richard Kelly, 2001)
Jerry Lewis em "The Nutty Professor (Jerry Lewis, 1963)
Jeremy Irons em "The Man Who Knew Infinity" (Matt Brown, 2015)
Russell Crowe em "A Beautiful Mind" (Ron Howard, 2001)
Sidney Poitier em "To Sir, with Love" (James Clavell, 1967)
Eddie Murphy em "The Nutty Professor" (Tom Shadyac, 1996)
Denzel Washington em "The Great Debaters" (Denzel Washington, 2007)
Ryan Gosling em "Half Nelson" (Ryan Fleck & Anna Boden, 2006)
Aamir Khan em "Taare Zameen Par" / "Like Stars on Earth" (Aamir Khan, 2007)
Adrien Brody em "Detachment" (Tony Kaye, 2011)
Tom Berenger em "The Substitute" (Robert Mandel, 1996)
Jürgen Vogel em "Die Welle" / "The Wave" (Dennis Gansel, 2008)
Michellle Pfeiffer em "Dangerous Minds" (John N. Smith, 1995)
Kevin Kline em "The Emperor's Club" (Michael Hoffman, 2002)
Robin Williams em "Dead Poets Society" (Peter Weir, 1989)
Leonie Benesch em "The Teacher's Lounge" (Ilker Çatak, 2023)
François Bégaudeau em "Entre les Murs" (Laurent Cantet, 2008)
Valerio Mastandrea em "La Mia Classe" (Daniele Gaglianone, 2013)
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Rien à Foutre (Julie Lecoustre & Emmanuel Marre, 2021)
A dupla Julie Lecoustre e Emmanuel Marre concretizaram um filme - a primeira longa-metragem com a sua assinatura conjunta - que pudesse consolidar um retrato, ora existencial, identitário e precário de uma geração. Focou-se então no universo das linhas aéreas, mais concretamente o serviço de bordo, as hospedeiras, ou as "aeromoças" (designação comum do outro lado do Atlântico).
Quem são? Para além de atravessar os corredores do avião de sorriso estampado e prontidão para servir os passageiros? Que pessoas são estas, cujas felicidades e tristezas das suas respectivas vidas são mascaradas por uma compostura de criadagem no alto-ar. Longe da fantasia que muitos alimentaram (e alimentam), o emprego de travessias intercontinentais se revela numa realidade bem diferente, uma instabilidade que resulta em solidão crónica, em bovarismos sem classe e um sentimento de futuro incerto, desmanchado por uma postura de indiferença. Não só de hospedagem aérea, mas sintoma geracional, “Rien à foutre” é um diálogo dessa mesma; geração rasca, cansada, limitada aos seus sonhos igualmente limitados e estandardizados.
Porém, o que poderia ser um exemplo de cinema-social, denunciante ou ativo, um fruto da sua contemporaneidade, é na sua concepção, uma obra pessoal e humana. No centro, está Cassandre, 26 anos, assistente de bordo numa companhia low-cost com a ambição de servir voos mais requintados, e porventura em direção ao Dubai. É o sonho do momento, talvez o único que se conscientizou de forma a decretar dissertação aos seus sentimentos de luto e do entranhado solipsismo que a tormenta. Cassandre, poderia confundir-se com a “multidão” farda e munidos de lenço amarelo prontos a bem-servir o passageiro, poderia, mas é Adèle Exarchopoulos que lhe dá vida, ou, por outra perspetiva, maneja os fios da marioneta que esta jovem se “emancipou”.
Atriz-criança que cresceu, estrela em constante ascensão desde a “ruptura” com Abdellatif Kechiche - o sempre controverso “La vie d'Adèle” (cada vez mais, adicionando a passagem dos anos) - Adèle poderá ter sido “prejudicada” por anos e anos de um falso arquétipo de “femme fatale”, e por isso tenha decidido “aventurar-se” em outros espaços aéreos. Em “Rien À Foutre" (“Zero Fuck Givens”), um slogan silenciosamente emaranhado, viva, por fim, o seu tão requisitado protagonismo.
Falei com alma do projeto em 2021, nos ecos da sua estreia do filme na Semana da Crítica, em Cannes.
O seu trabalho neste filme alterou de alguma forma a sua percepção em relação a este trabalho [assistente de bordo]?
Absolutamente! Mudou radicalmente. Confesso que em tempos fantasiava com este trabalho, mas após este filme apercebi da realidade precária e existencial em que estas pessoas vivem, das suas condições de trabalho e até mesmo o descompensador salário. Mas algo que tive a clareza de entender, é o quanto perdido muitas destas pessoas encontram-se, muitas delas eram capazes de fazer quatro voos por dia, logo as suas vidas pessoais se revelavam naufrágios ambulantes. Esta é a realidade.
Rien à Foutre (Julie Lecoustre & Emmanuel Marre, 2021)
“Rien À Foutre" passaria facilmente por um filme à moda de Ken Loach, porque esse “mundo” é mais que exploratório …
É pura exploração, não existe condição humana neste trabalho. Estas pessoas são seres humanos e pela nossa sociedade, geralmente, são vistas como peças robóticas, dispostas 100% a servir-nos.
Para além de um cenário precário envolvente à profissão, o filme o traduz numa espécie de código genético de uma geração. Existe uma sequência em que a nossa protagonista e algumas colegas suas são abordadas por um grupo de manifestantes que protestam por melhores condições salariais e de trabalho, demonstrando um choque entre os valores de diferentes faixas etárias.
É verdade, mas em certa maneira essa sequência realça o individualismo de uma geração que perdeu essas ideias coletivas, e que ao mesmo tempo acredita nelas, só que arranjou uma outra forma para alcançar os seus objetivos laborais. Entendo que a nossa geração seja considerada uma geração sacrificada, a viver num outro tipo de precariedade, projeção de vida e salários nada satisfatórios, e isso torna-nos desesperados em conseguir e manter um trabalho minimamente sustentável.
Outra sequência crucial no filme, demonstra um exercício de riso estendido que leva a sua personagem às lágrimas, dando a entender uma empatia fabricada e procedural nesta profissão. Não é o mesmo que o trabalho de atriz? Falsear algo para proteger um papel?
A hospedeira de bordo e o trabalho de atuação detém algumas práticas bastante semelhantes, incluindo colocação de uma "máscara social" que nos faz assumir uma outra coisa afastada da nossa verdadeira personalidade. É com graças a isto que as hospedeiras conseguem transmitir aquela sensação de falsa empatia e de servitude inesgotável. No caso específico da minha personagem, a ausência de uma mãe funciona como um fantasma que a vai corroendo porque ela encontra-se numa permanente negação para com esse luto, escondendo-se dele. E julgo que o universo da hospedeira de bordo entra nessa espécie de refúgio e evasão ao luto. Ela aposta nessa ilusão, nessa fantasia que persegue como uma falsa emancipação. No fim de contas, é somente uma rapariga que deseja ser abraçada.
E desejamos abraçá-la de facto. Aquela cena final, cuja fantasia está aparentemente concretizada, a Cassandre parece deparar com a sua própria condição - alguém sentimentalmente esgotada e só - enquanto está no luxo oásis que é o Dubai.
Nessa sequência, ela mergulha no seu sonho materialista, ela aponta a câmara para si, sendo que esse ato é um ato em que envia uma foto sua para o seu pai, a sua primeira partilha. Mas esse gesto também significa que aquele preciso momento revela-se no limite da sua fantasia, para ela não existe mais nada a concretizar. Também encontro nessa cena uma característica da nossa geração, apenas possível com o fácil acesso a esta tecnologia a qual chamamos smartphones, mais do que coletar memórias, criar uma fotografia como posição de status. Quando a minha personagem está-se a filmar para posteriormente enviar ao seu pai, não está somente a criar uma memória e partilhá-la, como também marcar-se naquele preciso momento, provar não só a sua existência, como a sua presença. Hoje em dia fotografamo-nos para marcar a nossa presença, não para recordar.
Rien à Foutre (Julie Lecoustre & Emmanuel Marre, 2021)
Mas essa efemeridade que a tecnologia nos providência não se encontra somente na nossa relação com a fotografia, como também nas relações em geral, no filme, por exemplo, a sua personagem utiliza aplicações de encontro de forma a atenuar a sua crónica solidão. Isso cria uma certa dependência, não?
Sim, tenho a noção dessa dependência, ou talvez seja facilidade que essas aplicações de encontros dissipam, de alguma forma, o compromisso e o engajo social dessas relações, o que também é contraditório visto que temos uma facilidade incrível de dizer “Amo-te”, por exemplo, logo não somos imunes a empenhar relacionamentos. Sinceramente, talvez devido à minha idade, não uso essas aplicações, não consigo conceber uma razão para usá-las, se fosse para algum lado e utiliza-se essa ferramenta para algo sentiria-me fracassada. Mas como disse, isso sou eu, que sou bastante tímida.
Oito anos passaram desde a “A Vida de Adéle”, o filme, que de certa maneira, a “descobriu”. Após todo este tempo, sob novas consciências e percepções na nossa sociedade, e olhando para o que atingiu e as controvérsias que o filme arrecadou, como se sente em relação à obra?
É complexo, porque sinto-me grata pelo filme, mas senti que nos anos seguintes o meu trabalho foi incompreendido. Até voltar a ter controlo na minha carreira, senti não ter acesso aos papéis que merecia, porque simplesmente viam em mim o tipo de atriz que não era, possivelmente condicionado à minha personagem de “A Vida de Adèle".
Falou-me que é tímida, mas depois de “A Vida de Adèle”, apresentou-se em papéis bastante arrojados. A Charlotte Gainsbourg disse numa entrevista que, na vida real, também era uma pessoa bastante tímida, e mesmo assim integrou projetos como “Antichrist” ou “Nymphomaniac”, no seu caso, como é que consegue-se expor, contrariando a sua referida timidez?
A diferença entre a minha vida real e o cinema, é que no cinema os espectadores projetam aquilo que acreditam que eu seja, só que não corresponde ao meu verdadeiro ser. Há uma ideia de que sou extrovertida com base nas minhas personagens, que tenho facilidade em expor-me daquela maneira, mas não sou. Na vida real sou tímida, bastante até, no Cinema consigo contrariar isso porque converto-me numa ideia do realizador. No fundo, os atores são isso, ideias e trabalhos de realizadores.
Como o trabalho de hospedagem aérea?
Absolutamente, como havia referido, existem muitas similaridades entre a atriz e a hospedeira de bordo, uma delas é a construção de um enigma, aquilo que deixamos transparecer, essa, “máscara social”. Ambas profissões são sintomas daquilo que a sociedade impõe que sejamos ou como comportamo-nos.
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Josephine Baker / Foto.: Studio Harcourt (1940)
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O cinema como confessionário, ou antes divã. Papel branco em jeito diarístico, tela como o mais fiel companheiro, a plataforma de partilha de sentimentos, pensamentos e anotações. Gesto, esse, que se tem sido sugerido como um caminho a percorrer a novas vozes ou a estágios de introspecção, e no panorama nacional, vemos uma normalização desse mesmo estado de “abertura” enquanto matéria fílmica. Para muitos uma tendência de tratar o cinema por “tu” e o espectador por “vocês”, para outros um tratado de ego, um narcisismo, a espreitadela contemplativa ao Espelho de Narciso.
Susana Nobre nunca negou que o seu cinema é feito de partilhas, de experiências e motivações concretamente trabalhadas em filme, condensadas e integradas num perpétuo movimento de procura e de redescoberta. Fez desse mote a sua partida observacional no programa das Novas Oportunidades [“Vida Activa”, 2014)”, para mais tarde espelhar as suas reflexões maternais [“Tempo Comum”, 2018] e pelo caminho debruçando em histórias de outros [“No Táxi do Jack”, 2021], Nobre nunca dedicou-se inteiramente a si, até porque sob a sua perspetiva o cinema é um mecanismo “díptico, uma pessoa que ouve, outra pessoa que fala, uma que interpela e outra que responde, num espaço completamente circunscrito”. Mas é aí que “Cidade Rabat” rompe a “tradição”. Confeccionado como a sua primeira longa de ficção assumida, a realizadora se esconde por trás do exercício narrativo para transformar memórias num afazer.
O exercício está à vista de todos, deitar-se no divã e abordar os seus fantasmas, o seu luto e trazer dessa sua experiência um deslumbramento para novos rumos, mais existencialistas que artísticos. Nessa feita, “Cidade Rabat” parte de um estado de autognose, uma rua lisboeta de igual designação ao do título nas Portas de Benfica, uma escadaria num prédio antigo, moradores singulares, piso a piso, até cedermos ao rés-do-chão, à figura maternal que aí habita (ou habitava), esse início de tudo. A voz de Susana - um espírito concentrado na figura de Raquel Castro, anterior enfermeira (esta informação dará luzes a um discreto e delicioso cameo em tom jocoso de "troca-de-papéis"), agora atriz - nos guia por essa viagem memorialista sem representação visual, é um trajeto imaginário em modo “Big Bang”, a génese, a origem das “coisas”, ou melhor o fim de todas elas.
Porque é através do luto que “Cidade Rabat” despoleta, metamorfoseia-se num retrato de dor (o verbo não é coincidência, o filme prossegue do mesmo ponto que “A Metamorfose dos Pássaros” de Catarina Vasconcelos, da ausência), numa terapia à mesma, porém, ao contrário do seu cinema não dá “ares” de partilha, remonta-se como uma demanda sua e só sua poderá se revelar. Porém, o exercício esgota na sua própria premissa, a veste fúnebre é intransponível, a realizadora fala para ela própria (com imagens sobre ela própria) enquanto despe a sua ficção de todas as suas vertentes fabulistas, ao espectador cabe entender o nojo, a negação, a deambulação e por fim, superação em forma de emancipação (muitos “ãos” aqui reunidos!). Com “Cidade Rabat”, uma “coisa” é certa, Susana Nobre é mais arregaçada em falar dos outros do que resumir-se a si própria.
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Black Orpheus / Órfeu Negro (Marcel Camus, 1959)
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Joan Crawford
Foto.: Ruth Harriet Louise (1928)
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Mario Martone no processo de edição de "Laggiù qualcuno mi ama” / “Somebody Down There Likes Me" (2013)
Para Mario Martone, de “pá na mão”, a justiça tem de ser feita: «Massimo deve ser celebrado e colocado à igual imagem de outros que conquistaram a sua luz por direito».
Assim nasce “Laggiù qualcuno mi ama” (“Somebody Down There Likes Me”, título internacional que soa contraponto a “Somebody Up There Likes Me” de Robert Wise), a revitalização do popular ator e realizador napolitano Massimo Troisi (1953-1994), que com 41 anos de idade e com um póstumo êxito a atravessar fronteiras - “Il Postino” de Michael Radford (recebendo a nomeação de Melhor Ator) - nos prematuramente deixou, porém, o documentário parte, não só da ideia de colheita e ostentação de uma carreira, como também, de uma prolongada tese, iluminando o percurso artístico deste “autor”, designação segundo Martone.
Massimo Troisi em "Ricomincio da tre" / "I’m Starting from Three" (Massimo Troisi, 1981)
Trata-se aqui de um objeto de fascínio, originando um empenho investigativo e de pensamento (compara-se Troisi a Antoine Doinel de Léaud, da sua "incapacidade existencialista de se integrar na sociedade”, e enquanto a sua face de realizador, a Truffaut, “a vida, o amor, e pouco mais”), reservando um lado académico na disposição informativa (a filmografia, da sua cronologia à leitura desta, dos seus gestos e a contextualização performativa), e um lado emocional como embate do legado Troisi ao seu impacto cultural (ou quiçá popular, como presenciamos no cinema ao ar livre, participado por um jovem e emotivo público), com recurso ao seu trajeto trágico (recusou tratamento cardíaco imediato por desejar fazer “Il Postino” com o seu “próprio coração”, segundo consta, faleceu 12 horas após o fim das filmagens).
Portanto, falar de “Laggiù qualcuno mi ama” é falar da nossa relação com o ator, interagir e aderir a este episódio de revisão e revitalização da sua memória, e com isto, subtilmente “destruindo” o mito da decadência do cinema italiano nos anos 80 e início de 90, coroando o ator, realizador e argumentista numa das mais importantes vozes como também impulsores de uma aderência popular a uma indústria que abandonava bruscamente a sua audiência.
Massimo Troisi em "Il Postino" (Michael Radford, 1995)
Talvez estejamos na altura de escutar atentamente Martone e “desenterrar” de uma vez por todas Massimo, o ator-máximo ou o realizador-mínimo, e colocá-lo de frente à luz do qual devido direito tem. Um encontro, ora umbiguista e cerebral, ora histórico e sentimental.
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Em tempos “reclamava-se” do facto dos filmes da Marvel serem formulaicos, agora são desorientados, sem rumo algum, é como se jogassem à “cabra-cega” sem a crucial parte de encontrar alguém.
Mas se fosse só isso, atiraríamos este “Ant-Man and the Wasp: Quantumania” para o balde de que muitos destes ‘blockbusters’ são feitos e passariamos à frente. O que se evidencia é que uma saga com esta longevidade precisa urgentemente de se reinventar, e como tal é a fadiga a tomar rédeas e conduzi-lo à catástrofe. Não refiro somente aos elementos narrativos ou das “surpresas encaixotadas” para atrair “adeptos e amantes” (e o stock já está a esgotar!), e sim, dos meios de produção (com orçamentos milionários e mesmo assim, nada impressiona, nem se beneficia enquanto espectáculo de sala), os efeitos especiais (contaminação de CGI, uma artificialidade que já não engana ninguém, nem mesmo uma criança de 5 anos), e os próprios atores servidos de “carne para canhão" (sublinha-se o esforço de Jonathan Majors, mas em vão).
Nesse último ponto, estranhamente, é esta franquia que ainda remexe um falso-senso de “star system” lá para os lados de Hollywood, um carreirismo em busca da fama rápida e efêmera que prejudica mais o futuro destas estrelas do que propriamente a sua salvaguarda. Basta perceber que após algumas “portas abertas” - o dispositivo do multiverso - só as personagens entranhadas dos comics vingam acima de quem as interpretam. Os atores deixaram de interessar para a equação.
Quanto a este terceiro “Ant-Man”, para além do obviamente mencionado, resume-se à refeita da velha tese de que “Hollywood só interessa produzir o mesmo filme e esse é o ‘The Birth of the Nation’”, porém, mudam-se os tempos, mudam-as vontades (até porque falar do filme do Griffith é preciso algum cuidado extra hoje em dia), é “Star Wars” que eles mais desejam reproduzir. Hollywood está há anos a replicar George Lucas!
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