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Reunion in France (Jules Dassin, 1942)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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É tido como facto, dentro de uma filmografia onde abateu nativos sem dó nem piedade em inúmeros westerns americanos (e não foi só pela lente de John Ford) ou vestiu a “pele” do guerreiro mongol Gengis Khan em “The Conqueror” (Dick Powell, 1956), que o filme que John Wayne mais se arrepende ter participado foi “Back to Bataan”, simplesmente por acreditar que o realizador do projeto, Edward Dmytryk, e o argumentista Ben Barzman eram “comunistas”. Na realidade ambos abriram expressamente esses ideais e um certo ateísmo ao ator e protagonista deste ensaio propagandístico bélico, o que indignou um republicano totalmente crente no sistema político-sociológico e financeiro dos EUA. “O que tens contra a América?”, havia perguntado Wayne ao realizador canadiano que atingiria o seu apogeu num relato de fim de relação em 1955 (“The End of the Affair”).
Existem dois pontos importantes a reter nesta experiência em Bataan, Filipinas, a primeira é que John Wayne foi uma figura central nas denúncias dos “blacklist”, onde realizadores, atores e outros eram ostracizados pelas suas ligações ao comunismo. O clamado “bicho-papão” pintado para servir de força antagónica a um cinema industrial que não só empregava uma arte narrativa sem igual como impregnava os ideais tidos americanos por esse mundo fora. O segundo ponto, é que Wayne ao contrário de muitos dos seus colegas (James Stewart, Clark Gable, etc), não colocou pé algum no campo de Guerra, antes disso, assumiu-se como reflexo de uma América resistente, pura e com justiça para dar e vender pelos vários continentes.
“Back to Bataan” não foge à regra dessa “propagandice”, é uma obra construída com os eventos que decorriam do outro lado do Oceano, com as Filipinas enquanto palco de batalha ao seu “mortal” inimigo, o Japão. Se havia exército a ser aniquilado pelos americanos no seu Cinema e em outros meios, esse era definitivamente os ao serviço do Imperador Hirohito, os “guerreiros do Sol Nascente”, cujas ambições de expansão territorial culminaram num alegado ataque surpresa à marinha de Pearl Harbor (em 1941). Tal evento levou a uma entrada repentina dos EUA na Segunda Guerra Mundial, já, entretanto, a decorrer e devastar a Europa ou vergá-la ao nazismo.
A partir desse marco histórico, imensa propaganda foi produzida para aludir o americano do seu inimigo, o nipónico pintado e descrito como “criatura” desumana, suicida, megalómana, conservando nela o que de mais nefasto havia no mundo atual. E através disso, com papel crucial, o Cinema, enquanto ferramenta de consciência, operou para esse recrutamento coletivo. Nessa dita descaracterização do japonês, encontramos um paralelo com o retrato do nativo, ou índio norte-americano, desde o primeiro momento em “Back to Bataan”. É na libertação dos americanos enclausurados em campos de prisioneiros japoneses, que se ouve os mesmos soldados de Hirohito bramindo gritos inaudíveis à semelhança dos guinchos impostos na representação dos “peles vermelhas” ao longo destes anos. Aproveitando a deixa, há que garantir, que não existe nenhuma palavra japonesa na metragem, é uma língua proibida ou melhor, desconhecida para aqueles que trabalharam no filme.
Tal como o desconhecimento perante o seu “némesis” do Pacifico, “Back to Bataan” é uma história inteiramente ficcional, contrariando as legendas que intermitentemente intervém para dar enfoque à realidade adaptada, ou pelos “sobreviventes” que desfilaram pós-créditos iniciais ou nas proximidades do derradeiro e garrafal “The End”. Os argumentistas tiveram com esse desafio, colocar em curso uma História em andamento, desde a saída do General MacArthur, passando pelas notícias e reportórios de uma resistência filipina perante um Império que deseja anexar o seu território. Este foi, sem dúvida, o resultado mais coerente em oposição à incoerência que o Mundo revelaria dia após dia. Mas fora desse pretexto bélico de proporções impressionáveis (John Wayne integra alguns dos stunts mais arriscados do cinema dos anos 40) ou da decisão inarrável de elencar um ator de raízes mexicanas, Anthony Quinn (“La Strada”, “Guns of Navarone”, “Zorba, The Greek”, “Last Action Hero”), como um “Messias” filipino, “Back to Bataan” é um recital de exaltações patriotas, mesmo ambientado no centro Indico.
O leitor poderá verificar isso ao longo do filme, como, por exemplo, o aproveitado provérbio na degustação de cigarros, com John Wayne acautelando a dor do seu companheiro de armas com tabaco filipino (“nativos e crus", assim são dirigidos), e mais tarde sendo recompensado com a genuína marca norte-americana (a felicidade na sua cara eleva-se às suas palavras de admiração). Como também, de forma mais escancarada, o professor filipino que recusa descer a bandeira dos EUA por ordem das tropas japonesas, que na cena anterior havia frisado a vontade dos americanos e agradecendo-os num discurso pujante à "liberdade ensinada pelos mesmos”, ou, finalizando, a personagem de Wayne referindo-se aos combatentes filipinos como “mais americanos” que ele. Como se pode verificar, ser “americano” ou agraciar a América é uma prova irrefutável de grandeza, o cinema de Hollywood durante e pós-guerra nos “ensinou” isso, e não há melhor instrutor para tais lições que John Wayne, o homem que vive da lenda cinematográfica que criou, no inegável herói branqueado pronto a defender a sua nação dos inimigos exteriores como interiores.
Por isso, seguindo uma certa tradição do Cinema, não só hollywoodesco, mas na sua globalização possível, e apropriando de um título mais consensual com o empenho de Wayne, esse western de sopro cansado, mas ofegante denominado “The Man Who Shot Liberty Valance” (John Ford, 1952) – “Se a lenda se torna facto, imprime-se a lenda” – neste caso, projeta-se o mito contra todas as incongruências. O herói é puramente americano, o resto aspira-se a sê-lo, e é desta forma que funciona a propaganda.
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As histórias de freiras “histéricas”, oferendas diabólicas à Santa Trindade, sempre alimentaram o imaginário da "Idade das trevas" medieval, mais tarde aproveitadas para fomentar um subgénero cinematográfico próprio, muito em voga os anos 70, o "nunsploitation". Mas “Benedetta”, com base num livro de Judith C. Brown, por sua vez inspirado em factos reais, é mais do que a exploração da sensualidade e depravação transmitida pelos hábitos das fiéis: esta é uma produção em permanente posição de ataque aos fundamentos da Igreja.
Se a ofensa é virtude, poderemos considerar que este filme é uma catapulta devastadora, até porque a sua heresia se dilui com uma atitude jocosa pela situação, pelas intrigas, pelas personagens e pela lascividade em símbolos religiosos. Esse efeito 'trash' é um retorno à sua natureza de um velho almirante destas águas, o holandês Paul Verhoeven, o anterior realizador de 'mau gosto' (“Robocop", “Basic Instinct”), agora autor emancipado e celebrado com as graças do Espírito Santo da reavaliação da revista Cahiers du Cinéma.
É nos trajes da Idade Média, no medo constante das chamas infernais e dos prazeres carnais, que o realizador assenta mais uma demanda pela fantasia feminina, uma procissão saída do seu elogiado filme “Elle” e em confronto com a onda de conservadorismo na nossa sociedade (e isso não é só culpa dos círculos religiosos). Contudo, é na marcha contra a Igreja que as trevas de “Benedetta” cercam com uma pecaminosa satisfação, com especial atenção aos estandartes do Cristianismo: mártir e martirologia são destroçados, banhados em humilhação e distorcidos em sacrilégios.
É a profanação representada no corpo de Virginie Efira, que depois disto se torna estrela feita até fora do território francês, e na inocência ambígua da belga Daphne Patakia (“Nimic”), que estão as grandes virtudes deste filme disparatado, provocador, astuto e, sobretudo, respeitoso à velha alma 'verhoeviana' do seu realizador.
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“Ri, e o mundo rirá contigo. Chora, e o mundo chorará contigo”. Foi com este provérbio que Dae-su (Choi Min-sik) sentiu-se acompanhado durante o seu misterioso enclausuramento durante 15 anos, sem nunca conhecer o local onde estava, o seu raptor e mesmo o motivo deste seu longo cativeiro. Esta frase, estampada num misterioso quadro, um dos poucos ornamentos de um apertado quarto que se transformaria, em quase mais de uma década, no seu mundo possível, tornou-se num hábito religioso e incentivo para uma vingança por concretizar.
Durante esta prisão, Dae-su treinou corpo e mente para um eventual encontro, um encontro que o próprio terá que “jogar”. Assumindo nova identidade, visto que perdera a sua mulher e filha durante a ausência, Dae-su cria uma ligação afetiva com uma jovem cozinheira de sushi que depressa vira cúmplice da sua jornada de sangue, ossos quebrados e revelações edipianas. Se existe filme que se aprontou como o apogeu do novo cinema sul-coreano que chamava atenção no Ocidente ou, pelo menos, se converteu num dos maiores representantes deste “movimento”, esse é definitivamente “Oldboy – Velho Amigo”, o segundo tomo da trilogia de vingança do realizador Park Chan-wook, a adaptação de uma manga japonesa de Garon Tsuchiya.
Eis uma obra feita por uma agressividade furtiva (e visceral, se contarmos a infame cena do polvo, onde quatro animais vivos foram sacrificados), em parelha com uma elegância virtuosa. E como aquela frase que persegue o protagonista e o espectador, a ótica faz a diferença na experiência, pois tanto vemos uma comédia negra com direito à sua trágica 'punchline', ou um 'thriller' de cadências obstinadas com gosto pelas revelações inesperadas. É com gosto que acompanhamos de forma operática este Conde de Monte Cristo sul-coreano, “martelado” (aqui no bom sentido) por uma veia radicalmente raivosa e calculadamente desenrascada.
Não há que negar que “Oldboy” nos brinda com a sua narrativa, o seu compasso de espera e a surpresa guardada e atada num jocoso laço. É esse desafio face ao conforto da convencionalidade narrativa, e também a possibilidade de vários géneros num só, que o cinema sul-coreano conseguiu implantar modas e cultos junto de um público que, durante tantos anos, o ignorou. Porém, nem tudo é serviço prestável ao entretenimento: o filme tende a entrar num campo de existencialidade coletiva, num exercício de separar as águas de um corpo violento e de impulsos animalescos (o “monstro” como várias vezes é mencionado), e uma mente refém das memórias de um passado turbulento e inconsequente. Há quem encontre neste traço um lado metafórico para o estado de uma nação que está disposta em seguir em frente, deixando para trás os conflitos e as consequências.
Convêm também afirmar que hoje ainda lidamos com as repercussões (e em variados ecrãs) deste triunfo artístico. O cinema sul-coreano não nasceu com este filme de Park Chan-wook, nada disso, mas foi graças ao seu sucesso, assim como o Grande Prémio de Júri atribuído no festival de Cannes pela comitiva de Quentin Tarantino (reza a lenda que este seria a genuína Palma de Ouro, não o documentário “Fahrenheit 9/11”, de Michael Moore), que se estabeleceu um parâmetro de comparação e, por sua vez, uma rivalidade saudável na produção sul-coreana, cuja vitalidade foi cobiçada a nível global.
Claro que os norte-americanos não entenderam isso e, dez anos depois, houve a refilmagem de Spike Lee, uma frouxa e fracassada tentativa de replicar a tal convencionalidade consistentemente abalroada pelo cinema sul-coreano.
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Emmanuel Mouret (“L’ Arte d’ Aimer”, “Un baiser s'il vous plaît”) não é nenhum achado, o seu cinema sempre esteve lá, nesse estilo 'rohmeriano' de filosofar sentimentos e estruturas relacionais. Mas com Eric Rohmer na mente (e no coração), muitos influenciados e imitadores têm surgido nos últimos anos, com vários apenas a manter a estética proverbial e a verborreia no mundano das situações e desventuras consequenciais.
Com isto, o leitor questionará o que de diferente poderemos encontrar neste “Les choses qu'on dit, les choses qu'on fait” / “As Coisas que Dizemos, As Coisas que Fazemos”? Digamos que, no cinema, como também na vida, o prazer das ‘coisas’ encontra-se nos seus detalhes e na sensibilidade com que o autor, com auxílio do espectador, tem com eles. Aqui, Mouret (re)descobre-se a si próprio num filme sobre afetos e sentimentos, ora romantizados, ora intelectualizados, daquilo que achamos ser o 'amor', socialmente encarado como tal.
Para a personagem central (Niels Schneider) deste rol de narrativas e peripécias rotineiras, nunca negando o seu quê de espetacularidade e caricatural, 'amor' é um acidente em cadeia que altera permanentemente a sua posição nos diferentes círculos (pessoas, profissionais e sociais), sem nunca se resolverem definitivamente (talvez seja mais por causa da cobardia dos seus protagonistas). Como tal, as retaliações são possibilidades, assim como o nascimento de novas paixões, consumadas e prometidas numa eternidade inexistente e apenas projetada.
“As Coisas que Dizemos, As Coisas que Fazemos” percorre por vias de palavras essas dúvidas supostamente existenciais das personagens, que se vão cruzando e entrelaçando umas com as outras através de relato e discursos. Está feito aqui um universo a merecer ser explorado, de felizes e tristes acasos, e de conflitos discretos, de ênfases dramáticas subtilmente embutidas nos gestos, nas carícias ou nos beijos trocados antevendo despedidas.
Sensibilidade é o que é aqui pedido, porque casos amorosos todos nós vivemos, nem que seja por um dia. Dentro dos tais ditos “filhos de Rohmer”, eis um filme que é, de facto, um pedaço de céu.
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Em 2017, surpreendido, defendi contra as muitas vozes opostas à genialidade de “First Reformed”. Na altura entreguei o peito às balas como garantia de apreciação a uma atípica obra de um argumentista que constantemente tenta-se demonstrar como cineasta que cujo resultado tem sido uma acumulação com projetos imprecisos (uns mais interessantes que outros, é um facto).
Após esse “sucesso”, chamemo-lo assim ao fenómeno que virou este ateu num crente epifânico, Paul Schrader recorre à sua vencedora fórmula com este “The Card Counter”, uma evidente citação e recitação do cinema com que ama e porventura ousa em invocar, é uma “mão segura” ao invés de uma arriscada aposta. Perante tal recolhi-me à minha própria angústia e inicio uma autoflagelação enquanto castigo de purificação dos pecados que cometi (diria à ingenuidade de ter acreditado na sua capacidade de seguir na frente de outras linguagens, formas e abordagens neste meio), Schrader voltou ao seu anterior estado, à construção somente envolto de filmes alicerçado à sua noção de “confortável”, piscando, friamente, os olhos à cinefilia (que partilha com outros) com confiante mimetização.
Em parte é “mais do mesmo”, a reconstrução do “Taxi Driver” por vias de equações e somas de diferentes partes como o “blackjack”, esse jogo que o protagonista (Oscar Isaac sobressai nisto tudo com um homem arrastado nas suas criadas profundezas) é rei, “baseado em eventos dependentes, o qual um passado significativo afeta as probabilidades do futuro”. Ou seja, andamos em círculos na criatividade de Schrader, que tinha boas probabilidades de sair-se Grande.
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Seja numa mesa de bilhar ou nos jardins meticulosos nos arredores da casa de campo [Sandringham House], uma obsessão simétrica kubrickiana é emanada ao serviço de uma atmosfera claustrofóbica e delirantemente impressionista (num acompanhamento de um improvisado jazz sem deriva alguma de Jonny Greenwood). Sendo assim, é pela estética, essa preocupação que transforma e coloca “Spencer” acima de 80% da definição generalizada de “biopic”.
Decorrido em vésperas natalícias, assim como as comemorações propriamente ditas, a segunda incursão da trilogia das cinebiografias projetadas pelo chileno Pablo Larraín é uma introspeção e análise à figura de Diana Frances Spencer, ao invés da esquematização da sua passageira vida (que como sabem tragicamente terminada antes do tempo). Curiosamente o filme não se lança na descoberta da personalidade para alheios, e sim pela autodescoberta desta mulher por ela própria, um conjunto de neuroses e dúvidas existenciais de um membro acidentado da Família Real e da instituição que tal representa. Kristen Stewart não se esconde em mímicas, não a vemos como um reflexo espelhado da Princesa de Gales, mas na emancipação de uma figura esperadamente rígida do seu meio, o naturalismo da atriz confronta com as idiossincrasias impostas pelo alienado ambiente da realeza.
Depois da “boneca” da realeza americana em “Jackie” (2016), com Natalie Portman a interpretar a Primeira Dama Jacqueline Kennedy no desfecho das suas funções, chega-nos esta Mrs. Dalloway em versão Coroa Britânica, cuja aventura dramática permanece escondida no olhar sofrido ou dos gestos calculados de Stewart enquanto Diana, das pérolas que a sufocam e os fantasmas que a visitam constantemente, desafiando-a no limiar da sua sanidade. “Spencer” sonha ser a moldura perfeita à “mulher mais amada”, porém, o argumento de Steven Knight não esconde a sua condescendência para com o bovarismo de Diana, e mesmo sendo nós arrastados para esse universo de autocomplacência, não é descabido sentir-nos enganados pelos seus garantidos privilégios. Mas a princesa do povo apenas desejava prazeres mundanos, nada mais, a diferença é que se fez um retrato estilizado sobre essas evasões.
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Após a experiência de ver "Eternals", conseguimos perceber a marca deixada por Chloé Zhao neste novo “épico por entre tempos” da Marvel e do seu Universo Cinematográfico sob a custódia da Disney: os cenários falam por si e está aqui aquela desolação imensa que reduz as personagens e os seus problemas a nada (e, ao mesmo tempo, a tanto) perante a dimensão do Mundo.
Mas a realizadora aqui é exatamente isso - estética - porque a identidade transparente de vários filmes que culminou no oscarizado “Nomadland” é traída pela força da máquina de produção Marvel. O espectro fica e engana-nos com a sensação de autoralidade inexistente. E nem se pode dizer que a culpa seja dela, mas antes do sistema de Hollywood em que surge inserida e a coloca como refém de uma empresa gigantesca e do seu projeto megalómano de fecundar e continuar um universo povoado de herois e vilões. Fora das lamentações autorais e artísticas, "Eternals" poderá ser aos olhos dos fãs um rebaixamento completo do Universo Marvel pois é um pastelão de duas horas e meia de personagens atiradas ao pontapé para conquistar um espaço que não lhes pertence.
Era uma aposta arriscada, mas não inglória, a de trazer à vida do cinema estas figuras secundárias e desconhecidas para muitos comuns dos mortais espectadores, apenas devidamente reconhecidas pelos fãs mais entranhados em tudo o que é Marvel. Para compensar, juntou-se um elenco estrelar, diversificado e aclamativo (Angelina Jolie a desafiar o seu “star power”) e a seguir segue o resto: os valores de produção, o CGI sem falhas aparentes, as sequências de ação movidas pela tecnologia que confirmam que tudo é agora possível, acrescidos da exaltação do romantismo e moralismo em vésperas do Armagedão. Portanto, "Eternals" é e não é um filme de Chloé Zhao. Eis um objeto convencional e convencido da sua complexidade (e vencido por ela), mas que constatamos com o tempo que é mais presunção no meio dos clichés de uma narrativa que praticamente se resume a "flashbacks" atrás de "flashbacks", tendo como brinde... mais "flashbacks".
Tudo isto é visualmente bonito? Sim, mas insuflado, automatizado e, pior de tudo, sem alma e sem personagens. Apenas uma "prova dos nove" para quem está habituado e se queixa do “mais do mesmo” da Marvel, aqui a testar a profunda devoção dos seus fãs.
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