O Mal condenado à repetição
Chi sei? / Beyond the Door (Ovidio G. Assonitis & Robert Barrett, 1974)
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Chi sei? / Beyond the Door (Ovidio G. Assonitis & Robert Barrett, 1974)
Mais para ler
“É terrorismo sim” avança Carlos Marighella para a objetiva do espectador, encaminhando o seu olhar diretamente para o nosso - uma quarta parede é quebrada - a partir daqui não existe mais dúvidas, “Marighella” [o filme] quer realmente dialogar connosco.
A obra de estreia do ator (que para muitos é já uma estrela do cinema brasileiro), Wagner Moura, na cadeira de realizador, é um manifesto, uma provocação, um gesto “sangue-na-guelra” onde tudo impresso e exposto não é meramente decorativo. Trazendo à luz da ficção o ativista e militante comunista Carlos Marighella (1911 – 1969), que optou pela luta armada contra o regime imposto pelo Golpe Militar de 1964, o filme tem menos de reconstituição de época e mais de exorcismo ao nosso presente, aliás, ao Brasil atual, embarcado em sombras, entidades e fantasmas que se julgavam desvanecidos pelo tempo. Figura controversa, desde o seu ativo até às lições de história envolto da sua aura, Marighella é um herói para muitos, um criminoso para outros, e como o filme frisa, para que não seja acusada de embelezamento, um terrorista, os meios indignos na prestação de um fim digno.
Se bem que Moura incita a discussão, o debate e a indignação com alvo nas alas mais conservadores com este thriller politizado e por vezes tendencioso no próprio retrato (o dito vilão, mesmo encarnado com afinco e delírio por Bruno Gagliasso, é um sádico imundo que não acredita na ideologia que defende), é na sua concretização que deparamos com um realizador feito. Algures entre o cinema guerrilha que o próprio autor inspirou na sua experiência durante a rodagem do famoso díptico “Tropa de Elite”, de câmara à mão e com gosto pelo deambulação em forma de travelling (como a sequência inicial do assalto ao comboio, onde, talvez por imaginação nossa, alguém solta a palavra “Bolsonaro” como cuspidela). É um trabalho cheio, dedicado e costurado de maneira a conseguir, mais que tudo, humanizar um ícone (para o bem ou para o mal), adquirindo novo fôlego pela voz aveludada do cantautor Seu Jorge.
Contudo, e sabendo que o Cinema é por vezes ideias, e um filme funciona como emissão dessas, “Marighella” sofre de um mal que muitos dos seus congéneres brasileiros evitam ceder (“Bacurau”, por exemplo, contornou por vias da sua distopia), o apelo à militância, a uma força revolucionária contra um regime que se prolonga neste século e que hoje está à vista de todos. É ideologia contra ideologia, um drama ao serviço do seu propagandismo. E bem que sabemos, perante esta radicalização que nos atinge, é que “Marighella” não irá conquistar novos apoiantes, mas é, sem dúvida alguma, das produções mais corajosas e ambiciosas que o Brasil já produziu no período pós-impeachment. Sim, corajoso, julgo que é esse o adjetivo mais que acertado para este caso.
Mais para ler
Jason Statham, action man como bem conhecemos revisita o velho “bastard” Guy Ritchie, supostamente amadurecido, resultando num típico filme de vingança de proporções desejosamente bíblicos. Estilizado e virtuoso tecnicamente, eis o conto de violência citadina, continuamente rude e másculo, que se disfarça de mero ensaio de ação para ambicionar os “céus”. Pena, que por dentro dessa sua modesta proposta exista uma intenção de confundir o espectador, e inconsequentemente, tornando-se quase condescendente para com este. Fora isso, é capaz de ser a melhor ‘coisa’ que Ritchie tocou em valentes anos.
Mais para ler
“Straight Outta Compton”, “Harriet”, “Sorry to Bother You”, “Hustle & Flow” e agora “Judas and the Black Messiah”, o que há em comum nestes filmes além de serem apelidados de "filmes de negros"?
A resposta é bem simples: não estrearam (nem hipótese tiveram) nos cinemas portugueses. E no caso do último exemplar, pelos vistos o facto de ter conseguido 6 nomeações, incluindo a de Melhor Filme, e ter conquistado duas estatuetas (a de Melhor Ator Secundário para Daniel Kaluuya) não foram o suficiente para lhe garantir espaço nas nossas salas, condenado a ser despachado para o “videoclube”, ou seja, um nicho constrangedor. O que indigna nisto tudo, é que existe um padrão e quiçá, um racismo sistémico com disfarces de capitalismo. Seja as majors mães que “comandam” estas produções, seja as nossas representantes, uma coisa é certa, há que questionar e acabar com as persistentes “tradições”, essas que nos garantem filmes de teor direct-to-video nas salas e que colocam para VOD (nem streaming é) obras que mereciam um pouco mais de respeito e risco.
Tendo conhecimento das existências de taxas de publicidade requerida para estes filmes, e o historial de más bilheteiras em território português (assim nos fazem acreditar), é também incompreensível que uma das nossas principais distribuidoras – NOS – que declarou nos “Encontros de Cinema Português” de 2020, que, mesmo em contexto pandémico (onde os hábitos de consumos dos espectadores alteraram drasticamente), iriam continuar apostar em “filmes para millennials”, e entendendo nós que são essas novas gerações (o seu suposto “publico-alvo”) que mais preocupados estão com as questões de representação e diversidade. Por isso, abram os “cordões às bolsas” e soltam os “filmes de negros” nas nossas salas.
Isto tudo para avisar, com alguma tristeza, que o filme de Shaka King [“Judas and the Black Messiah”] encontra-se disponível em VOD.
Deixo ainda como leitura o artigo de Rui Pedro Tendinha no Diário de Notícias - https://www.dn.pt/cultura/o-filmes-dos-oscares-que-portugal-nao-quis-estrear-13695773.html
Mais para ler
Mais para ler
Quando a Pandemia ameaçou as salas de cinema, espalhando o pânico e o medo de regressar à sua devida “normalidade” (rituais quotidianos era substituídos por outros), a grande indústria – Hollywood – depositava crença em Christopher Nolan, o seu São Sebastião, para demover os espectadores a “migrar” para o seu habitat natural. O filme – “Tenet” – não era o herói que necessitávamos, nem o que acabaríamos eventualmente por pedir, arrecadando mais de 300 milhões em todo o mundo, uma quantia insuficiente tendo em conta os custos da sua produção.
Esta receção levou com que outros estúdios adiassem, ainda mais, as suas apostas milionárias e noutros casos, como a Disney, “espetassem” as suas antecipadas produções nas plataformas de streaming. Perante a “má figura” feita por “Tenet”, a Warner Bros tomou uma decisão pecaminosa de estrear os seus blockbusters num modelo simultâneo, em sala e streaming [HBO Max], um pacote que incluiria as chamativas adaptações da DC, a nova autoria de Clint Eastwood [“Cry Macho”] e um combate colossal em CGI intitulado de “Godzilla Vs. Kong”.
Ironicamente seria a “macacada total” do “rematch” de 1963 (“King Kong vs. Godzilla”, de Ishirô Honda e Tom Montgomery) a colocar alguma esperança no retorno das salas de projeção, somando até à data mais de 415 milhões dólares em todo o Mundo (incluindo um valor agradável em território chinês o que por si só deixou executivos de Hollywood felizes). Se é certo que o trabalho de tarefeiro de Adam Wingard (realizador o qual tecíamos alguma atenção desde os seus bem esgalhados ensaios de género - “You’re Next” e “The Guest”) oferece-nos somente aquilo que nos havia prometido – o mundo como ringue de boxe para duas criaturas tecnológicas – é de temer que seja objetos primários como estes a reconquistar o público na sua retoma aos cinemas em resiliência.
Será que o cinema-espetáculo está confinado à anorexia CGI, onde um símio gigantesco detém mais Humanidade do que as suas passageiras personagens humanas e de um guião, que apesar de ter sido escrito por mais que dois argumentistas, é de uma infantilidade atroz? Para muitos, a resposta concentra-se na somente definição de “blockbuster”, o divertimento para massas que em certa parte toma a crítica como refém (há que cativar a indústria ao invés de refletir sobre as mudanças de “consumo” do qual estamos a testemunhar). Mas essas desculpas baratas e padronizadas não são suficientes.
Se em época de streamings e as suas respetivas produções em massa, o espectador caseiro tem-se tornado cada vez mais exigente e paliativo, porquê em grande tela restringirmos ao efeito visual, ao pirotécnico e à linguagem básica que envergonha qualquer guionista? “Godzilla vs. Kong” pode ser um sucesso improvável em momentos necessários, mas nós merecemos mais e melhor.
Mais para ler