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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O autor em Zack Snyder ou apenas blasfémia?

Hugo Gomes, 27.03.21

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Por entre os textos, grande parte deles funcionando como reunião de tags e palavras-chaves, existiu um que captou de imediato a minha atenção. Pertencente a Matt Zoller Seitz do site Roger Ebert, a crítica menciona “Sátántangó” (“O Tango de Satanás”, 1994), do cineasta húngaro Béla Tarr, em consolidação com “Zack Snyder’s Justice League”. À primeira vista soa-nos como uma comparação ridícula, ou de um arrojo quase alucinado, mas, ao refletir, apercebemo-nos que existe uma razão para esse paralelismo. Aliás duas!

O ponto fulcral é a perpetuação e extensão de uma estética, no caso do filme de Tarr, sete horas maioritariamente divididas entre as maleabilidades temporais e os longos travellings sob esse mesmo serviço, e no cinema heróico e pipoqueiro de Snyder, uma liberdade na invocação da sua reconhecida personalidade, que vai desde o slow-motion interveniente na ação ou a câmara (por vezes falta dela para um trabalho tecnológico) que balança em pequenos e variados planos-sequências, exercidas como artifícios de exibição e não ao serviço da narrativa. Chegando ao segundo ponto, a referência do autor e a imposição desse mesmo estatuto. Sendo inegável o cariz autoral de Béla Tarr, é no caso de Zack Snyder que a situação se torna num “pau de dois bicos”.

O que significa ser autor nos dias de hoje? Há (mais) duas definições claras nesse aspecto; um cinema que se opõe às convenções da indústria ou mimetização de territórios autorais já citados, ou a plena consciência de uma assinatura reconhecível numa obra que se revê em relação ao resto da filmografia. Zack Snyder é evidentemente um autor no segundo caso, da mesma forma que Hitchcock fora reconhecido pelo Cahiers du Cinéma como tal, e como bem sabemos, o “mestre do suspense” sempre andou de mão dada com a indústria hollywoodesca.

Quanto ao realizador de “Justice League”, produção de milhões e com base numa igualmente milionária linha de banda-desenhada, esta demanda para entregar aos seus “fãs” o filme que 2017 poderíamos ter vislumbrado (se não fosse a tragédia a bater à sua porta, mais os conflitos de um estúdio de “mãos atadas” e dois realizadores contrastados) resultou num incentivo à sua própria liberdade criativa. A Snyder foi-lhe dado esse espaço, mais 70 milhões de dólares para completar e aprimorar o seu trabalho que a Warner bem interessava, quer para alimentar os ávidos adeptos dessa “bobine ocultada” ou para preencher o catálogo do seu serviço de streaming. O que o estúdio, involuntariamente, não se apercebeu é que essa mesma atitude garantiu a Snyder o seu estatuto de autor, mais do que se poderia imaginar (equiparando-o a outros “autores” por direito a operar nessa mesma major, como Clint Eastwood ou Christopher Nolan).

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A esta altura, o leitor deverá estar a abanar a cabeça com ar de reprovação em relação a este “escriba”. Zack Snyder um autor? Está doido! Mas vejamos, quem ama e quem odeia Zack Snyder o manifesta pelas iguais razões, o que muda é a conotação dessa relação. A estética, algo empestado do universo do consumo (videojogos, comics e videoclipes), que vem desde o achado plastificado de “300”, em 2007, conectando-o em quase tudo o que Snyder “toca” (até mesmo a sua animação “Legend of the Guardians: The Owls of Ga'Hoole”, em 2010, partilhava esses tiques e maneirismos). Acrescentar ainda o seu próprio fascínio pela teologia diluída nestas “cavalgadas heróicas” (há um simbolismo cristão nesta sua trilogia ao serviço da DC, principalmente no percurso do seu Super-Homem tão carregado em paralelismos com Cristo) ou a martirológia correspondente no tratamento destes assumidos heróis (Snyder aborda estas personagens como eles fizessem duma atípica bíblia).

São “dedadas”, e muitas, aquelas que assentamos, nestes ditos blockbusters. E agora, seguimos para o outro “bico” deste “pau”. O facto de reconhecermos Snyder como um autor, não valida um atestado de imaculabilidade crítica, aliás, como defendia o crítico André Bazin no engessamento da sua teoria da Política dos Autores – “Claro que podemos aceitar a permanência do talento sem a confundirmos com uma espécie de infalibilidade artística ou imunidade ao erro, que só podem ser atributos divinos“. Faço destas palavras o meu pensamento, Snyder está longe do “toque de Midas”, mas é ao reconhecer essa sua marca autoral que encaramos este seu “Justice League” como uma peça aparte do dito cinema de super-heróis.

Crime (e) Sonsa Investigação

Hugo Gomes, 26.03.21

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Los Angeles, ou como é abreviado de L.A., não se resume apenas ao Sol, ao glamour vindo dos cantos de Hollywood nem mesmo a Beverly Hills, também possui um característico fedor de crime. Nefastos e insolucionáveis crimes. “City of Lies” é um desses “contos”, nascidos e criados num dos importantes berços do film noir, o teor detetivesco aí reconhecido, mas longe das convenções do subgénero, hoje morto, e submetido às mais diferentes desconstruções e reinvenções, chegando a um episódio policial que não desgruda do seu fascínio pelo mistério (de quem deseja reviver o “whodunnit” sem fim à vista).

Pegando no homicídio do rapper Notorious B.I.G (alvejado em 1997), ou Christopher Wallace (como o nosso protagonista – Russell Poole – vivido por Johnny Depp o refere unicamente), “City of Lies” se expõe no exercício semi-conspirativo, tentando montar e desmontar um “crime real” ao serviço da ficção, assim como fizera Oliver Stone (com o presidente John F. Kennedy em “JFK”, 1991), David Fincher (no serial-killer, nunca capturado, “Zodiac” no homónimo filme de 2007) e Brian De Palma (o mistério dos mistérios na fachada Hollywood com “A Dália Negra”, 2006). E tal como os exemplares referidos (uns mais que outros), a tendência é eles próprios embarcarem numa investigação paralela, criando convicções nas suas próprias conclusões.

O filme, assinado por Brad Furman (“The Lincoln Lawyer: Cliente de Risco”), extirpa essa mesma certeza dos escritos do jornalista Randall Sullivan (com base no seu livro não-ficcional – “Labyrinth” – em 2002) e por aí se apoia, criando um enredo labiríntico em modo de confissão entre o detetive afastado – Poole – e um jornalista intrometido e determinado – Jack Jackson (Forest Whitaker). Porém, o diálogo entre as duas figuras leva-nos ao velho dispositivo dos flashbacks, contaminando o enredo e aprofundando ainda mais o tom difuso na sua narrativa. Se essa confusão aparente solicita o acompanhamento do espectador, é na potencial emancipação, o qual nunca se faz chegar, que o filme desmorona-se.

As pontas soltas neste caso de nós nunca ascende à sua sugestão, tudo rotineiro, igualmente cheio de si e castrador para com o seu próprio ambiente (Los Angeles é filmada por um “canudo”). Aliás, há uma vontade no conto e reconto na cadência de um depoimento. “City of Lies” não atinge o seu clímax (aristotélicamente falando), o que sobra são meros detalhes de investigação. E se por um lado adquirimos com isto um alicerce à nossa investigação caseira quanto ao carrasco de “Biggie”, por outro perdemos o fôlego do policial à americana. É que Furman não se encontra interessado em abraçar a herança do noir, nem mesmo em procede-lo a uma suposta desconstrução.

Resume-se a uma linguagem televisiva, morna e passiva para com o seu material. E é só.

Fica o convite para a viagem pelo Cinema de Tavernier

Hugo Gomes, 25.03.21

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Mais do que um somente realizador, Bertrand Tavernier (1941 - 2021) foi, acima de tudo, um pensador. Alguém que interagia e compreendia a sua relação com o cinema, e em particular o francês. Obviamente que não podemos deixar de referir “Voyage à Travers le Cinéma Français” (2016), a sua hercúlea e enciclopédica tarefa de salientar, recuperar e resgatar filmes hoje menosprezados devido à influência das vanguardas onipresentes, como também não podemos ignorar o seu percurso na atividade propriamente dita. Assim, viajando em conjunto com Tavernier, seguimos no sabor das alegorias da televisão mórbida e da sociedade obcecada pelo macabro em “Death Watch” (“La Mort en Direct”), ou em cumplicidade com Robert Parrish perseguimos o espirito musical que se instalou nos arredores dos Everglades em “Mississippi Blues”, caminhamos a favor de uma bucolismo quase renoireano em “Un Dimanche à la Campagne” ou mais recentemente perdemos no encanto de Mélanie Thierry em "La Princesse de Montpensier". Para Tavernier a viagem chegou ao fim, mas para o Cinema nem a meio percurso vai.

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La Princesse de Montpensier (2010)

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Un Dimanche à la Campagne (1984)

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Mississippi Blues (1983)

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"Death Watch" /La Mort en Direct(1980)

George Segal: um convidado que ninguém quer!

Hugo Gomes, 24.03.21

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Invitation to a Gunfighter (Richard Wilson, 1964)

George Segal estava em “maus lençóis”, quando aquela cidade vil e corrupta contrata um excêntrico e reputado pistoleiro de nome Jules Gaspard d'Estaing (Yul Brynner), a partir daí o, na altura, jovem tentaria a todo o custo desencontrar-se do seu eventual carrasco. O westernInvitation to a Gunfighter”, que porventura passava há uns meses nesses canais televisivos especializados em filmes, foi possivelmente o último momento cinematográfico em que coloquei os olhos em Segal, ator que nos deixa hoje aos 87. Apesar de “condenado” a viver o papel de alegre viúvo na série “The Goldberg” (um deleite para a minha fraqueza com sitcoms), Segal era um convidado humorado e por vezes incomodo em outras aventuras de cinema como, a mais célebre das suas participações, no caos matrimonial “Who's Afraid of Virginia Woolf?” de Mike Nichols, ou tendo Jane Fonda como parceiro do crime na primeira versão de “Fun with Dick and Jane”. A registar como epítese, as reuniões com Robert Altman, Paul Mazursky, Peter Yates, Roger Corman e Stanley Kramer.

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Who's Afraid of Virginia Woolf? (Mike Nichols, 1966)

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Fun with Dick and Jane (Ted Kotcheff, 1977)

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Blume in Love (Paul Mazursky, 1973)

O segredo está dentro do plano e nunca fora dele

Hugo Gomes, 22.03.21

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Eles tem um plano, o filme também o tem, que se resume seguir à risca todos os “rodriguinhos” do seu género, sem sair da sua trajetória, porque é dentro desta mesma que se encontra … o tal golpe.

The Vault”, produção espanhola a fazer-se de cinema globalizado e hollywoodesco, no espírito dos êxitos em forma de seriado (“La Casa de Papel”), é um heist movie (filme de golpe) como manda a lei da sapatilha, onde um grupo de “iluminados” estão a postos para “assaltar” o “cofre mais seguro do Mundo” (frase-cliché que ouvimos vezes sem conta neste mesmo território). Pois é, para seguirmos as pisadas sem arrojo estão cinco argumentistas … repito, cinco argumentistas! Um quinteto reunido para entregar um cadernos de encargos a Jaume Balagueró, realizador que atribuiu um temporário fôlego ao tão limitado estilo do found footage (“[REC]”, 2007), e que aqui serpenteia por uma direção mecanizada a suspirar por grande espetáculo. Ou seja, tudo “cheira” a trabalho eficiente e de auto-congratulação, automatizado e fiel às suas próprias etapas.

Não há muito mais para dizer. Testemunhamos um amontoado de técnicos, das mais variadas áreas, em esforço para gerar um lugar-comum dentro dos lugares-comuns. Enquanto isso, um elenco algo reciclado e aparentemente desinteressado em “rechear” as suas personagens (pelos vistos cinco argumentistas deram meros bonecos … o que é que se há de fazer?) ficam encarregues de assumir responsabilidades pela variação. Em óbvio “destaque” está o equívoco de “cabeça-de-cartaz”, Freddie Highmore, aquele reconhecido ator-criança (“Charlie and the Chocolate Factory”, “Finding Neverland”) que porventura cresceu e se celebrizou na televisão com alguns êxitos (“The Good Doctor”), vivendo atualmente na ânsia de regressar ao grande ecrã. Infelizmente, não encontrará tal palco em “The Vault”, e pelos vistos se apercebeu a tempo, demonstrando (mais em comparação aos outros) um maior desapego pelo material.

No final, ainda há espaço para sequela … talvez diga isto de um jeito trocista (mas é o “estado das coisas”), que possivelmente para a próxima vez sejam precisos o dobro dos argumentistas. Não sabemos ao certo, porque o evidente é isto diluir com tantos outros do seu subgénero. Nunca tantos fizeram tão pouco!

A Liga pela Justiça de Zack Snyder

Hugo Gomes, 17.03.21

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Quatro horas prezando os termos e condições de muitas séries e minisséries em abundância nessas plataformas de streaming, “Zack Snyder’s Justice League” poderá ser o mesmo filme que aquela estreia de 2017 (a nível argumentativo e narrativo), porém, é um objeto à imagem do seu criador. E se isso vale alguma coisa na industrialização frenética desta Hollywood tecnológica. Contudo, não há premonição de quem até à data rejeitou o estilo, o aceite (desta vez) de braços abertos, mas não há que negar que exista aqui espírito e carinho por estas personagens (até mesmo o embaraçoso vilão da versão cinematográfica recebeu um upgrade de personalidade), paciência no enredo (não refiro apenas à duração, e sim à sua postura ocasionalmente contemplativa) e um gesto autoral sempre presente em todo este percurso. Por vezes, sentimos o peso da ruminação da trama (nomeadamente o epilogo criado) … meros caprichos … porque este “Justice League” é sobretudo a dominância da estética … uma estética bem familiar.

'Non' ou Vã Glória de Salvar o "Cinema Português"

Hugo Gomes, 14.03.21

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Fade to Nothing (Pedro Maia, 2017)

Recordo vagamente de um diálogo à saída de uma das sessões da 14ª edição do Indielisboa. Estávamos em 2017 e o filme em causa era o ensaio visual e sonoro “Fade to Nothing”, a estreia de Pedro Maia no universo da longa-metragem, com a participação do artista musical Paulo Furtado, ou como é renomado de The Legendary Tigerman. A conversa em questão surgiu devido a uma certa indiferença por parte de quem debatia comigo quanto à experiência, finalizando com uma pergunta sem resposta alguma para devolver – “É este filme que salvará o Cinema Português?”.

Há muito, mas muito, quase como uma cruz pelo qual arrastamos praça adentro, discute-se um eventual “salvamento” do nosso cinema. Para satisfazer os prazeres da carne, ou entretenimento, como muitos defendem, ou por fim, restaurar uma ligação emocional com o perdido espectador que depara com uma instituição demasiado hermética e umbiguista. Conforme seja a causa trazida, uma ‘coisa’ é certa, todos nós esperamos por uma entidade sebastiana, aquele que irá romper o nevoeiro com a finalidade de colocar a nossa cinematografia no mapa. Enquanto essa figura messiânica não chega, arrecado com uma certeza, o cinema português não precisa de ser salvo, além disso, o que precisará, é de uns certos ajustes. Diria mais, localizados, mas isso são “outros cinco tostões”.

Em conversa com Rui Alves de Sousa no seu podcast À Beira do Abismo, reforcei o meu amor pelo cinema português, o “cinema que mais amo, porque é o meu”. Talvez um sentimento algo familiar nasce em mim no que refere a defender este universo, até mesmo durante os seus expositivos fracassos. Mas o cinema português é o meu maior interesse no que refere a cinematografias, é o nosso mundo, e é aquele que mais dialoga ou partilha o nosso espírito identitário, mesmo que muitos do espectadores não o revejam, esse é o Cinema que nos acompanha, que nos faz discutir com os nossos “eus” enquanto nação (para o bem ou para o mal).

Mas o cinema português não fala do real Portugal.” Muitos argumentarão desta maneira. Contudo, o que é o real Portugal? O Portugal rural? Esse, sempre presente em muitos dos nossos ensaios documentais, etnográficos ou memorialistas que buscam esses biótopos desgastados pela decadência e os fluxos migratórios dos mais jovens para as metrópoles. Portugal cosmopolita? Lisboa que sempre foi o focus de atenção nas nossas lentes e o Porto que serviu de berço à nossa atividade cinematográfica. Mas afinal, qual Portugal estamos nós a falar ao certo?

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Sangue do meu Sangue (João Canijo, 2011)

Então os problemas do nosso país? O nosso cinema só quer saber de artistas e lirismo.” Se o distanciamento pode ser traduzido por isso, então há uma novidade para vocês – a ordem natural (novos realizadores, novos olhares) que tem apostado cada vez mais em temas raros na nossa cinematografia, e porque não, de cariz social. Abordamos a austeridade num prisma humano e por via de uma narrativa centrada no realismo encenado (“São Jorge” de Marco Martins ou “Sangue do meu Sangue” de João Canijo, dois exemplos que me vem automaticamente à mente), um constante interesse pela descolonização e no tabu que sempre fora a Guerra do Ultramar (“Mosquito” de João Nuno Pinto, “As Cartas da Guerra” de Ivo M. Ferreira, "Our Madness", de João Viana), ou as vozes silenciadas do nosso “querido” Portugal a conseguir o seu palco, por fim (“O Fim do Mundo”, de Basil da Cunha, “Vitalina Varela”, de Pedro Costa).

Mas o cinema português não consegue ser político?" O “ser político” é um terreno mais que pantanoso, as tão acarinhadas comédias portuguesas “estreladas” por Vasco Santana e António Silva eram por natureza materiais politizados (com o seu quê evidente de propagandismo), e na década de 50, Manuel Guimarães trouxe à nossa atividade o neorrealismo (que por si é uma estética politizada) e assim adiante o Cinema Novo (sem falar da vaga militante pós-25 de Abril), ou até mesmo João César Monteiro, que não escondia as suas ideologias (“Sou um intelectual de esquerda”). Na nossa contemporaneidade, quase tudo o que é produzido é formado por gestos políticos, de Miguel Gomes a Teresa Villaverde, de Pedro Pinho a Welket Bungué, de Cláudia Varejão a João Botelho. E se o problema é o ponteiro da rosa-dos-ventos estar direcionada exclusivamente à esquerda, então fica o registo de “Snu” de Patrícia Sequeira ou “Camarate” de Luís Filipe Rocha.

Mas é um cinema demasiado intimista. O cinema português deveria exaltar os nossos grandes heróis”. Mesmo sob uma tremenda estigmatização, não poderemos acusar de Manoel de Oliveira invocar os “bens preciosos” da nossa História, onde até mesmo as derrotas são fruto de inveja entre nações (“'Non', ou A Vã Glória de Mandar”). Como estafetas de tal legado, João Botelho encontrou nos últimos anos, um propósito em consolidar o cinema com a divulgação de trabalhos literários, ou Francisco Manso a tentativa de reafirmar o “filme de época” numa “indústria” de baixos recursos. Enquanto isso, o êxito de “Variações”, projeto de longa data e resistência de João Maia, abriu portas para uma eventual vaga biográfica e musical – “Bem Bom", de Patrícia Sequeira, está na fila para persistir no estilo produtivo.

“Porque é um cinema ‘velho’, não fala com, nem para os jovens”. Como assim? Pedro Cabeleira estreava em Locarno de 2017 com o esteticamente febril “Verão Danado”, um retalho de jovem mal amparados que vivem a noite como não houvesse amanhã, da mesma maneira que Mariana Gaivão exibia a rebeldia numa caverna (uma imagem marcante em “Ruby”), ou o cinema energeticamente pop de “Leviano” de Justin Amorim. Entre outros, basta olhar para as curtas vindas de sangue novo, aquele sangue na guelra que tanto o cinema português deseja e muito bem.

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'Non', ou A Vã Glória de Mandar (Manoel de Oliveira, 1990)

Sim, e antes que perguntem em relação novos géneros, simplesmente deixa acontecer, temos experiências, umas satisfatórias, outras … bem, tentou-se. O tempo é uma ferramenta útil para essa dita diversidade, basta só aguardar. Calmamente …

Quanto ao leitor, a esta altura deverá estar ele próprio a questionar – “então e esses ajustes?”. Se o cinema português precisa de um ajuste, esse seria o de não ser pequeno, ou de pensar como tal. Sabendo que este meio é um nicho que tropeça constante uns nos outros, o refugiarmos na nossa pequenez (um vício tão português) leva-nos automaticamente aos mais variados problemas que acirram ainda mais este panorama. A desunião, a ideologia (não política, mas no modo cinema português deveria ser concebido ou “canonizado”), os egos e o amiguismo que prejudica mais autores do que beneficia-los, “obrigando-os” a abrigar nos seus próprios conformismos.

Não se trata de salvamento, ao invés disso, trata-se de apelo às correntes e olhar para cima. Somos mais do que meras vítimas. 

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