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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Quando a liberdade é um alado desajeitado

Hugo Gomes, 28.02.21

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Existe uma ave que possui a capacidade de planar pelo denso oceano sem pisar, uma única vez, a terra firme por vários dias e com uma formidável envergadura – a maior das espécies pode atingir os 3,5 metros de diâmetro. Esta ave dá-se pelo nome de albatroz e a rejeição pelo solo e a opção pela deriva, tornou-a num símbolo de obstáculo, apropriando-se das metáforas de psicólogos, por sua vez extraídas dos poemas e lengalengas de marujos.

Em “Albatros”, o dito pássaro é uma entidade ausente, incorporada num polícia de província no Norte de França [Normandia] – Laurent (Jérémie Renier) – cuja vida passa por diversas transformações enquanto lida com os casos que aquela pacata região parece sustentar. Aos 50 minutos, o filme joga-se na deriva desses ventos, colocando o espectador como testemunho do ambiente familiar de Laurent e dos esporádicos trabalhos que tem que resolver em conjunto com a sua equipa. Tudo isto fomentando uma afinidade para com a personagem e as suas respectivas sombras, rompendo de seguida com a inserção de um conflito e a materialização do albatroz no protagonista. Sentindo-se nas asas desta “ave”, Laurent lança-se sem rumo pelo mar fora com a ambição de fugir aos seus próprios obstáculos – todos eles localizados em terra firme – através do seu veleiro.

No cinema de Xavier Beauvois é norma as personagens serem resilientes para com os seus próprios cenários, desde os monges que resistem em sair dos seus hábitos em “Des hommes et des dieux” (2010) até ao seu anterior filme, “Les Gardiennes”, onde em plena Segunda Guerra Mundial e na ausência dos homens, as mulheres tudo fazem para manter (quase inviolável) o seu quotidiano. Em “Albatros”, é o homem que se torna num opositor ao seu destino, aclamando uma artificial liberdade de fachada, sucumbindo à imperatividade do seu meio social.

Jérémie Renier conduz com satisfação essa vida reduzida num fado, numa escolha traiçoeira, trabalhando psicologicamente a sua personagem, ora determinada, ora segura, num velcro de desespero silencioso. Por sua vez, Beauvois não é um realizador dotado em condensar conflitos em aparatos dramáticos. Existe uma ressonância delicada e cuidada que apela à nossa sensibilidade e compaixão para com estas personagens. Através disso, mantém-se longe do espetáculo cinematográfico e o resultado é um filme humano à deriva das vontades dos “últimos Homens livres”.

Uma "pestana" enquanto sonho ...

Hugo Gomes, 25.02.21

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Mulholland Drive (David Lynch, 2001)

"Hoje sabemos que o sonho é um grave distúrbio psíquico. Uma coisa sei eu: até hoje, o meu cérebro era um mecanismo cronometricamente regulado, fulgurante, sem um grãozinho de pó, mas hoje ... Sim, hoje veio o desarranjo: sinto um corpo estranho no cérebro, assim como quando se tem uma pestana finíssima alojada num olho. Sentimo-nos exatamente como sempre fomos, mas a pestana alojada no olho não nos deixa descansar nem um segundo, não podemos esquecê-la."

- Evgueny Zamiatin, Nós (edição Antígona)

Quem tem medo do filme-denúncia?

Hugo Gomes, 24.02.21

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When Boy Meets Girl”: a introdução que continua como vencedor convicto da maior das histórias que o Cinema pode-nos oferecer, converte-se no dano colateral deste “Test Pattern”. Um filme-denúncia que descura de qualquer foco exclusivo no seu tema / objeto, deixando o panfleto escancarado de lado e valorizando-se numas das grandes ferramentas da mais jovem das artes – o de inquietar o espectador.

A primeira longa-metragem de Shatara Michelle Ford aparenta ser um romance desmedido e de uma fé inabalável na sua própria natureza. Dois estranhos, nada de relacionado, conhecem-se, trocam impressões e embarcam numa viagem emocional, uma relação que se adivinha sólida, cúmplice e quase confidencial. O tempo passa para estes “pombinhos”, os laços criados assemelham a vincadas raízes. Porém, algo os abala. Uma noite de folia por parte dela – Renesha (Brittany S. Hall, da série “Ballers”) – termina num sexo não consentido com um desconhecido. Suspeitando de que a sua namorada tenha sido drogada e através disso abusada, Evan (Will Brill, da série “The OA”) a pressiona a fazer um “rape kit”, que para quem desconhece, é um pacote de itens usados nos centros hospitalares para coletar e preservar evidências físicas direcionadas para provas forenses na investigação de violação.

Test Pattern” debate com um jeito perversamente caricato em atingir esse objetivo, ora por meios de labirintos burocráticos, por escassez de recursos, algum estigma à mistura (o facto da protagonista / vítima ser negra atribui um expoente agravado a toda a esta situação) ou incompetência dos agentes de saúde. Uma “tempestade perfeita” que vai, além de desgastar esta relação que corre em oposição ao relógio, desaba as suas pontes de união enquanto casal.

A realizadora Shatara Michelle Ford é sensível e, em certa parte, calculista em cunhar num meio de um acelerado turbilhão um enfoque às frustrações e à impotência destas personagens perante um sistema que os alberga e que, mesmo assim, dificulta a sua acessibilidade. Como filme-denúncia, “Test Pattern” faz um trabalho arrojado em inquietar as audiências ao invés de avançar em dissertações pedagogistas, e o faz através do mais simples gesto – representar uma experiência sem nunca deslavá-la dos seus fins dramáticos e psicológicos. Porque o objeto de estudo é o casal protagonista, o núcleo de uma órbita que corroí e corroí.

O resto não é somente paisagem, é alicerces para a construção das personagens e um espelho contra-corrente dos já engessados “rape revenges” (onde a violação assume-se como um impulsionador do desenvolvimento da personagem feminina), particularmente “populares” na década de 70 e que atualmente encontraram uma nova revisão e desconstrução em “Promising Young Woman”, de Emerald Fennell. Apesar da invocação, “Test Pattern” não deseja sentar em tal mesa, e sim ripostar ainda mais no tom fantasioso desse mesmo território, até porque nem todas as histórias de violação são consumadas em planos de vingança, por vezes, tais traumas transformam-se em cicatrizes, as mazelas que se acarreta até aos nossos desfechos. Ford mostrou-nos exatamente isso, num filme derrotista e fatalista.

Nem tudo vai ficar bem

Hugo Gomes, 23.02.21

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Podemos estar sentados nos nossos sofás à vontade, os filmes de confinamento estão somente no seu sorrateiro início, porém, trazendo consigo, elementos não de todo novos.

Safer at Home” é o mais recente thriller de Will Wernick, realizador dotado nos últimos tempos de um apetite voraz a enclausuramentos, nem que seja por meios recreativos que de alguma forma dão para “o torto”, as armadilhadas “Escape Rooms”, impostas no seu homónimo projeto de 2017 e na sua variação de 2020 – “Follow Me”. Contudo, é com o dito locked down, que regressa, em recursos voluntariamente limitados e de narrativa de igual ambição. Aqui, em “Safer at Home”, no meio da pandemia de Covid-19 nos EUA, sete amigos reúnem-se numa videoconferência para emborcar e se envolverem em jogos lúdicos de forma a facilitar os dias monótonos e cinzentos. E é no calor desse convívio, acompanhados por álcool e drogas, que a situação descarrila, adquirindo contornos trágicos.

Safer at Home” é, na sua composição, um desktop film – estilismo que tem vindo a ser preparado para os nossos dias graças a cultos de género como “Open Window” (Nacho Vigalondo, 2014),Unfriended: Desprotegido” (Leo Gabriadze, 2014) e “Searching: Pesquisa Obsessiva” (Aneesh Changathi, 2018), tendo sido anteriormente introduzidos, em contextos divergentes (pressuposto), em ensaios como “Transformers: The Premake (A Desktop Documentary)” (Kevin B.Lee, 2014) ou como dispositivo narrativo de “Hermosa Juventud”, do catalão Jaime Rosales – que nos leva a questionar sobre a nossa própria segurança, e mais, impotência sentida num isolamento destes tempos incertos (a verdade é que esta descrição já se tornou mais que cliché). Sem grandes apetites para ambições, tratando-se de um thriller que encaminha o nosso conforto para territórios comuns, com isto levando-os posteriormente a uma hiperbólica distopia (se bem verdade, há aqui vestígio de reciclagem às fórmulas de found footage).

Sendo aí [a dita distopia], perante algumas inverossimilhanças palpitam intermitentemente no enredo, que este estilo emergente (confessamos, já soam caducados) assume como novidade. É o medo partilhado e instalado em cada um de nós, a de um confinamento indeterminado. Porém, tal como aconteceu com outros exemplares desta vaga de produção pandémica, “Safer at Home” é novamente um retrato do recolhimento privilegiado, dando a entender que estamos “todos no mesmo barco”. Infelizmente, não é isso que temos vindo a experienciar – porque há quem esteja num cruzeiro, outros num iate, e vários de nós em botes salva-vidas.

A verdade somos nós que a fabricamos … com restrições

Hugo Gomes, 22.02.21

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O tempo é relativo, assim como a verdade parece o ser também, variando consoante a sua perspetiva ou de quem o narra. Atualmente, em clima onde o pós-verdade assume um peso cada vez maior, tais hipóteses soam redundantes e direcionadas a um perigoso território de revisionismo confortável. Quem o escreve defende o direito de questionar a verdade, ou lá como o devemos apelidar, sem nunca, com isto, vergar pela arrogância / ignorância que a influência da pós-verdade parece acarretar (no nosso dia-a-dia, em tempos incertos de pandemia e confinamento, “organizações” negacionistas tem-se apoderado da palavra “verdade” como um cata-vento maleável).

Porém, a verdade que vos quero trazer, é a “verdade” vendida por “A Brixton Tale”, a primeira longa-metragem de Darragh Carey e Bertrand Desrochers, explicita na sua tagline – “Não existe tal ‘coisa’ como histórias verdadeiras” – onde somos remetidos a uma youtuber, Leah (Lily Newmark), pronta a apostar num projeto documental, tendo como “alvo” o jovem Benji (Ola Orbeyi). Ora bem, antes de avançarmos, há que referir a diferença destes dois jovens, um claramente evidente que é a sua cor de pele, o que nos transporta para a segunda (de certa forma diretamente ligada com a primeira) que é a classe em que cada um se insere.

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A Brixton Tale” é, como o leitor já deve ter entendido, uma obra sobre o privilégio, e como este opera / constrói um senso de realidade / verdade com a nossa sociedade. Além do mais, o trabalho da personagem de Leah, em requisitar a vida de Benji como objeto de estudo do seu documentário, é todo ele um processo de transformação dessas mesmas, e referidas, dicotomias. Se por um lado, num primeiro mergulho, o filme flutua nos conceitos em voga no nosso cinema atual, consciente e de alguma forma reparador, já num “segundo mergulho” consegue encaixar-se numa crítica ao universo do documentário, daquele que se apronta a auto-proclamar de cinema-véritè (cinema-verdade) ou simplesmente, no absolutismo das suas palavras (quem nunca discutiu a veracidade de uma adaptação com alguém crédulo com a legenda “inspired by a true story”).

Será que poderemos acreditar naqueles que se encostam nas palavras “verdades” ou “factos verídicos”? “A Brixton Tale”, drama “certinho” e jovial, em certa parte liceal, não nos desfere com tais respostas a estas inquietantes dúvidas, aliás, até desconfiamos que os envolvimentos aqui angariados tenham servido com esse propósito. Todavia, é no toque, e a fantasia de que este nos poderia levar, o qual tornam mais interessante esta obra do que na verdade é.

Andra Day é diva em melodias sobre “frutos peculiares”

Hugo Gomes, 20.02.21

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Eu sou uma mulher negra nos EUA. Sei o que é ser invisível”, afirmou a atriz Andra Day na conferência virtual promovida pela American Cinemateque, no início de fevereiro deste ano, sobre a criação e trabalho no filme “The United States vs. Billie Holiday”, biopic desenvolvida por Lee Daniels (“Precious”, “Paperboy”) que encontra um intuito de existência nesta declaração.

Se é bem verdade que a importância da representação tornou-se num enfoque em muita cinematografia americana (em meio de revanche perante uma invisibilidade que a indústria encarou em relação a algumas “vozes”), e mais no que refere a expor a discriminação e racismo, algo escancarado (diga-se de passagem) nos EUA, diversas vezes valorizada acima do progresso técnico e estético, a cinebiografia de Billie Holiday (1915 – 1959) concentra-se nesse mesmo ponto, o de descortinar o ativismo de palco da cantora de jazz, com especial atenção no seu controverso single de 1939 – “Strange Fruit” – referente aos linchamentos dirigido a negros no Sul, que ainda são hoje, crimes impunes.

Holiday viveu, acima do seu estatuto de diva, nessa constante confrontação com o mundo que não aceitava e, pior que isso, a transformava numa espécie de canário enjaulado, para entretenimento de brancos embutidos no seu conforto privilegiado. Lee Daniels preserva os elementos comuns (quase manientas) das cinebiografias musicais, mas o “mutilando”, e como em jeito de cumplicidade, assumir essa presença de choque com todas as questões que a figura invoca. Desde o seu contacto com a segregação dos afro-americanos, ainda, em plena década de ’50, até às intervenções da FBI em atuar sob a resiliência em prol de uma América sob valores brancos, conservadores e cristãos (existe um pormenor delicioso na divisória entre negros e brancos na agência federal), essa demanda ideológica de J. Edgar Hoover.

Acreditamos que o propósito do filme afunila nas suas mensagens e reconstituição social, mas existe uma preocupação formal que resgata o projeto da simples emissão. A começar por Andra Day, a atriz que veste a pele desta artista de records (hoje, meio esquecida frente a outras divas), é uma encantada e frágil ave canora, retida no seu palco, enquanto este, transforma na cerne teatral de todo este percurso (de salientar a, por fim, performance de “Strange Fruit” que finaliza um aparente “one-cut scene” que vai despertando o senso de militância na cantora, anteriormente cedida ao somente transe e dos calores dos desejos “pecaminosos”, dito isto num prisma igualmente cristianizado).

“The United States vs. Billie Holiday” não é certamente um filme de excessos, mas dentro da sua contenção se expõe como deve, dando, curiosamente, uma presença artificial dentro das comuns e anónimas biopics obcecadas pelo realismos e da fidelidade dos factos (obviamente, sob contextos de espetacularidade hollywoodesca).

“Here is a fruit for the crows to pluck”

A noite é vasta, mas a paciência…

Hugo Gomes, 18.02.21

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Basta espreitar a carreira de Matthew Wade para entendermo-nos, com base do seu trabalho no departamento de animação, que estamos perante alguém fascinado com a estética, e essa mesma, no qual apoia-se essencial o seu segundo trabalho de direção (o primeiro fora “How the Sky Will Melt”, em 2015).

A Black Rift Begins to Yawn” é um objeto metafísico de uma natureza algo cósmica que se movimenta por territórios, ora fantásticos, ora dimensionais. Percebemos, por ordem da sinopse que nos foi oferecida (“duas mulheres trabalham em um projeto misterioso que distorce suas memórias de tempo, lugar e identidade”), que tudo se desmonta num dispositivo de interesse além-existência, num exercício sobre realidades, e simulacros da mesma em três capítulos (a diferenciação entre eles é quase trabalho para físicos quânticos). O incógnito do seu enredo poderia transportar-nos para um território de abundâncias misteriosas, ou um ambiente quase lyncheano (a música, composta pelo próprio realizador / argumentista, tem essas aspirações) com veias lovecraftianas, mas nada disso, Wade é guiado pela sua própria ambição e esmagado pela mesma.

O que resulta é um filme desconecto, que usa e abusa da contemplatividade sem um ensaio por detrás. É perdido tal como as suas duas protagonistas alicerçadas ao vazio e à repetição, reféns de um estado de transe xamânico apenas exposto pelo abuso de visuais em constante transposição. Em alturas que “The Vast of the Night”, uma lição bem remunerada de mistérios em laços curtos e diretos, tem feito as delícias de quem o visualiza, “A Black Rift Begins to Yawn” é um invertebrado que procura uma inequívoca definição de arthouse. Digamos que é o hieróglifo esteticamente revisto e impostor. Sem salvação!

Acreditar na Ciência não é o mesmo que acreditar em qualquer outra ‘coisa’. A fé não tem lugar na Ciência.

Os escravos do Novo Mundo

Hugo Gomes, 15.02.21

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Deepa Mehta, realizadora indo-canadiana reconhecida pela trilogia dos elementos (“Fire” em 1995, “Earth” em 1996 e “Water” em 2005), em certa parte, instrumentaliza o livro de Shyar Selvadurai e, dentro desta, a sua interior história de “coming-out”, para abordar um conflito que perdurou mais de duas décadas na Sri Lanka. “Funny Boy” é um dos raros filmes que aborda a Guerra Civil cingalês, tendo como suplemento a questão da homossexualidade nesse mesmo território (ainda hoje proibido).

Assim, mergulhamos no drama de Arjie (Brandon Ingram), que enquanto criança (Arush Nand), e sob incentivo da sua progressista tia (Agam Darshi), brincava de menina ou aspirava ser ator, mesmo sob o olhar reprovador do seu rígido pai (“os atores são inúteis”). Na sua adolescência, confronta-se com as transformações que tem sentido, sem possuir apropriadas armas para o lidar, porém, não era apenas o seu “eu” que se encontrava em estado de mudança, o seu redor, o mundo que conhecera passava por uma lenta, mas violenta insurreição.

Narrativamente, “Funny Boy” é um filme de natureza esquemática, dividido entre os tais oscilantes “campos de batalha”, mas nada disso impedindo, por momentos, demonstrar a sua sensibilidade, não apenas na composição e carinho do seu protagonista, como também na imagética como que contrai. Há ainda uma tendência de trazer para este território exótico, e em plena ebulição social, um socialismo ocidental. Arjie adquire as suas armas de arremesso, para aquela que é a sua mais complexa “guerra”, na música importada (de Eurythmics a David Bowie, passando pela consolidação de “Every Breath you Take” dos The Police) ou por vias de Charles Dickens e o seu romance “Um Conto de Duas Cidades”, que por sugestão do seu professor de literatura, converte-se numa imaginada experiência pessoal.

Facilmente, poderíamos gritar perante estes elementos reunidos, de “colonialismo”, mas Deepa Mehta deseja imprimir um cunho pessoal nesta história, a sua vivência enquanto migrante. “In this New World, you’re free slaves” (“Neste Novo Mundo, somos escravos libertados”), a frase que ecoa no desfecho desta jornada, é mais que uma somente “punch line” sovada antes da descida da cortina, é um statement de quem encara a migração como uma oportunidade de reinvenção. A partir daqui, Mehta ou mesmo Arjie poderão ser os indivíduos que sempre sonharam ser, e do qual foram impedidos de se tornar.

“Funny Boy” (que foi o primeiro candidato canadiano ao Óscar de 2020, tendo sido desclassificado pelo excesso de inglês, um pouco à imagem do português “Listen”) é um pequeno filme sobre as nossas próprias projecções e ambições.

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