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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O indomável e a cidade de Daca

Hugo Gomes, 26.04.20

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Para a sua estreia na realização de longa-metragens, Sam Hargrave inspira-se na graphic novel de Ande Parks (Ciudad) para cometer um ensaio vibrante de estilo, mercenários, honra e consciência numa Daca (capital de Bangladesh) convertida numa verdadeira fortaleza ao serviço de um barão de droga local.

O realizador ficará relembrado como coordenador de duplos de inúmeros capítulos do Universo Partilhado da Marvel, sobretudo os assinados pelos irmãos Russo (presentes aqui como produtores e argumentistas), como “Captain America: Civil War” ou os dois últimos “Avengers”. Nisso, nota-se o cunho, ou paralelismo com essas mesmas produções, os rasgos de ação one-shot cometidos aí mas no geral “sufocados” pela agenda da Disney e o seu tão precioso franchise, devaneios que aqui compõem um ritmo e personalidade.

É exaustivo, mas igualmente fascinante a concentração de ação num falso plano-sequência de 12 minutos a mimetizar os tiques dos mais recentes e aplaudidos videojogos, e por sua vez há que constatar a indústria americana cada vez mais rendida a essas mesmas fragrâncias técnicas (basta evidenciar o resultado da trilogia “John Wick” ou até o recente “Birds of Prey”, sem nunca esquecer de “1917”, de Sam Mendes). No caso de “Extraction”, a simples história de um homem fragilizado convertido em mercenário, Tyler Rake (Chris Hemsworth), que aceita uma missão de alto risco – o resgate do filho de um poderoso traficante de droga indiano das garras de um influente e sádico traficante de Bangladesh – é mais que suficiente para nunca perdermos o fio à meada da adrenalina do cerco entretanto criado, assim como a consciência embalada na emoção proclamada pelas suas personagens.

Sim, e voltando a sublinhar o simples, este “Extraction” é um trabalho formalmente requintado numa bandeja de simplicidade argumentativa ou de resolução dos seus próprios nós. Um virtuoso produto de ação (existe inegavelmente umas certas vénias aos congéneres bollywoodescos) com o coração no sítio graças à leva do seu ator-protagonista – Hemsworth – que após os incentivos de Taika Waititi (“Thor: Ragnarok” e o uso da perceção ator para compor a personagem) é cada vez mais uma figura de cartaz interessante e completa.

Como primeira aventura na indústria, Hargrave comete um filme de ritmo passageiro, oleado, mas nunca reduzido à parolice padronizada. É a ação no estado de graça e no seu registo mais competitivo. Seria uma excelente experiência no grande ecrã.

Grândola, Vila Morena

Hugo Gomes, 25.04.20

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Uma das mais fortes e recentes menções sobre o 25 de Abril no Cinema Português, é aquela demonstrada em A Herdade, onde as personagens interpretadas por Albano Jerónimo (João) e Sandra Faleiro (Leonor) cada vez mais temendo pela preservação do seu paraíso embatem-se num inesperado “milagre” no escuro breu da noite, após saírem de um improvisado “refúgio das velhas tradições”. A rádio ligada transmite sonoridade o qual nunca tinham ouvido antes, ao mesmo tempo em que as chaimites “peregrinas” cruzam-se nos seus caminhos. A partir daqui, é história feita, nada seria como dantes, nem mesmo Portugal, país sufocado pelo seu estado de estagnação, regressaria à inicial forma.

Tiago Guedes abordou os fantasmas desse país em ruína, o seu interiorizado patriarcado presente na gestão de uma terreno alegórico às causas e devaneios sociopolíticos, girando envolto à decadência do seu rei no seu pequeno “castelo”, o senhor da ilha que o cerca do exterior antagónico e que o faz ser grande durante a sua verdadeira pequenez. A Herdade é um filme sobre essas cicatrizes que adquiram uma força de negação perante novos ventos populistas. Um conto do passado com ecos no nosso presente.

Depois de ver o "Milagre da Cela 7" ... lembrei-me disto

Hugo Gomes, 23.04.20

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"Check it out. Dustin Hoffman, 'Rain Man,' look retarded, act retarded, not retarded. Counted toothpicks, cheated cards. Autistic, sho'. Not retarded. You know Tom Hanks, 'Forrest Gump.' Slow, yes. Retarded, maybe. Braces on his legs. But he charmed the pants off Nixon and he won a ping-pong competition. That ain't retarded. He was a goddamn war hero. You know any retarded war heroes? You went full retard, man. Never go full retard. You don't buy that? Ask Sean Penn, 2001, "I Am Sam." Remember? Went full retard, went home empty-handed."

Robert Downey Jr. (Tropic Thunder, 2008) Ben Stiller

Contemplando o Espaço Desconhecido

Hugo Gomes, 20.04.20

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First Man (Damien Chazelle, 2018)

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Ad Astra (James Gray, 2019)

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Interstellar (Christopher Nolan, 2015)

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Gravity (Alfonso Cuarón, 2014)

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Solaris (Steven Soderbergh, 2002)

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 Star Trek: The Motion Picture (Robert Wise, 1979)

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2001: A Space Odyssey (Stanley Kubrick, 1969)

Filipe Duarte é Cinema. Cinema é Filipe Duarte.

Hugo Gomes, 17.04.20

O Cinema, televisão e teatro português acabaram de ficar repentinamente mais pobre. Muito se diz por aqui que Filipe Duarte era um dos melhores da sua geração, sem duvidas algumas, e acima disso, era um homem de uma humildade incrível e de simpatia de fazer inveja, como pude constatar diversas vezes.

E mais triste ainda era ainda a sua "tenra" idade. Too soon ...

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A Costa dos Murmúrios (Margarida Cardoso, 2004)

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Tejo (Henrique Pina, 2011)

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A Outra Margem (Luís Filipe Rocha, 2007)

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Mosquito (João Nuno Pinto, 2020)

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Variações (João Maia, 2019)

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A Vida Invisível (Vítor Gonçalves, 2013)

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Cinzento e Negro (Luís Filipe Rocha, 2015)

Da birra com Rambo até à polivalência na década de 80

Hugo Gomes, 17.04.20

O xerife de uma pequena cidade decide tornar a passagem de um desconhecido ambulante miserável, sem saber que esse mesmo indesejável marginal era, nada mais, nada menos que o veterano do Vietname que iria ser relembrado simplesmente como Rambo. O xerife, esse, que sofreu na pele, a humilhação por parte deste “herói esquecido”, viria a ser uma das caras mais reconhecíveis do cinema da década de oitenta. Por isso, deixaremos de simplismos em apelidá-lo de somente “o vilão de Rambo” e passaremos a chamar os “heróis” pelo seu nome - Brian Dennehy.

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First Blood (Ted Kotcheff, 1982)

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F/X (Robert Mandel, 1986)

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Legal Eagles (Ivan Reitman, 1986)

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Cocoon (Ron Howard, 1985)

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The Belly of an Architect (Peter Greenaway, 1987)

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Silverado (Lawrence Kasdan, 1985)

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Never Cry Wolf (Carroll Ballard, 1983)

 

Brian Dennehy (1938 - 2020)

Nos bastidores da Páscoa!

Hugo Gomes, 12.04.20

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Monty Python's Life of Brian (Terry Jones, 1979)

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King of Kings (Nicolas Ray, 1961)

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The Last Temptation of Christ (Martin Scorsese, 1988)

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The Passion of the Christ (Mel Gibson, 2004)

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Il Vangelo secondo Matteo (Pier Paolo Pasolini, 1964)

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Acto da Primavera [Manoel de Oliveira, 1963)

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Multiple Maniacs (John Waters, 1970)

O “preço” da cultura, enquanto Godard é livre

Hugo Gomes, 11.04.20

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Tempos estranhos que lidamos neste confinamento “(in)voluntário”. Cada dia processa-se uma nova realidade, nomeadamente a nossa relação com a cultura, que gradualmente demonstra a sua faceta esquizofrénica.

Após os encerramentos dos cinemas, não demorou muito para que as distribuidoras, produtoras e até mesmo os próprios realizadores “largassem” os seus filmes na banda larga, com acesso gratuito a todos, bastando apenas iniciativa e curiosidade em (re)descobrir. Se pensarmos bem, toda esta distância social consegue ser uma desculpa mais que necessária para a nossa reinvenção cultural e artística, e para os cinéfilos, o fortalecimento dos seus conhecimentos e o colecionismo “invisível” dos filmes visualizados. Nesse aspeto, não podemos reclamar, tudo na ponta dos nossos dedos, até Jean-Luc Godard, entidade oculta dos nossos olhos, surge num Live no Instagram. A proposta foi uma masterclass que, em certa parte, serviu como um estabelecimento espectral com o mundo tecnológico, aquele a quem o mestre da Nouvelle Vague havia sucumbido.

Nesse episódio memorável, não consigo esconder um certo espanto na correria aos pequeníssimos ecrãs para experienciar um homem que outrora proclamou amor à grande tela. Godard não revelou o segredo da pólvora, ao invés, foram várias, as pertinentes perguntas a que fugiu, como a das redes sociais, onde demonstrou um impasse nestes novos tempos. Mas a sua identidade “godardiana” foi essencial para classificar esta nova normalidade e os dilemas que nos atropelam – será um fruto de aura artística ou a venda de uma imagem como uma marca registada?

Continuando no refúgio dessa mesma sombra, levo ao encontro da, entretanto cancelada, a iniciativa TV Fest, embarcada pelo Ministério da Cultura e instalada nas sedes da RTP com o intuito de apoiar os artistas musicais prejudicados pela crise pandémica que desafia os nossos parâmetros sociais. A abordagem não foi bem recebida e – por entre petições e petições – lá voltamos à “cancel culture” que muitos criticam. Não vou opinar sobre as razões que levaram ao fim de uma ideia sem início, até porque, para além de ideologicamente paradoxal, é sobretudo um tema mais complexo para ser debatido em meras centenas de palavras, mas é triste encararmos com uma espécie de slogan criado nesta luta – “a cultura tem um preço” – como se simbolicamente voltássemos a restringir a cultura às elites e aos possantes. E é aqui que somos confrontados com a atitude “Robin dos Bosques” de Godard. Se o realizador e agora eremita decidiu dar o seu “Olá ao Mundo” por via do acesso fácil para todos, porque é que a cultura deve ter um preço?

Recordamos que há uma década, o mesmo cineasta defendeu a desapropriação intelectual das obras criadas, nisto, contextualizado numa defesa ao fotografo francês James Clement, condenado pela justiça francesa por fazer o download ilegal de músicas. Godard afirmou à  Les Inrockuptibles que “não existe essa coisa que chamam de propriedade intelectual“, acrescentando que “um autor não tem direitos. Eu não tenho nenhum, apenas deveres“. O que aqui entra em debate é a eterna questão de dissociar o artista da sua arte, não somente pelas esfera crítica e teórica, mas mesmo a nível financeiro.

Mas voltando ao “preço”, obviamente, que com isto não desvalorizo a importância dos empregos criados no seio cultural de qualquer direção (desde a curadoria, os artistas propriamente ditos até aos técnicos), contudo, como é possível num país onde esse universo, essencial aliás, é tão subsidiado e apoiado (quer diretamente ou indiretamente) se fale agora de “preço”. Um país sem cultura é a equação perfeita para a destruição de ínfimos valores éticos, a diferentes níveis, sejam políticos ou sociais (o despertar do populismo e das ideologias radicais e extremistas sem noção de coexistência). Fala-se de um preço como se estivéssemos novamente a frisar a importância das classes para com essa exposição, deixando de lado um outro leque remetido ao saco de “plebeus”. Porém, há que frisar que o artista, acima de tudo, deve ser pago pela sua contribuição à nossa riqueza cultural e artística e todos os cargos aí associados, nomeadamente a curadoria, também. Mas a arte em si não deveria estar disponível para qualquer um?

As distribuidoras e produtores que hoje disponibilizam as suas obras, fazem-no pelos mais diferentes motivos, seja relembrar ao confinado que o cinema continuará depois do COVID, ou que o cinema está onde quisermos (nesse aspeto, basta olhar para a Godard e a sua aparição repentina). O preço, esse, existir ou não existir, a sua invocação é a premonição de outros símbolos que nos colocarão diante de uma realidade distorcida, onde a cultura é liberal e dispendiosa. As lutas pela subsistência da cultura do nosso país são sempre bem-vindas, o preço como palavra de ordem nesta perpétua batalha campal é mais perigoso do que se pode imaginar, podendo espaçar ainda mais a desigualdade.

Quanto a Godard, é sabido que ele sugeriu um realizador suíço na sua conversa online – Francis Reusser – que infelizmente faleceu recentemente. Era um “velho conhecido” do extinto Festroia, com uma carreira antiga antes das invocações do “velho sábio”. Pena é que o seguidismo para com Godard leve a cinefilia para uma só direção, a tardia, ao invés de desde sempre ampliar o seu olhar.

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