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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Década 2010 - 2019: os filmes que ditaram a nossa jornada pela imagem

Hugo Gomes, 28.12.19

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Antes de começar com a previsível justificação da minha seleção, queria mencionar um filme que apesar de se encontrar ausente desta listagem, foi importante e reflexivo para com a virada da década, e quiçá, desenhando aquele que diríamos ser o cinema das próximas gerações.

Essa obra é nada mais, nada menos, que a “The Social Network” (A Rede Social), de David Fincher, que acertou contas com um dos possíveis vórtices da nossa identidade do século XXI, enquanto individual, enquanto coletiva. Não poderemos negar que os nossos dias são demasiado dependentes desse dispositivo - o de trabalhar a nossa imagem para o exterior e moderar a exposição do nosso (não) íntimo. Digamos, que foi através desses pensamentos perante tal “futilidade”, do qual se tornariam o espelho narcisista da nossa modernidade, que Aaron Sorkin inspirou-se para escrever esta fictícia trama (na altura apontada como “cedo demais”) que operaria como pontapé de saída para os filme que reúno aqui – intimidade expositiva e a imagem fabricada da nossa existência.

Por isso, passeamos pelo último gesto de cineastas incompreendidos (The Other Side of the Wind, The Turin Horse) até à possível previsão do futuro do cinema (Holy Motors, The Congress), a nossa exposição sentimental como instalação artística (Elena, Before We Go, L’ Vie d’ Adèle), a identidade ou existência como demanda de natureza várias (La Grande Bellezza, La Piel que Habito, Django Unchained). Mas no seu todo é uma “mixórdia”, como muitos deverão salientar, de velhos autores em reunião com outros nomes sonantes e promissores que aguardam pelo seu tempo. Porque o cinema tem destas coisas - o de esperar para ver.

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1 -The Other Side of the Wind (Orson Welles, 2018)

2 – Holy Motors (Leo Carax, 2012)

3 – Elena (Petra Costa, 2012)

4 – La vie d'Adèle (Abdellatif Kechiche, 2013)

5 – The Turin Horse (Béla Tarr & Ágnes Hranitzky, 2011)

6 – Before We Go (Jorge Léon, 2014)

7 – The Congress (Ari Folman, 2013)

8- La Grande Bellezza (Paolo Sorrentino, 2013)

9 - Django Unchained (Quentin Tarantino, 2012)

10 - La piel que habito (Pedro Almodóvar, 2011)

(Prestes) A começar o ano em "grande"!

Hugo Gomes, 27.12.19

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Os videoclubes morreram, o mercado deixado por eles também e os poucos sobreviventes encontraram paraíso nos serviços de streaming. Depois temos as sagas exaustas que resistem à própria sepultura, procurando em “novos rumos” o folego ressuscitador. The Grudge é isso mesmo, um filme condenado à nascença de uma maldição que teimam em não deixar morrer.

"A ficção é a maneira mais eficaz de expressar a realidade": falando com Eugène Green

Hugo Gomes, 23.12.19

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No início de 2020, mais precisamente no a 5 de janeiro, dá-se início à Retrospectiva Integral e à carta branca de um dos grandes devotos da cultura portuguesa, Eugène Green. Nascido em Nova Iorque e radicado em Paris, o realizador celebrizado em filmes “A Religiosa Portuguesa” e “La Sapienza” sempre renegou o inglês, chegando mesmo a recusar dialogar com alguém nesse “bárbaro” dialeto, como o considera. E não se trata de um mero capricho, o realizador é um ávido devorador da palavra, a verdadeira energia das suas personagens, das suas ficções e realidades. Green é um homem literal e com isso preza a sua liberdade na escrita e no processo de produção dos seus filmes.

A Imagem da Palavra“, o cabeçalho desta exposição exaustiva sobre a sua obra, é um atalho para entender o seu cinema e a última palavra aos universos criados pela sua prosa. Essa profunda análise ao seu cerne encontra uma extensão: os filmes que acompanham a sua figura, sejam eles da sua autoria ou de outros mas que fazem parte do seu paladar cinéfilo. Eugène conversou comigo sobre esta proposta, sobre a “sua palavra”, mundo e sapiência.

Na sua carreira, o que representa uma exposição como esta?

Apesar de eu já ter tido retrospectivas (quando a minha filmografia era um pouco mais curta, em festivais como o de Turim, Gijón, Riga, Paris-Cinéma, e recentemente na Cinemateca de Toulouse e no Arsenal em Berlim), esta é a primeira vez, tendo em conta a retrospectiva, no qual sou fruto de uma exposição num prestigiado museu de arte contemporânea. Como é óbvio, a sua representação é para mim importante.

Podemos esperar uma abordagem “íntima” da sua visão cinematográfica e poética nesta exposição? Não tem medo de expor o essencial, o íntimo, do seu trabalho?

Este é, de facto, um olhar externo ao meu trabalho – neste caso, o de António Preto [diretor da Casa do Cinema Manoel de Oliveira] – e representa isso mesmo, sob outra forma, um artigo de análise crítica. Não é “íntimo”, pois não sou eu que me exponho aqui, mas alguém que, de forma contemporânea, observa atentamente e disseca o meu trabalho. Encaro isso como uma abordagem muito interessante e simultaneamente acredito que pode ajudar as pessoas a gostarem do meu cinema.

Visto tratarmos aqui de retrospectivas e análises ao seu trabalho, existe algum arrependimento na sua carreira? Por oposição, de que obras é que mais se orgulha?

Lamento especialmente ter perdido tanto tempo. Enquanto escrevo guiões com facilidade, lancei-me em muitos projetos, mas para que eles tenham sucesso, com algumas raras exceções, o tempo de espera é entre os quatro a cinco anos. Também lamento muito ter sido forçado a filmar “La Sapienza” e “Faire la parole” em digital, embora tenha sido acordado que os filmaria, tal como os outros filmes, em película. Os meus filmes são como se fossem os meus filhos, amo todos eles. Mas tenho uma ternura particular pela “A Religiosa Portuguesa”, porque foi aí, segundo a minha perceção, que fui mais longe em direção àquilo que procuro.

Em relação a Portugal, pode explicar este seu apego pela nossa cultura e pelas nossas pessoas?

É algo natural e espontâneo, que não procuro analisar intelectualmente. Portugal, o seu povo, a sua cultura e a sua língua tocam-me e despertam em mim uma memória que, sem dúvida, é mais antiga que o meu próprio nascimento.

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La Sapienza (2014)

O que pode nos dizer sobre o projeto “Lisboa Revisitada”?

Era “uma encomenda”, não no sentido em que me ditaram o tema, mas simplesmente porque me pediram para criar algo novo para a exposição, e o orçamento modesto do filme era financiado pela Serralves – o que significou que não houve a necessidade de esperar cinco anos para a sua realização. Também foi interessante enquanto experiência, pois é o meu primeiro filme de “montagem” – justapondo imagens de “A Religiosa Portuguesa” com imagens dos mesmos lugares, em Lisboa, filmadas em abril de 2019. É, portanto, um filme sobre os danos do turismo em massa e como este destrói a vida e a civilização. Mas espero desenvolver esse tema de maneira mais profunda, bem como o da violência no mundo contemporâneo, através de uma ficção que quero filmar em Portugal e em português … isto se pudermos encontrar o financiamento antes que o mundo acabe.

O que pode-nos dizer sobre o seu novo filme – "Atarrabi & Mikelats"?

É uma longa-metragem inspirada nos principais relatos da mitologia basca, sobre os dois filhos de Mari, a grande deusa basca, que adaptei para expressar alguns temas importantes para mim. E é inteiramente falado em basco. É um filme do qual me orgulho e espero que seja lançado em Portugal.

A temática desta exposição é a Palavra. No seu cinema, são as palavras que controlam a vida e não os gestos…

O tema realmente é – como o título diz – “A Imagem da Palavra“, que é a minha definição de Cinema, pois para mim o plano cinematográfico funciona como o discurso que existia na civilização europeia antes do triunfo, no século XVIII, da cultura racionalista e materialista. Existem muitas palavras nos meus filmes, mas elas visam tornar perceptível a vida interior daqueles que as falam. E tudo isso faz parte do plano cinematográfico. As minhas personagens podem não fazer muitos gestos, mas todo o processo do filme constitui uma ação.

Com exceção de “Tout Le Nuits” – baseado na obra ‘A Primeira Educação Sentimental‘ de Gustave Flaubert – os seus projetos foram inteiramente escritos com as suas palavras. Acha que com isso consegue controlar melhor um filme?

Nunca fiz essa pergunta, mas como acho que a ficção é a maneira mais eficaz de expressar a realidade, em toda a sua complexidade, gosto de criar ficção. Acredito que a “adaptação” de uma obra literária ao cinema, como geralmente a consideramos, é prejudicial e, sim, gosto de ser completamente livre para desenvolver as minhas ficções e determinar as palavras que dizem as personagens.

No “Le Monde Vivant”, existe aquilo que podemos considerar uma (re)alfabetização do real. No mundo em que vivemos, esta nova alfabetização do real é realmente necessária?

Não sei se entendi bem a pergunta. Você evoca as poucas referências como “Jules Ferry” e “bruxa lacaniana”? Não precisa conhecê-los para apreciar o filme. A prova é que, na França, está no catálogo de uma associação chamada “Infância e Cinema”, que organiza exibições de filmes para grupos escolares. Já foi visto e geralmente apreciado por cerca de 70.000 crianças entre oito e dez anos, as quais duvido que saibam o nome de Jules Ferry e das quais espero que nenhuma tenha sido colocada nas suas mãos de uma bruxa lacaniana.

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Ana Moreira em "A Religiosa Portuguesa" (2009)

Gostaria que me falasse sobre as suas escolhas cinematográficas na carta branca, em particular na indicação de “Mimosas”, de Oliver Laxe.

Por razões alheias ao meu controlo, a seleção final não reflete totalmente a minha ideia inicial, que era programar três clássicos representativos da minha cinefilia e três jovens realizadores que fazem parte da minha “família” cinematográfica. Dos três clássicos, um filme de Ozu não estava disponível (e o segundo filme de Ozu, que propus, também não estava disponível). Entre os três jovens, queria programar o último projeto do Oliver Laxe,O Que Arde”, mas o distribuidor português não autorizou a exibição. Então programei o seu penúltimo filme, “Mimosas”, o qual também gosto muito, mas que pode ser considerado mais difícil para alguns espectadores.

Todos esses cineastas, mortos ou vivos, têm em comum uma ideia elevada do cinema como arte, uma linguagem pessoal e, sob diferentes formas, os respetivos trabalhos têm uma dimensão espiritual. Obviamente, entre os clássicos, também poderia ter escolhido uma obra de Bresson, Oliveira ou Fellini, cineastas que admiro muito, e entre os vivos, [um trabalho de] Bruno Dumont, Miguel Gomes, Pedro Costa, Apichatpong ou Eloy Enciso. Programar uma carta branca é como decidir que amigos vamos convidar para uma festa.

A Década '10 traduzido a Cinema Português

Hugo Gomes, 19.12.19

O que reter numa década de cinema português? Um desafio difícil e um pouco ingrato, esse de deixar de fora uma produção que tem lutado contra anos zeros, faltas de apoios, público e por vezes falta de ideias. Mas este é o cinema que amo com todos os seus defeitos e virtudes (alguns dos filmes mais belos são sem dúvidas portugueses). Como tal, eis os 10 selecionados para marcar 10 anos de arte à portuguesa.

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A Batalha de Tabatô (João Viana, 2013)

Verão Danado (Pedro Cabeleira, 2017)

A Fábrica do Nada (Pedro Pinho, 2018)

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Cartas da Guerra (Ivo M. Ferreira, 2016)

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Tabu (Miguel Gomes, 2012)

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Vitalina Varela (Pedro Costa, 2019)

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Mudar de Vida - José Mário Branco, a vida e a obra (Pedro Fidalgo e Nelson Guerreiro, 2014)

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Ama-San (Cláudia Varejão, 2016)

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O Gebo e a Sombra (Manoel de Oliveira, 2012)

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As Mil e uma Noites (Miguel Gomes, 2015)

#SomosBacurau: falando com Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Hugo Gomes, 15.12.19

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Passaram-se sete anos desde a última reunião entre o artista Juliano Dornelles e o crítico de cinema convertido em cineasta, Kleber Mendonça Filho, o qual gerou o muito elogiado “O Som ao Redor”. Após uma pausa em que seguiram caminhos distintos, a dupla regressa com um projeto que tinha na gaveta há quase uma década: “Bacurau”.

Filmado na região Pernambuco, captando as vastas planícies secas que evocam os westerns “fingidos” e sobretudo das distopias pós-apocalípticas, aqui, “Bacurau”, uma terra que apela pelas boas intenções daqueles que estão de passagem, é um território ameaçado por forças que os seus habitantes não compreendem, mas que mesmo assim resistem (palavra predileta de Mendonça Filho).

Uma invocação do cinema de género que guarda todo um coração politizado e ativista que conquistou a sensibilidade do júri de Cannes, que recompensou a obra com um Prémio de Júri. Mas “Bacurau” é mais que um amontoado de referências ao serviço do quadro daquilo que lhes convém; é um grito num universo extenso, maleável e convergente com a nossa realidade. Sonia Braga e Udo Kier, os dois veteranos do elenco, traçam essas forças.

Tive o prazer de conversar com a dupla de realizadores sobre este filme, materializado sobre a sua veia política, cinéfila e sobretudo inserido no panorama do cinema pernambucano, um dos estandartes da resistência audiovisual no Brasil.

O vosso filme gerou as mais variadas reações em Cannes, sobretudo um consenso geral de um filme narrativamente não linear. Sempre foi a vossa intenção evitar os lugares-comuns da estrutura narrativa?

Kleber Mendonça Filho: Quando escrevia o meu primeiro filme – “O Som ao Redor” – estava confiante de que conceberia uma história linear percetível a qualquer um. De certa forma, consegui, só que tal dependeria da pessoa que o vê. [risos]

Foi então que descobri da pior maneira que muitos acharam uma experiência impenetrável, demasiado cerebral e difícil. “Aquarius”, foi no meu ponto de vista, um filme bem mais linear e com “Bacurau”, sentimos o mesmo, linearidade acima de tudo. É o que é.

Primeiro de tudo, apresentamos a comunidade … existe aquela mulher, existe aquele homem … e depois tudo se desenvolve até ao clímax. Sim, julgo que fiz um filme narrativamente fácil. É por isso com admiração que ouço coisas como: “é estranho, bizarro ou metafórico“. É sempre uma surpresa deparamos com as reações do espectador.

Mas não será isso um elogio?

KMF: Sim, obviamente que é um elogio. Mas não deixa de ser estranho. É como se eu lhe desse um copo com água e você me dissesse algo como: “esta é a água mais esquisita que alguma vez bebi” [risos]. E afinal é somente um copo com água … por favor.

O que quero dizer é que para nós, “Bacurau” é um filme claro naquilo que quer ser. Possivelmente foi a indústria que nos habituou mal, e que tenta padronizar o Cinema que consumimos.

É inevitável não associarmos Bacurau com o contexto político do Brasil que hoje testemunhamos. Vocês inspiraram-se no que realmente está a acontecer para embarcar nesta aventura?

Juliano Dornelles: É uma coincidência.

Coincidência?

JD: [risos] Acreditem em nós, é uma coincidência. Este projeto tem mais de dez anos de existência, evidentemente que as motivações deste filme são fortemente políticas, mas “Bacurau” é sobre aquilo que acreditamos que deveria acontecer, não no sentido politizado, mas social. Deixe-me explicar melhor. Nós vimos imensos documentários étnicos em diversos festivais e todos eles tratavam essas mesmas pessoas, com curiosidade é óbvio, mas com exotismo e simplismo. Aliás, é muito simplismo.

Aquilo que acreditamos é que o ser humano é tudo menos simples. Consequentemente, preenchemos alguma dessa “simplicidade” com política. Todavia, o que quisemos demonstrar com este filme é um grupo de pessoas aparentemente simples que irá mostrar a outras a natureza por detrás dessa capa. E foi assim que aconteceu "Bacurau".

Mas isto foi há 10 anos. Desde esse momento muita coisa mudou, inclusive o Brasil. Lançamos então o "Aquarius" e só depois de consumado esse filme, sentámos-nos e decidimos terminar o argumento deste “Bacurau”. Nesse processo, a nossa ideia original foi contaminada com imensos fatores e um deles foi a eleição de Donald J. Trump. Poderemos considerar um filme político, mas há mais aqui que somente isso. Como as pessoas que quisemos retratar.

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Tudo muito bem, mas então é um erro nosso considerar “Bacurau” um filme político? Pelo menos eu acredito que tudo é político, até o infame pormenor.

KMF: Claro que tudo é político, o que o Juliano está a tentar dizer é que “Bacurau” não entra no mesmo registo que um Costa-Gavras ou um Oliver Stone integram. Quer dizer, eles fazem bons filmes, o que acontece é que produzem obras políticas de uma maneira frontal. E “Bacurau” não é frontal.

JD: O que estamos a tentar querer dizer é que quando estávamos a escrever o argumento, não tínhamos a determinação de fazer um filme político nessa frontalidade. Tudo é político, sim, mas não de uma forma evidente e chamativa.

Esforçamo-nos acima de tudo em criar um western, um filme de género, um apogeu de violência. Poderemos dizer que “Bacurau” é uma reação a algo. A política apenas surge de forma espontânea, não forçada ou dependente.

KMF: Só o facto de um mapa ser alterado para corresponder às nossas especificidades em relação ao Mundo, é político até à medula. Mas a resistência é a sociedade a dizer-te o que fazer e acreditares que tal não deve ser aplicado a ti. Voltando a frisar, tudo é político.

Tendo em conta aquilo que presenciamos em “Aquarius” e agora com “Bacurau” e o facto de ter mencionado a “resistência” como um ingrediente-chave, pensa futuramente persistir no tema?

KMF: Penso em fazer três filmes bastante diferentes, que de certo serão influenciados com aquilo que está acontecer, porém, todos esses projetos serão sobre a História. À sua maneira, “Bacurau” é uma obra sobre o poder da História, sobre os factos. E principalmente para o Brasil, que não é um país muito velho, que conta com os seus 500 anos de existência, há uma condenação à História, assim como os museus são considerados hobbies de velho por grande parte dos brasileiros. Eu discordo disso, talvez por ser filho de dois historiadores, mas a minha mãe sempre frisou a importância das coisas e porquê elas o são.

E isso está no filme. Aliás, o museu tem um papel importante em “Bacurau”. A certa altura foi proposto a duas pessoas a hipótese de visitarem o museu e ambas recusaram.

Em “Bacurau” existe também uma certa veia anti-colonialista.

KMF: Acredito que a História repete-se vezes sem conta e de diferentes maneiras. Por exemplo, a União Soviética a invadir o Afeganistão, o processo colonialista do Reino Unido ao longo dos anos e até mesmo o Vietname pelos EUA. Aliás, pensamos muito no Vietname quando escrevíamos o guião – os americanos com todo um vasto equipamento que invadem uma região e nem sequer se preocupam em pesquisar antes da operação. Tal provoca uma situação desconfortável. No geral, o que estou a querer insinuar é que este tipo de confrontos tendem a repetir-se e a resistência é uma possibilidade, nem sempre bem-sucedida.

E com isso quisemos fazer uma fantasia, um filme sob os moldes de cinema de género onde as personagens lutam por aquilo que acreditam (que realmente acreditam). Sinto também, que de certa maneira, o facto de conhecermos aquela região e como as pessoas de lá realmente “funcionam” ou como pensam, serviu para que esta resistência embelezada seja credível o suficiente para atravessar a referência de género.

Em “Bacurau”, assim como em “Aquarius”, de certa maneira senti que tentam explorar aquilo que na Psicologia é apelidado de retorno do reprimido. O despertar dessas defesas que surgem quando algo é imposto contra a nossa vontade. Acredita nisso?

KMF: Sim, acredito. O que fizemos é o trabalho estruturalmente clássico, mas o que me interessa aqui é a alusão de alguém a impor-nos a realidade que não nos pertence. No caso de Aquarius é uma senhora de idade que vive num edifício fantasma, e para alguns essa estadia é um impasse de algo. Já em “Bacurau” é a forma de alguém supor que aquelas pessoas nada importam e acima de tudo são estorvos dos seus verdadeiros propósitos. Este tipo de temática encaro de forma intensa, é um forte ponto para iniciar uma história: “supostamente tu não deverias estar aqui“.

Em determinados momentos, “Bacurau” relembra-nos todo um vasto rol de cinema de género, inclusive do western spaghetti, quer na sua decoupagem ou no visual. Qual de vocês é o fã de Sergio Leone?

JD: Ambos. [risos]

KMF: Sim, nós dois. Aliás, acho que todos nós somos fãs de Sergio Leone. [risos]

JD: Julgo que no nosso processo de escrita, escrevíamos as cenas isoladamente e como estas iriam funcionar da melhor maneira. Para que pudéssemos perceber com antecedência a melhor forma de filmá-la e com isso encontrar a sua face mais divertida e dinâmica. E só durante a filmagem que descobrimos essas referências, anteriormente adormecidas no nosso inconsciente: “Oh, isto parece um western spaghetti. Oh isto parece pura ficção científica.”. Em oposição, nunca passou pela nossa ideia no estado embrionário do projeto em fazer uma mixagem do western ou outros elementos. Apenas são ideias, e com o nosso vocabulário cinéfilo a transformamos em referências. Apenas nasceu naturalmente.

KMF: Mas há aqui uma observação interessante, do qual não falamos até hoje, que é um trabalho de um nível mais profundo em termos da imagem de cinema, que é o facto de, na realidade, termos tido a posse de caras lentes panavision anamórficas da década de 70. Para nós, cineastas brasileiros, é gratificante termos ao nosso dispor um tipo de equipamento, responsável por um certo aspeto que apenas identificaríamos no cinema norte-americano. Uma determinada identidade.

Nos dias de hoje, tendo em conta a tecnologia digital, se não tivermos o cuidado devido, todos os filmes têm exatamente o mesmo aspeto visual. Com isto não estou a querer difamar a qualidade de uma câmara Alexis por exemplo. Mas quando chegamos a um festival e vemos pelos menos dez filmes de diferentes cantos do Mundo, filmados com o mesmo material, apercebemos o quão idênticos são. O que tentamos com isto foi transportar o espectador para umas décadas atrás, e trazer com o vintage uma sensação de novo olhar.

Não com isto afirmando que fomos totalmente bem-sucedidos em todas as cenas do filme, mas foi com este nosso empenho e recursos que atribuímos uma certa familiaridade a estas imagens. Talvez um pouco de Carpenter, Peckinpah, Vilmos Zsigmond, ou até mesmo Spielberg do tempo de “Close Encounters of the Third Kind”, que é uma espécie de imagem à americana …

JD: … até mesmo “Die Hard” [risos].

KMF: Sim, o “Die Hard” é um ótimo filme em termos de técnica.

Em jeito de curiosidade, a região de Pernambuco tem produzido um rol variado de obras de difícil classificação em comparação com o resto do país. Existe aí uma noção de distopia. Ainda há poucos anos assistimos a Reza a Lenda, de Homero Olivetto, que transformava essas paisagens pernambucanas num estilo pós-apocalíptico. Tendo em conta que filmaram lá “Bacurau”, o porquê desta região suscitar um cinema tão característico e, cada um à sua maneira, futurístico?

KMF: Primeiro de tudo, somos de Pernambuco. Contudo, é uma região com uma forte imagética cinematográfica que tem sido alvo de uma riqueza produtiva nos últimos 15 anos. O curioso disto é que está longe dos centros de produção audiovisual, que são no Rio de Janeiro e São Paulo, e que são mais orientados ao mercado mais comercial, especializado, por exemplo, em produtos televisivos ou comédias formatadas para Cinema.

Pernambuco tem-se tornado numa zona de prestígio, misteriosa e casa de inúmeros realizadores que têm gerado filmes muitíssimo interessantes. Claro, nem todos foram êxitos, muitos menos têm a pretensão de serem sucessos de bilheteira, com raras exceções como “Aquarius” ou os filmes de Gabriel Mascaro que têm sido bem recebidos em Berlim.

Diria mesmo que é um cinema muito estetizado.

KMF: Não diria estetizado, mas antes incomuns, fora de tom.

JD: Fora de tom é uma ótima caracterização!

KMF: Para além disso, são bastante autorais, desligando bastante das narrativas básicas e automatizadas, sem com isto assumir um lado experimental, porque a meu ver, até são obras bastante acessíveis, mesmo que alternativas.

JD: Os cineastas da nossa zona tendem em seguir uma direção autêntica, original. Eles valorizam isso. E valorizam de verdade.

KMF: Eu dei muitas masterclasses no Rio e São Paulo e algo que notei é que existe aí uma noção de agradar. O de tentar agradar o máximo possível. O de tentar ser popular.

JD: Já em Pernambuco é tentar ser diferente.

E agora ... um gesto autoral de Michael Bay!

Hugo Gomes, 13.12.19

79588192_10215398664936706_4134856099230646272_o.jUm conselho: contar até 3 e respirar, porque Michael Bay chegou e sem rédeas algumas, para além disso, com um guião desgraçado para nos obrigar a questionar sobre as nossas próprias vidas. Assim temos “6 Underground”, onde experienciamos um exemplo de autor na sua estética que se vê aflito (ou não) em procurar uma maturidade artística. Infelizmente, por entre explosões e os seus acostumados (nem por isso menos cansativos) maneirismos, somos “torturados” por uma espécie de purgatório de anarquia cinematográfica. Ainda a recuperar ...

Falando com Ira Sachs, um americano em Sintra que decidiu 'fazer' um filme

Hugo Gomes, 12.12.19

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Ira Sachs

Frankie”, uma coprodução francesa/portuguesa, foi o nosso representante na Competição de Cannes. É uma declaração de amor de Ira Sachs à região de Sintra, um filme turístico que aproveita a sua essência para gerar um trabalho sob um constante olhar estrangeiro.

Mas nada se perde aqui, para além da habitual linguagem nova-iorquina e citadina do realizador. Sintra, por seu lado, mantém a sua beleza, a sua natureza e o peculiar misticismo que contagia personagens passageiras lideradas por Isabelle Huppert, Brendan Gleeson, Greg Kinnear, Jérémie Renier, Marisa Tomei e o português Carloto Cotta.

Até mesmo na sua abordagem, “Frankie” é “estrangeirado”; um americano que se aproxima à memória europeia, às réstias “rohmerianas” que compõem as férias de uma família privilegiada que encontra nesta serra a catarse para os seus assuntos pendentes, deixados na outra costa.

Sachs encontrou-se connosco no terraço da Unifrance, a poucos metros do Palais du Festival de Cannes, para falar sobre o filme, ainda fresco, recorrendo às suas memórias e à sua posição cinematográfica. Expressou a sua admiração por Huppert que, segundo o próprio, a par de Catherine Deneuve, é uma relíquia do cinema francês sem igual.

As romarias de um dos mais interessantes realizadores independentes norte-americanos em terras lusas e um elenco internacional de fazer inveja, “Frankie” é o seu mais arriscado desafio.

Porquê a escolha de Sintra para as filmagens?

Estava a viver em Portugal com a minha família já há uns 4 meses e meio e, durante muito tempo, pensei em fazer um filme sobre uma família. O meu co-argumentista, Maurício Zacharias, brasileiro com “costela de português”, conhecia aqueles lados [Sintra]. Tudo isto acabou por desencadear uma memória minha. Estive de férias naquela zona quando tinha 14 anos, em 1979; com a minha mãe e as minhas duas irmãs. Lembro-me de ter um diário e todos aqueles elementos que caracterizam uma adolescência, ou seja, luxos. Eu e o Maurício permanecemos lá durante 10 dias e começamos a conhecer os cantos. Com essa viagem formou-se uma história que se enquadraria com aqueles cenários e as “coisas” que por lá vi.

Quanto a esta sua colaboração com Isabelle Huppert? Como a convenceu a entrar no seu filme? [risos]

Sempre a admirei e desejei desde sempre trabalhar com ela. A Isabelle Huppert é única, ela tem um tipo de desempenho que me interessava submeter aos meus filmes. Diria mesmo que é um tipo de desempenho europeu. Muito europeia, ela é. Já trabalhei com atores dinamarqueses, russos e até mesmo latino-americanos. Por norma, prefiro trabalhar com atores não-americanos, por diversas razões.

No caso da Isabelle, ela abordou-me depois de ter concluído “Love is Strange” e desde então falamos ao ponto de conhecê-la melhor e, por fim, decidimos trabalhar juntos. Tinha esta ideia de um filme sobre uma família em férias, possivelmente inspirado na obra de Satyajit Ray, “Kanchenjungha”, sobre uma família que passa férias nos Himalaias. Queria replicar esse efeito e, sobretudo, a sua estrutura narrativa, visto a intriga decorrer em apenas um dia. Era esse o meu maior motivo para trabalhar com a Isabelle. Nunca faria um filme com ela em França, não tenho as ferramentas necessárias para isso. Mas a Isabelle é uma espécie de espaço à parte, e isso funcionou comigo.

Nunca filmaria Huppert em França? Sente-se intimidado?

Não é uma questão de ficar intimidado, é uma questão de intimidade, é o que falta na minha relação com França. O que acontece em comparação com Portugal é que me sinto capaz de contar uma história aí. Obviamente que teria que ser sobre uma família estrangeira de férias, porque nunca iria fazer um filme em Portugal sobre a cultura portuguesa. Não teria essa capacidade.

Em “Frankie”, o filme, não conseguimos diferenciar a personagem da atriz. Em certo ponto, há quase uma requisição do seu alter-ego, da imagem que temos dela na indústria.

Sim, julgo que da maneira que o filme está concebido, desde a sua abordagem até à mise-en-scène, o espectador está sempre ciente da personagem e do ator. E não é apenas o caso de Isabelle. Existe todo um trabalho de set e uma relação com a natureza que nos faz querer olhar para estas personagens / alter-egos.

Acima de tudo, os cortes não são devido aos ênfases, mas porque simplesmente as personagens movem-se por entre os espaços. Com isso digo que os atores apenas interpretam e essas personagens são algo nuas, de certa forma pouco trabalhadas porque estão presas à imagem que temos destes profissionais. É um ato muito europeu, próprio do que se fazia nos anos 70, que reflete sobre essas relações. É como, por exemplo, os filmes do Fassbinder: temos Maria Braun e Hanna Schygulla ao mesmo tempo, são a mesma figura diluída. Penso que este filme é sobre os prazeres da vida. Aliás, sobre a vida acima da morte. Sobre a beleza. Para mim, uma das belezas deste Mundo é a sua beleza teatral.

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Frankie (2019)

“Frankie”, mesmo apresentando os seus conflitos, é quase um filme rodeado de positivismo.

Não diria positivo, porque existem ainda conflitos nesta família. Os subenredos que utilizo, que são três principais: a ligação pai/filho, marido/mulher e as duas amigas que vêm desvendar uma espécie de “women buddies movie” levam-me a uma espécie de cruzamento de géneros. Todos aqueles enredos são guiados por teores diferentes uns dos outros, e isso agrada-me. Não gosto de me restringir-me a um só género, penso que o Cinema é mais que isso, assim como a Vida. Tem um pouco de tragédia, como um pouco de comédia. Cada um tem a sua história e a sua experiência, e o facto de ser um filme de elenco é a representação de como encaro a Vida actualmente.

E a constante referência a “Star Wars” no filme? Provocação ou desejo?

Diga-me outro filme que seja mais identificável que “Star Wars”? Para a indústria é quase o pico, uma espécie de credibilidade reconhecida em Hollywood. É algo que estamos cientes, em qualquer lado e em qualquer momento poderá ser gravado um novo filme de “Star Wars”. Por isso, em termos simbólicos, é que citei esses filmes. Tentei criar um contraste de alguém inserido no universo arthouse, o criativo artístico cinematográfico que se vê na conceção de um filme desta franquia. É um conflito interno de reafirmação na indústria. Foi um elemento que joguei como cómico, um deleite.

Se lhe fosse proposto realizar um filme “Star Wars” ou outro de uma grande saga, aceitaria?

Não aceitaria … quer dizer, eles estariam a cometer um erro [risos]. Uns dos clientes do meu agente, realizadores independentes de Sundance, trabalharam para um daqueles filmes de super-heróis. Aquele com a Brie Larson?

“Captain Marvel”?

Isso. Mas eles são ainda novos [Anna Boden e Ryan Fleck]. Eu, por outro lado, tenho 53 anos e preciso do meu “final cut“. Por isso, não. Não faria um filme desses. Não a esta altura da minha vida. Prefiro fazer filmes a 4 mil dólares.

Não é só “Star Wars” que é mencionado, Nova Iorque é constantemente invocada por estas personagens e há pouco referia “morrer em Nova Iorque”. A “Big Apple” não o abandona, nem mesmo nos seus filmes?

O que Nova Iorque tem de mais maravilhoso é que já não é mais maravilhoso. Encontra-se marginalizada e igualmente globalizada. Enfrenta imensos problemas que hoje em dia várias cidades também enfrentam e visualmente já não possui o brilho de outrora. Já não nos agarra. Só que as pessoas continuam maravilhosas como sempre foram, desde que me mudei para lá em ’84. É uma cidade sonhadora, porque as pessoas instalaram-se pelos seus respetivos sonhos. Por isso é que neste filme, Nova Iorque é apresentada como uma fantasia, uma utopia.

Gostaria que me falasse daquele plano final. A forma como conseguiu captar o misticismo daquele lugar. Queria deixar uma nota à fotografia de Rui Poças…

Eu não sou uma pessoa ligada à mística, mas consigo experienciar o espanto, aquilo que denomino de “OH”. A vida é um “OH”, como também associo à escala, grandiosidade e ao mesmo tempo modéstia, e um lugar como Sintra. Aliás, aquele local do final inspira o meu senso de exposição. Sinto-me nu perante aquilo. Foi como se estivesse em Nova Iorque, a morrer à velocidade de um piscar de olhos. O “OH” é como se fosse um Deus para mim, que me faz reconhecer a minha falta de importância.

E como conseguiu “coreografar” aquele momento?

Tínhamos um batedor que nos garantiu acesso aos mais remotos e belos locais da região. Por vezes é na rotina desses mesmos sítios que nos apercebemos o quanto podem e devem ser filmados. E eu estava à procura de uma localização final. Possivelmente, estive nesse local mais de 15 a 20 vezes. Porém, foi no dia em que filmamos a cena final que ele recomendou que esperássemos para experienciar aquele efeito. Coisa de 20 minutos, para que o Sol interagisse com a água e o resto é aquilo que se vê no ecrã. Foi algo aparentemente mágico, para ali, naquele exato local. Era mais que o normal, mais um dia.

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Frankie (2019)

Por acaso, não falava da manifestação natural em si ou da sua grandiosidade. Referiam-me à posição e movimento dos atores, que pareciam sincronizados com aquele pôr-do-sol.

Sim, mas foi tudo repentino, apenas experienciado no momento. Filmamos e esperamos que o Sol descesse e o resto foi saindo à medida que o pôr-do-sol concretizasse. Comecei a minha carreira como encenador de teatro e naquele momento bloqueia-me quanto à direção dos atores; como iria colocá-los, como se movimentarem, quem e onde. Foi então que tudo começou a fazer sentido para mim; aquelas figuras encontraram os seus destinos, e moveram-se à luz do Sol como se fossem uma animação. Tinha em mente as suas silhuetas, as sombras, nada mais. Poderiam ser bonecos ao invés de pessoas de carne e osso, poderiam ser, sei lá, o Rato Mickey. O que aconteceu foi que de um momento para o outro imaginei os movimentos de cada um e executei a cena. Assim, nasceu aquela cena.

Diga-me qual foi o momento que o motivou a seguir o Cinema?

Bem, diria que foi o divórcio dos meus pais. Naquela altura, nos anos 70, era comum o pai levar a criança ao cinema como forma de preencher o tempo perdido. Desde cedo criou-me uma intimidade com a Sétima Arte, até mesmo quando me mudei para Paris ia constantemente ao cinema ver filmes franceses, alguns deles sem legendas em inglês. Lembro dos Truffauts que vi, no “Sem Eira Nem Beira” (“Sans toit ni loi”) da Varda.

Falava há bocado do “final cut” e dessa liberdade. Como um realizador bem ativo, como resiste para preservar essa emancipação e a mesma prolificidade?

Foi difícil manter o ritmo, mas tudo se facilitou a partir de “Keep the Lights On”. Ou seja, tinha um projeto antes, em 2009, para o qual não consegui financiamento, nem mesmo na indústria independente, e como tal comecei a imaginar formas independentes de conseguir financiar os meus filmes. Comecei a angariar o meu próprio dinheiro, não havia produtor algum que fizesse isso por mim. Atualmente, afirmo que sou uma espécie de Cassavetes ou Shirley Clarke quanto aos métodos de produção independente em relação à economia tradicional.

E está a funcionar esse método?

Sim, de momento está a funcionar.

Pensa voltar ao teatro?

Não penso fazer mais teatro, porém, ando com uma ideia e quero avançar num musical do “Love is Strange”. Atenção, quero lançar a ideia, mas não  me quero comprometer a ser o encenador ou o guionista.

Espera uma produção digna da Broadway? [risos]

Quem sabe. Poderia ser um musical integral dirigido pelo mesmo encenador de “Rent”. Já estou a imaginar. [risos]

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