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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Emoldurar Mumbai ...

Hugo Gomes, 10.08.19

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Há cinco anos, o sucesso de “A Lancheira” (“The Lunchbox”) demonstrou a uma grande maioria, por vezes preconceituosa, que existia mais cinema indiano para além da fórmula de "Bollywood" ou das visões de gringos "à lá Dev Patel" e "Slumdog Billionaire". Quem conseguiu esse feito foi o realizador Ritesh Batra, ao conservar em âmbar um panorama cultural que era fundido numa narrativa tão convencional e nem por isso menos apaixonada. Obviamente, que o cinema indiano não se resume, ou se resumiu, às tendências atrás referidas, mas foi com a história da involuntária troca de uma lancheira que despoletou um romance fantasioso que colocou estas novas audiências no trilho da sensibilidade hindi.

Após “A Lancheira”, Batra iniciou uma digressão pelo mundo fora, com paragens obrigatórias no Reino Unido (“The Sense of an Ending”, em 2017) e nos EUA (“Our Souls at Night”, em 2018, que reuniu Robert Redford e Jane Fonda) até regressar a Mumbai com um outro romance de achados. Uma fotografia é agora o objeto catalisador de uma nova fantasia amorosa, com ligações terrenas a questões de castas, divergências religiosas e discriminação na sociedade indiana onde os tons de pele são indicadores de um estatuto social trabalhado desde os primórdios do indivíduo.

Infelizmente, “Fotografia” (“Photograph”) perde-se por essa denúncia, mesmo estando subtilmente endereçada aos gestos e diálogos das suas personagens. É nas relações entre esses novos peões das teias romantizadas de Batra que descobrimos mais o fascínio de quem está a regressar à sua cidade após anos na estrada e menos propriamente dedicado a elaborar o seu enredo e, acima de tudo, a sua mensagem. Talvez seja essa familiaridade, em que as audiências ocidentais perdem-se nos pequenos pormenores, elucidadas em desvendar os pontos-chaves do argumento. Um engano consequencial derivado da narrativa convencional e por vezes anglo-americanizada, que serve de disfarce perante o reconto da história de um homem completamente envidraçado em Mumbai.

Apesar disto, os elementos de um espetáculo ao coração são de um cuidadoso rigor, da fotografia de cores salientes que emana um exotismo onipresente (para uma obra intitulada de “Fotografia”, o visual teria que ser uma referência) ao um som envolvente que somente é interrompido com uma banda sonora melosa (de Peter Raeburn). Mas o que há para se fazer sob estes termos? A resposta está numa das cenas principais, quando o casal protagonista, após uma ida ao cinema local, refere, em jeito de filosofia barata, que "os filmes de hoje são todos iguais". Talvez tenham razão, porque conforme seja a geografia, a fórmula volta sempre a repetir.

O terror não tem aqui um bom "Era uma Vez…"

Hugo Gomes, 08.08.19

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Para Portugal, o fenómeno pode ter passado ao lado, mas para uma criança norte-americana em plena década de 80, o livro “Scary Stories to Tell in the Dark” foi um dos marcos, e possivelmente a iniciação ao universo de terror. E que início! Escrito por Alvin Schwartz, a trilogia de livros apresentavam uma antologia de histórias de terror, que de certa forma se estabeleceu como paralelo ao dito "boom" de tais elementos no género no cinema (inclusive a expansão do videoclube e do "direct-to-video").

Como esperado, os livros foram vítima de um forte criticismo por parte de pais que consideravam tais histórias, que envolviam assassinatos, canibalismos e outros “ingredientes” do macabro, inapropriados para a “recomendada” faixa etária. Naqueles tempos, a desaprovação generalizada ainda foi fortalecida com as sinistras ilustrações de Stephen Gammell que acompanhavam os textos, que para quem cresceu com os livros garante ser combustível para pesadelos.

Numa Hollywood como a de hoje, tudo o que mexe e tem alguma popularidade é motivo de adaptação. A chegada ao cinema desta curta saga literária já se encontrava planeada desde a compra de direitos, por parte da CBS Films, em 2013, mas o processo foi longo e cheio percalços que legalmente podemos apelidar de “divergências artísticas” até que, sob a benção de Guillermo Del Toro, surge a conversão cinematográfica de uma das primeiras "faculdades de terror" para muitos adeptos do género. O problema é que "Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro" (“Scary Stories to Tell in the Dark”) surge transformado numa quimera de tudo o que é bafiento no panorama atual de produção.

Mais trágico do que um filme incapaz de colar um legado em matéria fílmica é vermos o promissor norueguês André Øvredal, realizador sensação de “Trollhunters” que não se saiu mal na produção americana "The Autopsy of Jane Doe", a ser engolido pela ambição dos seus produtores em criar um produto certinho para as tendências em voga: se existe um tom repescado dos anos 80, uma espécie de terror reduzido à perspectiva infanto-juvenil (o leitor poderá identificar tal em “It”, “Stranger Things” e até no recente "Child's Play"), também é evidente uma narrativa esterilizada que revê o atmosférico como um mero punhado de "jumpscares".

Há uma “tentativa” de estabelecer uma aura de história de meia-noite, dissipada pela imperatividade do caderno de encargos (como abrir portas a um "franchise" ou nunca realmente transgredir para respeitar as limitações etárias do seu público-alvo) e do anonimato do seu realizador e ao mesmo tempo produtor (a “Pale Woman” é o único vínculo estético ao imaginário de Øvredal). Para piorar a experiência, um  elenco sofrível de jovens oferece personagens sem credibilidade e predomina um CGI também ele … sofrido.

"Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro" é um exercício decepcionante no género terror que apenas acerta e conserta no "zeitgeist" temporal ao localizar a história nos anos 60. A delícia que é ouvir algo como “Night of the Living Dead! O Melhor Filme do Ano”, depois de uma “Season of the Witch”, de Donovan. E um início prometedor na companhia de um verdadeiro "monstro" de Halloween: a eleição de Richard Nixon para a presidência dos EUA. O resto é … "peanuts"!

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