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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Para Fellini todo o Amor é pouco

Hugo Gomes, 30.06.19

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Porque Fellini é uma das figuras mais importantes da minha cinefilia, foi com total agrado que revejo La Voce della Luna (A Voz Da Lua), desta vez em grande ecrã na Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema. O filme continua, após estes anos todos, a apresentar aquela aura melancolizada, um adeus a um cineasta distinto e tão próprio. Não me interpretem mal, mas foi melhor assim, o panorama do audiovisual italiano estava a mudar drasticamente, a televisão adquiria a sua dominância frente a Sétima Arte, e esta cada vez mais despida pelas constantes “despedidas” dos maestros. Fellini era uma espécie de fóssil vivo, não se adaptava, apenas lutava para manter o seu imaginário livre, e simultaneamente fechado. O Cinema era o seu refúgio, a sua mentira prolongada, as suas memórias enfeitiçadas pelo brilho da Lua.

Que saudades tenho de Fellini!

Na cama com "Sibila" em batalhas em Solferino. Uma conversa com Justine Triet

Hugo Gomes, 29.06.19

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Virginie Efira em "Sibyl" (2019)

Em 2013, Justine Triet deu nas vistas num enredo de sarilhos parentais num dia crucial das presidenciais francesas. A rua de Solférino tornou-se  num verdadeiro campo de batalha, revelando ao Mundo uma das mais vibrantes captações de multidão no cinema desde as guerras ideológicas de Serge M. Eisenstein. “La bataille de Solférino” proclamou um novo nome da cinematografia francesa.

Mas o que aconteceu em Solférino ficou em Solférino e Triet apostaria em filmes mais contidos e visualmente menos caóticos, pedindo auxílio à atriz Virginie Efira para a conduzir em retalhos da feminilidade no seu esplendor. Com o sucesso de “Victoria” (“Na Cama com Victoria”), realizadora e atriz regressam ao divã com “Sibyl”, filme que relata os dramas existenciais de uma psiquiatra aprisionada pelo passado que parte para a rodagem de um filme (a atriz principal é uma das suas clientes) para se reencontrar com ela própria e completar o seu livro.

Integrado na Competição do Festival de Cannes, falei com Triet num momento em que o filme é visto como estandarte da representação feminina em diversos festivais mundiais, não conseguindo evitar as questões que dominam o corrupio dos press junkets e conferências de imprensa.

Como surgiu a ideia para este filme?

A minha ideia era ter esta personagem cuja profissão consiste em ajudar os outros, mas que não pode ajudar-se a si. Uma espécie de contradição que a levará a uma vida constantemente repartida e caótica.

Devo dizer que existem muitos meios que apressaram-se em apelidar o seu filme de “denúncia à masculinidade tóxica que condiciona a personalidade das mulheres nos mais diferentes estados da sua vida”. Concorda com estas reflexões?

Não vejo o filme dessa forma, nem completo, nem durante o processo de produção. O que vejo é a história de uma mulher que é confrontada pelo passado, e como tenta lidar com estas suas decisões. Aliás, como consegue superar o peso dessa sua história? Neste caso, decide escrever um livro, o que é uma boa forma de reconciliar-se com os seus “demónios”.

A segunda parte de "Sibyl", a Triet passa a ação para a ilha de Stromboli. Para os cinéfilos, o local é incontornável. De alguma forma é uma referência ao clássico de Rossellini? Será a nossa Sibyl uma espécie de Ingrid Bergman?

Não tentei com isto replicar os passos de Rosselini, nem sequer fazer uma referência direta ao clássico. Stromboli tem aqui um papel quase emocional para com a protagonista, a qual acompanhamos numa primeira parte totalmente focada na prisão da sua mente. Ela tenta buscar inspiração para o seu livro, mas é constantemente cercada pelas sombras do seu passado, o que faz com que a ilha se torne numa inspiração, num regresso à realidade, mesmo sendo um ambiente completamente novo para Sibyl. Stromboli é um lugar saturado de uma sensação de ficção e como cenário é absolutamente cinematográfico, irreal para aquela parte do Mundo. Quando a protagonista embate nesse lugar, entra em ação, numa suposta realidade que a deixa confusa com esta dita ficção do real, desta exceção. Por isso, sim, mais do que referenciar, a ilha tem um propósito de psicanálise.

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Justine Triet

Já deve ter percebido que no festival a questão das mulheres no cinema é tema para durar. Visto o seu filme estar presente na Competição, surge uma espécie de “responsabilidade” da sua parte. Como realizadora sente não conseguir atingir os seus maiores objetivos por ser mulher’

No meu caso, sinto-me bastante livre. Sempre pude abordar aquilo que quero e trabalhar com quem quero, mas talvez seja eu, uma privilegiada. Mas nunca me senti presa a nada pelo facto de ser mulher. Contudo, tenho conhecimento de que muito tem que ser feito nesse aspecto, sei que ainda existem diferenças abismais salariais em vários casos, sem falar do acesso à indústria, que sempre foi dificultado consoante o género. Em França, tal cenário não é dos piores, mas ainda existe. Ainda há muito para fazer.

Não só em relação às mulheres, mas também às minorias …

Sobre as questões de cinema feito por mulheres e minorias, só o facto de discutir sobre isso deixa-me infeliz. Eu assinei a petição 50-50 e o que vejo, tendo em conta os números, não é muito confortável. Não consigo dar uma solução para isso, mas faço o que posso, tentando atingir a paridade na minha equipa, porque quando falamos de igualdade não devemos restringir-nos aos cargos de realizador, mas a todo o sistema. Penso que devemos questionar o facto de nas escolas de cinema, principalmente La Fémis, termos este 50-50 e depois o resultado não se vê na indústria. O que realmente se passa? O que aconteceu a estas estudantes? Porque é que não vemos este número de mulheres a chegar à indústria e aos grandes cargos no cinema? Isso devemos, mais que tudo, questionar.

A igualdade não se emprega apenas às mulheres; a indústria francesa ainda tem muito que fazer quanto às minorias. Não temos uma representação justa, dentro ou fora do ecrã. São questões que debatemos constantemente e temos o conhecimento que o percurso ainda é longo.

Mas no seu filme não vemos essa representação.

Sim, tens absolutamente razão, friso, estas questões são importantes e ainda mais temos de lutar por elencos diversificados. O que acontece neste caso é que não houve muita diversidade no casting e nas escolhas dos diretores de castings. Não estou a culpá-los, eu também tenho culpa no cartório, aliás, temos todos culpa de alguma forma. O sistema precisa mudar, é claro.

Por exemplo, eu vi muitos possíveis maridos de Sibyl e até a certa pensei em preencher a lacuna da minoria com este papel. Mas isso é também uma forma de racismo, concentrar as minorias a papéis secundários, como fosse uma espécie de preenchimento de quotas. Não cedi por isso mesmo, eles merecem melhor e a escolha não seria de todo natural.

Os seus dois últimos filmes abordam uma feminilidade longe da farsa vendida pela sociedade. Obviamente, como homem, não sou a melhor a pessoa para fazer estes apontamentos, mas nos seus filmes o sexo nem sempre é bonito e uma noite de copos é da maior parte das vezes caótico. Este desencantamento é uma aproximação do real, do dia-a-dia das mulheres?

Sinto-me livre nesse sentido, o que me garante a possibilidade de representar aquilo que penso. É um ato constante e possivelmente egocêntrico, mas nos meus filmes eu inspiro-me diversas vezes na minha pessoa. Com isto, submeto-me aquilo que gostaria de ver no grande ecrã. Obviamente, como mulher, gostaria – acima de tudo – de ver personagens femininas da forma mais real possível e penso que as espectadoras também o desejam. Quanto às cenas de sexo, tentei replicar o mais credível possível, não só visualmente, mas emocionalmente.

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La bataille de Solférino(2013)

Gostaria de referir “La bataille de Solférino” ("A Batalha de Solferino"), um filme visualmente de grande escala em comparação com estes seus dois últimos trabalhos, mais contidos e intimistas …

Mas Solférino foi feito sem dinheiro algum.

Sim, não estava a referir ao orçamento, mas na sua conceção. Foi um filme mais trabalhoso?

Ah sim … foi. Entendi mal … peço desculpa.

No caso de Solférino, como eu vim do universo do documentário usei essas mesmas habilidades para conduzir o filme. Filmamos quase sem dinheiro e utilizei a multidão que estava nas ruas durante as eleições presidenciais desse dia. Ou seja, através do documentário entrei na ficção. Em certa parte, Solférino foi uma espécie de conflito dessas duas dimensões. Atualmente, os meus filmes são mais ficcionais, o que lhes garante uma maior liberdade na sua criação.

Por exemplo, como fã do Shyamalan, reconheço que “The Visit” tenha sido um filme mais complicado de concretizar que as outras suas produções, tudo porque o realizador trabalhou sem dinheiro e teve que usar a criatividade para superar essas dificuldades. Contudo, não percebo como é que alguém pode afirmar que “sem dinheiro, não se pode fazer filmes“. Essas dificuldades só servem para desafiar-nos enquanto realizadores e procurar alternativas quanto à sua produção.

Personalidade monetária em Spider-Man: Far From Home

Hugo Gomes, 28.06.19

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É simplesmente frustrante, que depois do circulo encerrado de Endgame, a Marvel / Disney aposte na irrelevância dramática que as suas personagens parecem extrair. Em Far from Home, para além da fotocópia técnica e narrativa que estes filmes ostentam, é o deslumbre pelo militarismo ou high-tech injetado para conduzir a trajetória do seu merchandising.

Ai, Sam Raimi … que saudades tenho da tua dinastia e o carinho que havia por estas personagens.

Nesta realidade alternativa The Beatles vão, mas Ed Sheeran fica!

Hugo Gomes, 26.06.19

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Imaginem que, de um momento para o outro, nenhuma vivalma se lembra dos The Beatles, exceto vocês … o que fariam?

Para o músico falhado Jack Malik (Himesh Patel, em estreia absoluta no cinema após anos na televisão), esta anomalia é a oportunidade de conquistar a carreira que tanto ambicionava e muito mais que isso. "Yesterday" mexe em lapsos temporais e poderia suscitar um debate sobre a importância da mítica banda britânica na herança musical e na contemporaneidade da cultura pop.

Poderia? Danny Boyle, ao serviço de Richard Curtis (um dos mentores da comédia romântica dos anos 90 e na viragem do século, com “Notting Hill” ou “Love Actually”), apenas entrega o açúcar pretendido por uma audiência esquecida do fenómeno "beatlemania". O que acontece é que toda esta jornada de ascensão no mundo da música sempre resultaria num filme marcado pela devoção ao legado da banda. Mas não é isso que está em causa.

Para explicar este anti-fenómeno, destacam-se duas cenas que se conjugam, quer simbolicamente, quer sequencialmente: a primeira, a reunião entre os não “olvidados” e um “submarino amarelo” à mistura e a segunda, um reencontro inesperado pronto a fazer explodir corações "beatlemaníacos". São momentos que rasgam ocasionalmente o filme da sua capa estereotipada e declaram o pouco amor que tem pelo espólio que usufrui. Mas algo está mal aqui. Aliás, no final da segunda sequência, um abraço apertado é automaticamente cortado (como ferimento certeiro, mas doloroso) pelo novo single de Ed Sheeran. Um autêntico balde de gelo para quem procura um filme em total órbita com essas temáticas e não lisonjeando o contemporâneo ruivo cantautor e toda a cultura pop adjacente.

Soará a implicância, mas só a referida atitude, de usar o “moderno” como transcrição entre atos, é uma representação de que este “Yesterday” deseja falar para os mais nostálgicos, aqueles amantes desses filmes de mel e purpurinas que ajudaram a estabelecer um género. E para isso, em certo tom niilista, converter tudo a uma miopia cultural. Para o “manda-chuva” Richard Curtis, The Beatles é somente o impasse das escolhas românticas dos protagonistas ou da generalização infantilizada dos males capitalistas. Como um “Stop in the name of the money” [“Parem em nome do dinheiro”] que grita desesperadamente Kate McKinnon, a agente sem compaixão, após a epifania que sublinha a negrito o moralismo cristão-sedentário do qual chamamos de final.

É como queimar livros, ou neste caso, queimar discos para erguer o produto ingénuo e imaturo trazido vezes sem conta por esta indústria viciada. A juntar a isto, este é um dos trabalhos mais fracos de Danny Boyle no que requer à montagem, fazendo uso de uma estética desengonçada e de planos na diagonal sem provas de existência, um olhar tão “Trainspotting” que não funciona perante o brinde de estúdio e de corações amolecidos deste “Yesterday”. Um verdadeiro engodo.

"Linhas Tortas": porque jamais se endireitam …

Hugo Gomes, 23.06.19

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Por linhas tortas, Deus escreve direito! Os desígnios do destino transmitem a natureza deste “encontro” entre duas almas conturbadas numa cidade que cada vez mais se associa ao universo das redes sociais; aqui ninguém se toca, apenas deseja-se.

Os afetos são distanciados em lugar térreo enquanto as personas virtuais se aproximam num espaço não-físico, tendo como consequência a deterioração das relações “concretas” e a sobrevalorização dessa presença espectral no digital e tecnológico. Linhas Tortas, sim, assim intitulado este filme de Rita Nunes, realizadora experiente da televisão, mas que antes revelou-se na sua curta de final de curso (“Menos Nove”, que foi premiado em Locarno), vem beber dessa (desi)interação da mesma forma que Fernando Lopes ficcionou o seu penúltimo filme: “Os Sorrisos do Destino” (2009).

Uma salada simples de elementos que graficam um espaço urbano pelas rotinas deturpadas das suas personagens, com Joana Ribeiro e Américo Silva, desafiando o antagonismo anexado ao chamado “ageismo” num romance de quarentena onde a questão de trocas de identidades vai acelerando a intriga para um iminente choque. Contudo, a procrastinação é cúmplice da passividade e esses atributos acompanham o júbilo destas identidades tecnológicas. Aqui, as redes sociais são apenas desculpas para o bovarismo das personagens, presas de um lado ao seu cinzentismo, e do outro ao pessimismo de um futuro incerto. É o tema de “Linhas Tortas” que nos leva a esmiuçar o nosso quotidiano, e sobretudo a cedência deste para com a nossa dependência virtual. A sugestão não é levada para filosofias. Mais do que poucos recursos, existe no argumento desenvolvido por Rita Nunes e Carmo Afonso uma vontade de simplificar.

Até porque é a simplicidade que dita os costumes, e é nela que encontramos a mais sincera das suas virtudes. Nunca indo além do visto, sentido e possuído, por vezes é esse mesmo simplismo que falta no seio do cinema português. E não falo do chavão de “somente contar uma história”, mas restringir-se aos básicos códigos da narração em prol de uma interpretação clara.

Há algo de fresco e revitalizado por estas bandas, e não é somente a energia trazida por «Not for me» de Bobby Darin.

Um 'papão' chamado Mitchum

Hugo Gomes, 22.06.19

No documentário de Bruce Weber - Nice Girls Don't Stay for Breakfast – apresentado no Indielisboa, o ator Benício Del Toro confessou e revelou os dois “monstros” que o apavoravam-no enquanto criança, Drácula e Robert Mitchum. Parecem díspares … mas não tanto assim.

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The Night of the Hunter (Charles Laughton, 1955)

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Dracula (Tod Browning, 1931)

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The Night of the Hunter (Charles Laughton, 1955)

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Dracula (Tod Browning, 1931)

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The Night of the Hunter (Charles Laughton, 1955)

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Dracula (Tod Browning, 1931)

"Dance to me to the end of love"!

Hugo Gomes, 13.06.19

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8 1/2 (Federico Fellini, 1963)

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Scent of a Women (Martin Brest, 1992)

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Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)

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Mia Madre (Nanni Moretti, 2015)

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 The Lobster (Yorgos Lanthimos, 2015)

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Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963)

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Le Notti Bianche (Luchino Visconti, 1953)

A saga renasce das cinzas para morrer na praia

Hugo Gomes, 05.06.19

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Concebido por John Byrne e Chris Claremont em 1976, a chamada “Saga da Fénix Negra” é um dos capítulos incontornáveis da BD "X-Men", reciclado inúmeras vezes nos "comics" e no formato audiovisual. De facto, este novo filme do "franchise" cada vez mais mal amparado do estúdio Fox demarca-se como a segunda volta neste mesmo enredo: a versão original ganhou terreno há 13 anos com “X-Men: The Last Stand” (2006), de Brett Ratner, com Famke Janssen nas lides desta mutante descoordenada que acabava por adquirir o seu requisitado, mas nunca satisfatório, fim trágico.

Agora, com um reinício temporal acentuado na aventura de 2014 (“Days of the Future Past”) e ignoradas as coerências narrativas, seguimos de reboque para um final apressado da saga "X-Men", assim ordena a transladação de espólio e de direitos: para quem não sabe, grande parte do património Fox instalou-se agora na alçada da Disney.

Não é fácil de atenuar esse sentimento de desfecho abrupto de quem vê uma espécie em vias de extinção que, sem braços fortes (apesar de ser tabu nos dias "Time´s Up" de hoje atribuir virtude à contribuição de Bryan Singer), braceja para não se afogar. A resistência é em vão: “Dark Phoenix” não reage bem aos novos tempos e na pressão em atribuir uma dignidade à sua derrota, com isto afirma-se que por entre previsibilidades e risibilidades. Este é um filme que oscila entre o automatismo industrial e as réstias de pretensiosismo herdado. Contudo, o desastre megalómano que fora “X-Men Apocalipse” (2016) tornam este resultado menos deplorável, o que não é muito face a uma trajetória que se posiciona para tentar erguer a sua estrela – Sophie Turner ("Game of Thrones") – como a nova face desta tragédia "a lá Stan Lee". E a jovem atriz até não é uma aposta perdida, visto que revela mais emotividade que a anterior Famke Janssen.

O resto resume-se a um grupo de mutantes sem carisma nem fibra para aguentar a pedalada (com exceção de Michael Fassbender), uma narrativa apressada em focar-se nos lugares-comuns deste enredo consumado e um (falso) tom épico que só parece encontrar par com a banda-sonora onipresente de Hans Zimmer. A juntar a isto tudo, o que para muitos será o menos importante deste tipo de produções, é o anonimato trazido por uma estreia na realização do produtor e argumentista Simon Kinberg.

Depois deste… não diremos um acidente percurso, mas um filme acidentado e sem motivação de entregar um final concretizado, o que temos é um "suicídio assistido". Chegados aqui, os fãs têm razões para sorrir porque a Disney fica com a "chaves" da saga e daqui a sensivelmente cinco anos veremos os mutantes a chegar ao Universo Cinematográfico Marvel.

Mesmo que essa reintegração, ironicamente, não vá ser uma mais-valia, pois para uma série que alude um certo ativismo político-social, a chegada da Disney significa uma provável perda da sua artificial emancipação...

No «Verão» das cinebiografias musicais … nem todas as vidas são iguais!

Hugo Gomes, 01.06.19

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"Sem romances escandalosos, as biografias de cantores de rock seriam inúteis"

Frase essa que poderia colar como etiqueta às vivências materializadas de Elton John em “Rocketman”, o filme que segue a tradição industrializada de “Bohemian Rhapsody” no universo das biopics musicais. Mas não é. A citação integra um outro filme que em Portugal partilha o cartaz com a produção hollywoodesca protagonizada por Taron Egerton: “Leto”, do russo “maldito” Kirill Serebrennikov.

Estreado na 71ª edição do Festival de Cannes, “Leto” (“Verão”), assumiu-se como uma lufada de ar fresco nesse subgénero cada vez mais datado -a cinebiografia -, no preciso momento em que injetou na sua narrativa de ascensão uma realidade paralela que se aproximava à repressão vivida por estas personagens numa Leningrado sob a sombra do sovietismo. Obviamente que esse efeito meta não é de todo uma novidade, poucas biopics usufruíram desse processo criativo para se afastar na linearidade da sua narração. Relembro, sobretudo, a personagem criada no momento [La Gueule] em “Gainsbourg: La Vie Héroïque”, de Joann Sfar, como um desejo de criar uma persona alternativa daquela estampada sobre os códigos românticos do Cinema. Um desejo que apimenta o filme para além da sua geringonça visual, respeitando a natureza de culto envolto da figura.

Em “Rocketman”, de Dexter Flechter, o mesmo dispositivo é replicado, visto que Taron Egerton sob o disfarce de um excêntrico Elton John, tem que se desconstruir perante uma platéia improvisada enquanto recorre ao mais básico engenho narrativo: o flashback. Pelo meio ingressa-se o universo reconhecível da figura, mas sempre em tom biográfico, nunca saindo da dimensão da homenagem, enquanto que Gainsbourg, o culto seguia pela mesma e pela realidade alternada que fora criada desde então, tudo para condensar uma análise-tese para com a vida referida.

Em “Leto”, tais realidades que disfarçam o seu teor de biografia convencional, servem sobretudo para instrumentalizar uma política de emoção. O que sentem aqueles jovens presos a um nefasto medo pelo ocidente? A opressão ideologia pelo qual são diariamente submetidos? A poesia instrumentalizada dentro de conceito de rock que não é rock, mas assumida como rock? Tudo isto para demonstrar que Kirill Serebrennikov fez um filme que se opõe aos códigos ditatoriais do biopic musical, mas que ao mesmo tempo fá-lo entregando o mesmo. Porque nem todas as vidas devem ser iguais umas às outras, “Rocketman” falha por isso mesmo: o de não se conseguir distinguir dos demais.