Corneliu Porumboiu dirige os atores Vlad Ivanov e Rodica Lazar em "The Whistlers" (2019)
Corneliu Porumboiu é um dos nomes reatores do chamado Novo Cinema Romeno, donde surgiram cineastas como Cristian Mungiu, Radu Muntean, Cristi Puiu ou Cãlin Peter Netzer, que perpetuaram uma vaga de filmes formalmente realistas, desencantados e ambíguos para coa vangm as diversas questões políticas e sociais que assombram a Roménia. Ao longo dos anos, esse dispositivo narrativo e estético começou a dar os seus sinais de desgaste, sendo Porumboiu um dos primeiros a abandonar esse percursoc e afastar-se dos conterrâneos ao requisitar um cinema mais próximo dos códigos hollywoodescos. Já o havia tentado em “O Tesouro” (“Comoara” / “The Treasure”) e agora fê-lo com maior plenitude com “A Ilha dos Silvos” (“La Gomera" / “The Whistlers"), um thriller noir minado de humor e ironia, onde um polícia corrupto (interpretado por Vlad Ivanov) terá que aprender uma linguagem à base de assobios para executar um elaborado golpe.
Um filme de traições, cumplicidades e muitos assobios que fizeram Corneliu Porumboiu regressar à Riviera Francesa, ao mais mediático festival de cinema do mundo, Cannes, e desta vez na Competição Oficial. Conversamos com o realizador sobre os seus métodos e processos e sobre este seu projeto que é encarado como um atalho para uma nova veia artística e criativa.
Deixe-me iniciar esta conversa para informá-lo que desde a estreia de ontem à noite [première no Festival de Cannes], começaram a chover artigos sobre o seu filme “pedir uma versão americana”.
Sinceramente, acho que isso é bom [risos].
Porventura, aceitaria realizar um remake deste seu filme?
Não sei não, não me sentiria à vontade para contar a mesma história novamente.
Em A Ilha dos Silvos evidenciamos uma constante desconstrução dos códigos de cinema americanos. Talvez seja isso que fez com que o seu filme seja apetecível para esta “suposta versão americana”.
Eu via imensos filmes quando era criança, desde os filmes de Bruce Lee até aos clássicos canónicos: Hitchcocks, Chaplins e Buster Keatons. A razão foi mais porque vi imensos filmes na minha vida .., não só americanos. Aprecio também o Melville, nomeadamente o jogo de gato-e-rato criado em “Le Cercle Rouge”.
Como surgiu a ideia para este filme?
Este filme estava pensado já há imenso tempo, esta história de um polícia que segue para uma ilha para executar um golpe, aprende uma língua à base dos assobios e essa mesma linguagem torna-se muito mais pessoal que um mero estratagema, tudo foi calculado e trabalhado pacientemente. Desde os capítulos até ao seu ritmo, foi todo um processo que demorou o seu tempo.
Quando trabalhava no Politist, adjectiv, há 10 anos, vi uma série televisiva onde demonstrava esta linguagem, e foi então que me interessei pelo tema e iniciei uma investigação. Escrevi um rascunho, porém, avancei no “When Evening Falls on Bucharest or Metabolism” (…) julgo que depois de “O Tesouro” lancei-me num segundo rascunho, ou seja, regressei a este universo com um guião tão diferente do primeiro.
Foi um processo longo e quando senti que a estrutura estava, por fim, completada, comecei a refletir o tipo de personagens e que atores poderiam encená-las. Para isso, regressei ao noir, um subgénero que não assistia há bastante tempo, e de lá tirei algumas ideias do que poderia ou não reutilizar neste meu projeto.
Catrinel Marlon em "The Whistlers" (2019)
Esta ambiguidade apresentada em todas as formas no seu filme, reflete um pouco o estado social e político do seu país [Roménia]?
Quando faço um filme obviamente que reflito no meu carácter e a natureza ao meu redor, até porque vivemos num mundo em que tudo motiva uma história. O facto de eu vir de um país ex-comunista e que ainda hoje encontra-se assombrado, gere este tipo de filme de ambiguidades rodeado de personagens ambíguas e sobretudo envoltos na temática da corrupção.
Fale-me do seu trabalho com o ator Vlad Ivanov e o porquê da sua escolha no elenco?
É a segunda vez que trabalho com ele. Este filme nasceu envolto dele, construi a personagem com base nele e o resto do elenco foi também baseado, o qual demorei cerca de um ano a formá-lo. Para mim é um excelente e dedicado ator. Por exemplo, neste papel, o Vlad teve que perder “coisa” como 14 quilos em um mês e meio.
Gostaria que me falasse sobre a seleção de músicas que escolheu para formar a banda-sonora deste filme. É que temos aqui uma coletânea bastante diversificada!
A banda-sonora, em certa maneira, é a representação de uma personagem, de um estado de espírito, um cúmplice emocional destas personagens e da narrativa. Porém, o meu maior objetivo neste filme foi materializar a ilha de “La Gomera” através da música. Era importante para mim transformá-la numa espécie de personagem. Adicionei a música enquanto editava as cenas, desta forma pude encontrar o ritmo pretendido. Por exemplo, o Passengers do Iggy Pop que toca no início transmite-me um certo surrealismo e travessia, visto que a cena que a acompanha é a passagem num túnel.
O facto de “A Ilha dos Silvos” ser um thriller noir definido foi também uma forma de apelar a um público mais vasto?
A questão de género surgiu depois do processo de criação. Nasceu da maneira como estava a tratar da temática, aliás, partindo do princípio que chamava a este sistema de assobios de linguagem teria que procurar uma linguagem para este filme. É óbvio que as audiências se identificarão mais com o género, e isso garantirá um filme mais aberto para um grande leque de público.
Faço filmes de 10.000 euros ou 15.000 euros como o “Infinity Football”, por exemplo, mas quando dirigimos filmes de maior escala como este, devemos ter sempre uma noção de marketing, porque o cinema para além de uma arte é uma indústria. Claro que a atitude de entranhar no cinema de género não foi meramente comercial, eu gosto de experimentar ‘coisas’ novas, de me desafiar e explorar novos horizontes. Por isso, encontrei no noir esse novo olhar.
E foi através dele, aliás, os seus últimos filmes têm seguido essa direção, de demarcar sobre o sigilo formal da nova vaga do cinema romeno? Ou seja, afastar-se do estilo que os seus colegas, como o caso de Cristian Mungiu, ainda persistem?
Para ser sincero, não sei responder a isso. Cada um com o seu cinema. Aliás, o cinema é tão grande que cada um pode ir para um trilho diferente. Gosto do Cristian Mungiu, do seu tipo de cinema, das suas personagens, do estudo que faz com elas, dos propósitos com que as retrata. Não vejo porque tem que ser diferente, ou querer ser diferente. Possivelmente, tentei procurar novas formas narrativas, novas estruturas, mas de certa forma sou eu que estou a ir ao encontro das formas clássicas.
Aqui, a minha concentração foi a história acima de tudo, na ação e o mínimo que precisamos para representá-la. São trabalhos diferentes quando temos personagens que se escondem nos seus gestos e que não aguentam close-ups, é uma outra estrutura que nos puxa para uma direção completamente diferente.
Vlad Ivanov em "The Whistlers" (2019)
Mas mesmo andando pelos géneros distintos, a sua filosofia se mantém. Continuamos a evidenciar a corrupção moral das personagens.
O meu interesse é o de fazer filmes, não filosofia. A minha preocupação é tornar possíveis mecanismos que funcionam. Por exemplo, quando escrevo, até mesmo nos documentários, improviso imenso e com isso recuo diversas vezes até ao ponto de partida para perceber o que funciona ou não. Se sigo por um caminho que deparo com algo que não funciona no argumento, volto atrás e percorro outra direção.
E um dos caminhos que seguiu foi o humor. “A Ilha dos Silvos” é rico nisso.
O humor é instintivo, além disso tive que cortar muito no filme e muitas dessas cenas continham diálogos realmente cómicos, mas que sentia que não operavam com o ritmo e atenuavam a tensão. Mas é algo que gosto e que surge naturalmente.
É difícil escrever diálogos de conotação humorística?
Quando escrevo diálogos sou bastante preciso e quanto às situações aqui do filme pesquisei e trabalhei o mais possível. Neste tipo de filme, o da jornada e do protagonista que julga ter tudo controlado mas que há sempre alguém que destrói os seus planos, fez-me requisitar um certo tipo de humor. O quanto a vida pode ser absurda até certo ponto, quando imaginamos ter algo e no dia seguinte não está lá mais, tentei com este mesmo esquema na última parte do Tesouro. Aliás, esse filme foi uma espécie de experiência àquilo que iria tentar com A Ilha dos Silvos.
Diga-me, aprendeu a assobiar após este filme? [risos]
Tentei, mas não consegui. [risos] Devido à minha pesquisa, tenho a teoria mas falta-me a prática.
Quanto a novos projetos?
Não gosto de pensar em novos projetos após terminar um. De momento, não tenho nada planeado.