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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Krahô? Não. O teu nome de Branco?"

Hugo Gomes, 14.03.19

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Ao levantar do pano, conhecemos Ihjãc, um indígena krahô de 15 anos que tenta comunicar com o espírito do seu pai frente à cachoeira. Nesta particular cena, onde a dupla de realizadores tenta construir através de passos simples uma atmosfera mística (o sobrenatural aqui fundido na realidade deste jovem “índio”), é possível encontrar um uso subtil do “olhar de ninguém” enviesado no realismo encenado.

Com isto salientamos que é através das táticas de um cinema de “guerrilha”, um alicerce do docudrama (variante cinematográfico que nós portugueses tão bem conseguimos “falar”), que “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” vai construindo um universo de cumplicidade com o indígena, acima da sua compreensão. É que com a cena inicial, apercebemo-nos o quão próximos estes homens e mulheres estão do seu lado espiritual, encarando-os com uma naturalidade que nós, ocidentais agarrados à nossa “civilização”, somos incapazes de perceber. Mas esse mistério revirará, colocando o nosso krahô num mundo que ele próprio não entende, mas que mesmo assim procura refúgio.

O indígena embarca numa viagem existencialista na “civilização” dos brancos. Vilarejo que surge ao lado da sua aldeia tribal, emanando um contraste entre a espiritualidade quase xamânica com a religiosidade pregadora. Aqui, Ihjãc depara-se com uma verdadeira terra de inoportunidades, “pecados” que minam cada esquina, onde o som salienta os elementos de uma sociedade altamente patriarcal (que vai desde a música sertaneja até ao pastor que prega invisivelmente), entranhadas numa discriminação estrutural com réstias de tendências colonialistas. Por exemplo, quando o indígena recorre a ajuda médica, o equivalente do comício dos espíritos da cachoeira em “terra de branco”, mas automaticamente é abordado de forma desprezada pela enfermeira de serviço no preenchimento do formulário: “Krahô? Não. O teu nome de Branco?”.

É estranho, mas “crises existenciais” soam a “doenças de primeiro mundo”, a dos privilegiados que se contentam com o consumismo fervoroso como o seu novo Deus, e não a do mero pedestre da ancestralidade imaculada (sem com isto reduzir o “índio” a uma imagem de primitivo tendo em conta os parâmetros do civilizado). Porém, é na catarse invulgar que nos deparamos com um subtil filme que fala dos nossos dias, aliás para sermos exatos, do nosso preconceito encarnado pelo qual dificilmente conseguimos admitir. Além de tudo, e de forma mais evidente, "Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos" é o retrato do Brasil de hoje, culminando nos “calores políticos” que todos conhecemos ou simplesmente não queremos entender, assim como o nosso krahô que olha para a terra de brancos com desconhecimento. Todavia, algo que deveremos ter em conta enquanto espectadores é que o Cinema vai para além das imagens projetadas no ecrã.

O Cinema também sai da sala, ou do visor. O Cinema fala-se, debate-se e pensa-se. "Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos" é um exemplo disso: o filme é somente uma pequena porção daquilo que João Salaviza e Renée Nader Messora tentam cumprir, um ativismo que persiste até ao último krahô (sem condescendências). O trabalho deles continuará, assim como prometeram e se comprometeram.

Fome? Jamais!

Hugo Gomes, 09.03.19

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As God is my witness, as God is my witness they're not going to lick me. I'm going to live through this and when it's all over, I'll never be hungry again. No, nor any of my folk. If I have to lie, steal, cheat or kill. As God is my witness, I'll never be hungry again.”

  • Vivien Leigh (“Gone with the Wind”, 1939) Victor Fleming

 

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I will be king. Stick with me, and you'll never go hungry again!

  • Jeremy Irons (“The Lion King”, 1994) Roger Allers & Rob Minkoff

 

O meu Cinema é feito de Mulheres!

Hugo Gomes, 09.03.19

Não é só o dia 8 de Março que as mulheres devem celebradas, aliás, o dia da Mulher deve ser, sobretudo, normalizado. Todos os dias são dias de mulheres, e todas as mulheres fazem parte dos nossos dias. Como tal, eis o meu contributo, as mulheres especiais que integram o meu Cinema … digo por passagem, que são somente algumas.

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"Border": na fronteira do monstruoso

Hugo Gomes, 06.03.19

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Depois de Shelley (que por cá passou unicamente no Festival MOTELx), adivinhar-se-ia que Ali Abbasi direcionasse ao preenchimento de uma lacuna no terror sueco, mas é com “Border” (“Gräns”) que prestamos atenção a uma outra tendência, o uso do fantasioso como matérias térreas da nossa sociedade. Diríamos que em tal território, ergue-se na nossa mente o património de Guillermo Del Toro, aliás, a inspiração que muitos ‘jovens cineastas’ invocam nesse caminhar pelo cinema de género. Não só por essa metaforização materialista, como também a excelência da aplicação dos artifícios práticos, neste caso, e evidentemente, a caracterização e as próteses para dar forma a criaturas tão entranhadas na imaginação, como da nossa recente cultura cinematográfica.

E Abbasi recorre à pequena história de John Ajvide Lindqvist (escritor de outro êxito nórdico do fantástico que é “Let the Right One in”) para endereçar nessa fronteira ténue do realismo encenado e a desencantada fantasia. Nele acompanhamos Tina (uma irreconhecível Eva Melander), uma guarda fronteiriça que para além do seu aspeto invulgar, possui a capacidade de farejar o medo, o que se torna útil na sua caça a atos ilícitos. E é numa dessas inspeções que Tina desencadeia uma autêntica rusga a uma rede tráfico de pornografia infantil. Em paralelo, a nossa protagonista depara-se com alguém semelhante a si.

Por mais que tentamos aqui conduzir por uma alegoria de misticismo nórdico, “Border” é um retrato da desumanização das nossas sociedades cada vez mais aprisionadas aos nossos vícios. E por essa indignação, Abbasi vai compondo um percurso existencialista da sua protagonista, na cedência ao primitivismo das suas origens. Por outro lado, é uma história de ângulos, que se contrapõem, as raízes da bestialidade e a modernidade animalesca. 

Conforme seja o “norte”, os resultados serão os mesmos, apenas expressados em diferentes tons. Com isso, somente a linha intermédia posiciona como a humanização idealizada – a fronteira, sabe-se lá donde, onde Tina revela as suas qualidades no controlo desses atos grotescos para mais tarde protagonizar uma das sequências de sexo mais bizarras da História do Cinema. E sublinhando o grotesco, o filme de Ali Abbasi é um primor no campo da caracterização e efeitos práticos, uma “criatura” hoje rara pela sedução peçonhenta do CGI que Hollywood caiu. Por isso mesmo, é que em “Border” encontramos um elo perdido do cinema de género e um quanto preservado (ou resistindo) no universo de Guillermo Del Toro.


“As criaturas monstruosas não são uma fuga; elas são um espelho para a realidade, que partem da ideia de parábola para debelar a nossa resistência e a nossa intolerância neste momento em que a Humanidade vive uma guerra de ficções. As narrativas ficcionais sobre o que é certo e o que é errado dividiram o mundo em preto e branco, deixando a essência para aquilo que é cinza. O monstro está no cinza.” Guillermo Del Toro.

Feminismo capitalista inserido na MCU

Hugo Gomes, 05.03.19

53111028_10213458896923718_8476755997522657280_o.jPor mais montagens motivacionais que deparamos aqui, daquelas que facilmente encontramos nas redes sociais aos trambolhões, não existe feminismo em todo este quadro, apenas marketing com propósitos. Tudo isto serve para desmistificar o que o filme tem para oferecer fora dessas “mensagens”, o que é quase nada. Não existe ligação nem preocupação com as personagens (Samuel L. Jackson e o seu gato salvam de uma Brie Larson sem carisma), o argumento é dos mais rotineiro possível, as referências aos anos 90 são engodos sem importância, e a ação, muito devedora aos slow-motions, é tosca. Sim, Captain Marvel rompe até ao próprio automatismo da sua indústria / casa, para se tornar num dos piores da saga desde Thor: Dark World.

Antes que venha os fundamentalismos, havia muito mais em Wonder Woman que somente uma “cara bonita” (mas também não é o hino do empoderamento feminino que se tentou vender).

 

Lisboa fora de horas!

Hugo Gomes, 04.03.19

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Imagens Proibidas” é um daqueles filmes de várias ideias, mas nenhuma delas concreta. Um veículo para “problemas de primeiro Mundo”, de crises existenciais numa busca interminável pela noção de amor platónico. Convém salientar que, apesar de ser um projeto de baixo-orçamento e isento de estrelas do nosso panorama audiovisual (talvez João Lagarto seja o nome mais sonante deste elenco), o realizador Hugo Diogo aprimora a sua dedicação por detrás da câmara após o terrível “Os Marginais”, onde tentaria, sem êxito, orquestrar um conto criminal citadino sem nó nem costura.

Aqui, filma Lisboa como Nova Iorque se tratasse, uma agradável brisa cosmopolita que interage com um senso artisticamente eclético e inspiração do livro de Pedro Paixão. E é uma pena que os olhares aqui reunidos (o magnetismo em Diana Costa e Silva em consolidação com os movimentos de Rita Redshoes) se concentrem num enredo deambulante, que tenta encontrar a sua catarse intrínseca e a profundidade das palavras que nunca ousa proferir. É um filme falhado, diremos assim num tom quase condescendente; porém, é um dos “falhanços” felizes, uma obra que demonstra um esforço por parte de Diogo em atribuir um ritmo onde não existe.

O artificialismo de uma trama que se afasta do miserabilismo identificável de outras obras, ou das tendências de configuração de uma “portugalidade” enquanto identidade coletiva, “Imagens Proibidas” é somente o Cinema fora do seu habitat, assim como fizera no ano passado “Leviano” (um fracasso curioso que merece mais a nossa atenção do que o nosso profundo desprezo). Por vias de tentar ser um Brisseau alfacinha, mais académico e pouco dado aos explícitos corporais e emocionais, cabe a nós explicar a Hugo Diogo que, por mais alma deposite a este projeto, este não vinga para além de um exemplar egocêntrico.

Tudo, porque o realizador não possui ainda uma voz, um gesto autoral em toda esta caça ao vazio. “Imagens Proibidas” não é um objeto interdito que se prometia, é um rastilho de pouco pavio, onde, novamente repescando a estaca inicial, carece de solidez nas suas ideias, principalmente as de Cinema.