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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Sandro Aguilar: a narrativa não é a prioridade

Hugo Gomes, 27.09.18

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A Zona (2008)

Dentro do seu Universo, o Cinema (que mais?), Sandro Aguilar poderá dividir-se em duas personalidades. A primeira, enquanto produtor, com uma excecional contribuição nos obriga a nossa eterna gratidão, sendo também um dos fundadores do O Som e Fúria, produtora que nos últimos anos tem apostado em algumas mais consagradas e elogiadas obras da nossa cinematografia (Tabu, Mil e uma Noites ou Cartas da Guerra, só para mencionar alguns). Mas a personalidade que vos falo é outra, enquanto realizador, um culminar de uma paixão em correspondência de uma visão de Cinema e nesse aspeto, Aguilar exibindo o seu “diploma”, tem vindo a consolidar uma ideia de narrativa, aliás, criando com isso a sua própria natureza de autor (bem poderia ser uma terceira personalidade).

Contam-se mais de 14 curtas-metragens e, atualmente, duas longas, num currículo que interliga-se, experimenta-se e motiva as mais diferentes reações. Falamos de um realizador sobretudo tecnicista, sem com isso alegar a sua vertente académica. Aguilar desfaz todas essas rígidas regras, assim como a convencionalidade da própria narrativa. Por outras palavras, não cabe a si recriar “telenovelas” (mencionando os rasgos irados cometidos por João César Monteiro no seu particular episódio de 2000), o realizador compõe sensações (eis um cinema sobretudo sensorial).

Mas para chegar aqui, teve que experimentar. Experiências … experimentalismos … ou somente encorajamentos para um encontro com o seu “eu” artístico, de forma a atingir o momento exato de Mariphasa, esta sua segunda longa-metragem, cuja a forma nos leva, inegavelmente, ao núcleo do seu universo. A obscuridade deste filme, quase que deixa o espectador, literalmente, às “escuras”, é uma prolongação do seu trabalho imposto em A Zona. Em ambos os casos, o cenário é somente uma sugestão, cuja ideia de tal é alargada, expandida até se tornar numa metáfora visual, ou diríamos antes, na estrutura do seu enredo codificado

Em A Zona, a sala de espera de um serviço de urgências, aquela área de compartilhamento da inquietação e o desespero, da coexistência da dor, incide para fora das quatro paredes. Essa dor tem um rosto, no caso do modus operandis de Aguilar, têm gestos e movimentos. Já em Mariphasa, onde assistimos a um primor técnico (destaque para a fotografia de Rui Xavier e da sonoplastia trabalhada por Miguel Cabral e Tiago Matos), a atmosfera é a cânone de um “não lugar”, a cave onde pesadelos são armazenados, sem saber ao certo como estas materializam. Não é por menos que neste universo, a povoação é monstruosa … vá, monstros com “cara de Homem” … que buscam, cada um deles, à sua maneira, a redenção, assim como o título explicitamente suplica para a compreensão (mariphasa, nome atribuído à planta-antidote do Homem-Lobo na sua versão de ’35).

Em seu jeito, quase aludido a esse cinema de buscas algo labiríntico, Sandro Aguilar procura um “Santo Graal” nesse seu Universo, provavelmente o tão cobiçado estatuto de autor, provando ser capaz de figurar lado-a-lado dos autores o qual os filmes produz. O futuro ditará, mas tendo em conta o visto e revisto nestas duas longa-metragens, temos formato e voz. A afirmação vem depois.  

Texto publicado no blog da Filmin Portugal (ver aqui)

Acabar com a 'maldição' da cinéfilia

Hugo Gomes, 23.09.18

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Vou de momento acabar com uma maldição entre cinéfilos (pelos menos da minha parte), assistir a um filme que foi durante tempos reduzido a um travelling apenas, e esse mesmo alvo de inumeros esmiuçares e reflexões. Como Serge Daney referiu "Serei o único que, sem ter visto. nunca o esqueceu? É que não vi Kapò e, ao mesmo tempo, vi-o."

Por outras palavras vou ver Kapò, ver o filme para além do seu travelling. Por isso, estejam ligados.

O manifesto de Richter: a pureza e o abstracto da Arte

Hugo Gomes, 22.09.18

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Rhytmus 21 (Hans Richter, 1921)

“(…) na ficção existe o risco do ator estar associado às práticas totalitárias, dependendo das imagens o qual integram”

Jean-Luc Godard marcou presença no último Festival de Cannes, porém, não fisicamente. Por via de uma transmissão em direto do telemóvel do seu diretor de fotografia, marcou não só a conferência de imprensa anexada ao seu novo filme, apresentado na Riviera Francesa, assim como todo o festival. Os jornalistas afilaram frente ao dispositivo, cada um deles ansiando concretizar a sua respetiva e aguardada questão, entre a qual a da escolha do ensaio audiovisual que o seu “Le Livre d’Images” se inseria em confrontação com o abandono da ficção por parte do anterior realizador de “Pierrot le Fou”.

A resposta do cineasta franco-suíço foi aquela que pode ser lida acima, um discurso em pró-valor das imagens como algo emancipado de um todo [o filme] e o papel dos atores adereçados às ditas. Este mesmo discurso e o manifesto de Hans Richter, separado por 63 anos de The Film as an Original Art Form, têm em comum (mesmo seguindo por objetivas divergentes) os traços quanto à linguagem pretendida do Cinema, proclamando (ou renunciando) o seu cognome de Sétima Arte. Para o alemão Hans Richter, era importante que o cinema se demarcasse das outras artes, e não visto como uma Sétima, endereçada a uma cadeia hierárquica. Citando o realizador português João Botelho, o Cinema é uma “arte vampírica”, tratando-se de uma plataforma que parasitava o já criado.

Para o experimentalista cineasta e autor dessa conclusão [Richter], o Cinema teria que afastar-se desse vínculo o qual denominou de reprodução. Esta, evidenciada na captação do realismo, ou seja, o redor “reproduzido” para a película (proeza paralela com a da fotografia) assim como os atores (devedores da arte de encenação), e a literatura. No caso da encenação, os atores eram vistos como criadores da arte, e não o cineasta como diversas vezes é dirigido. Esse ponto encontra similaridades com a declaração político-ideológica de Godard, a dependência do ator e a imagem anexada cujo sentido poderá ser distorcido por via de um reconhecimento quase iconográfico por parte do espectador. Por fim, a situação da literatura, influência que originará a narrativa – o enredo – um dos pontos fortes do cinema convertido a entretenimento em massas apropriado, sobretudo, por Hollywood.

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Hans Richter

Para quebrar este vínculo, Richter propôs, à luz dos “colegas”, uma reivindicação da própria linguagem cinematográfica. Uma incidência pela originalidade criativa e um certo abraço do dadaísmo, movimento inicialmente literário que desprendia de qualquer racionalidade. Poderá ser considerado como uma contradição da originalidade tendo como projeto um ideal da literatura. No caso da sua trilogia “Rhythmus” (21, 23, 25), evidenciou-se o afastamento da relação triádica imposta por anos de desenvolvimento cinematográfico: a recusa pela atuação, a renegação pela narrativa e por fim, o desprezo pelas imagens criadas, requerendo assim, a criação de uma nova imagética. Essa própria que desafiaria os estudos taxonómicos de Gilles Deleuze, como se pode evidenciar no seu Cinema 1: “O todo tornou-se a intensificação propriamente infinita que se libertou de todos os graus, que passou pelo fogo mas apenas para romper as suas ligações sensíveis ao material, ao orgânico e ao humano, para se desprender de todos os estados do passado e assim descobrir a Forma espiritual abstrata do futuro.

Este abstrato visual, o punho erguido de Richter perante a oligarquia da indústria, tinha como apelo às liberdades cometidas pelos outros artistas de diferentes artes, nomeadamente, segundo o seu próprio manifesto, a pintura, desde os avanços do cubismo neste meio. Para isso, era determinante a fidelidade com a única “linha realística que o artista seguia” – a integridade artística. A qual iria fecundar o chamado Cinema Puro, uma arte independente das outras e independente do seu próprio meio.

Contudo, essa vanguarda, ou diria antes, nova primeira vaga, o qual compunham artistas como Jean Cocteau, Man Ray, Fernand Léger ou Marcel Duchamp, foi marcante num reflexo artístico pós-Primeira Guerra. Contudo, não foi propícia a uma auto-sustentação da sua forma. Tendo como base as palavras de Roger Leenhardt no texto “Le cinéma impur”, presente na sua antologia “Chroniques de Cinéma” [1986], era debatido o papel do Cinema como uma arte industrial ou popular. Para o autor, uma das diferenciações entre a Sétima Arte e as outras respetivas, era sobretudo o facto de ser uma arte mais apeladora ao «homem» do que ao «artista», a capacidade de unir elites às massas e não restringi-las ao esnobismo da “arte pura”. Leenhardt, em jeito de provocação, chamaria mesmo este cinema popular e narrativo como o Cinema Impuro, em oposição aos marcos defendidos pela trupe de Richter: “É preciso acabar definitivamente com o equívoco da imagem, do seu prestígio e da sua primazia”

A verdade é que toda esta busca pela pureza, torna-se imunda, esgotando todo um registo de possibilidades e cedendo à “salada” de influências que as vanguardas por norma expiram. Tendo em cansaço formativo, Richter e os seus congéneres envergaram por um cinema híbrido, o surrealismo que contagiaria as três normas fulcrais do “Cinema Impuro” – narrativa, encenação e imagem (o mise-en-scène propriamente dito). Muitos deles, como é o caso de Jean Cocteau, e até mesmo o próprio Richter, iriam trabalhar no chamado Cinema-Poesia, formalizando a “linguagem poética” incidente na arte de filmar [Pier Paolo Pasolini]. O caso do nosso Richter, esse cinema de tons, a poesia emanada, serviriam como resistências de uma afirmação artista do seu método cinematográfico, quer presente na (re)criação das imagens ou até mesmo nos diálogos-citações que se cometem como alternativas à narrativa visual.

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"Descobriste o que podes ver dentro de ti! Sabes o que é que isso significa? Foste promovido. Já não és mais um vagabundo, és um artista” (“Dreams that Money can Buy”, Hans Richter – 1947)

Apesar de adormecido e muito mais, encarado como um fracasso artístico para os demais, tais manifestos e concepções acima da concepção, a vaga de experimentalismo dos anos 20, serviria como base (=inspiração) para um novo movimento. Trata-se do cinema underground que surgiria no seio da comunidade artística nova-iorquina dos anos 60, novamente respondendo como afronta ao modelo imposto pela Hollywood (neste período em decadência formal). Desta mesma avant-garde foi nos dados cineastas como Jonas Meka, Stan Brakhage e o multifacetado Andy Warhol. Este grupo seguiria atentamente as mudanças sociopolíticas ao seu redor, assim como preservando o estatuto quase imaculado do artista.

Um cocktail de personas em sociedades histéricas

Hugo Gomes, 19.09.18

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Antes de apontarmos quase instintivamente como um primo abastado de “Gone Girl”, devemos encarar o trabalho de atores e seus respetivos desenvolvimentos em “A Simple Favor” com uma questão sobre o foro social da identidade. Logo a abrir, a protagonista, Stephanie (Anna Kendrick), apresenta-se cordialmente, e à sua maneira formalmente, na produção do enésimo vídeo para o seu vlog. Existe nela uma espécie de “máscara”, um “eu” idealizado que só ela permite transmitir, dar a conhecer a um vasto “mundo”, ou diríamos antes, aos seus seguidores. Por sua vez, os seguidores, conheceram o lado “artificial” desta personagem, da mesma maneira que o espectador conhece através de uma imagem inserida “a frio” pela falta de suporte. Ora bem, temos o choque inicial. Pode-se riscar da lista. Objetivo concluído.

Com o desenrolar da trama conhecemos outra vertente da personagem, uma mãe quase didática, determinada a tornar-se num virtuoso exemplo materno. Nesta via, de certa maneira, Stephanie traz para o seu quotidiano os reflexos da sua imagem virtualizada. Ou seja, outra “máscara” (ou “persona”), apenas quebrada com a “entrada” e relação com outra personagem deste universo, Emily (esta dominante, desempenhada com o maior dos sarcasmos por Blake Lively). Para além da sua influência, considerando que as nossas personalidades são sempre processadas por diferentes estados empíricos, uma meia dúzia de copos são incentivadores de converter Stephanie em uma outra pessoa. Sim, outra máscara.

Como tal, existe neste retrato, um afastamento das pedagogias do maniqueísmo cinematográfico, um estudo à figura, assim como, evidentemente, uma metaforização ficcionada da natureza do “eu”, do seu conceito até ao seu desenvolvimento. Não é por menos que com o “cavalitar” da intriga, Stephanie se torne cada vez mais Emily, uma metamorfose identitária que a posiciona num determinado status social. As personalidades poderão diluir-se para uma só persona (sem querer entrar em heresias cinéfilas, existem contornos da tão imortalizada obra de Ingmar Bergman, pelo menos nessa catarse à cultura do “eu”).

O que aparentava ser um thriller carpinteirado acaba por espelhar as nossas transformações e as nossas exposições, partes integrantes de um carácter performativo. Aliás, parafraseando Shakespeare: “o mundo é um palco”, completado por “toda a gente se comporta como um histrião [ator]”. Os “atores”, nós próprios, enquanto composto de uma sociedade e quotidiano, tendemos em comportarmos conforme as contextualizações e situações, assim como pretendemos ou desprendemos. Nesse termo, é curioso afirmar que Stephanie é uma “atriz” no seu próprio palco (temos a consciência que estamos a referir-nos a uma personagem apenas “viva-alma” graças à composição de um ator, profissionalmente falando).

Repegando no termo histrião, Paul Feig saindo de comédias femininas como “Bridesmaids” e “Ghostbusters” (sim, esse mesmo) comporta-se também numa nova persona em face a um género que não lhe pertence. O resultado é um autêntico gin tónico, misturado e levemente polvilhado com um humor negro. Talvez esta estranheza, como aquela que testemunhamos na entrada de Stephanie no grande ecrã, resulta na melhor experiência dada pelo realizador, a sua, quiçá, obra maior.

Para além das atrizes e da sua direção, Feig oferece um trabalho armado ao pingarelho na sofisticação, estranhamente, forjando um puro cocktail de elegância e de ritmo pontuado e cuidado. E como forma de invocar esse “quê” de sofisticado, ou, aparelhando numa “máscara” de reafirmação de um certo estatuto social, há todo um lisonjear da cultura francesa (exotismo cosmopolítico) presenciado na banda sonora (Serge Gainsbourg, Brigitte Bardot, Jean-Paul Keller) ou na referência in e out de “Les Diaboliques”, de Henri-Georges Clouzot).

Em suma, “A Simple Favor'' é um filme acima de um simples e pequeno favor.

Ana e os Outros

Hugo Gomes, 15.09.18

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Pelo seu titulo, é apetecível citar o clássico intemporal de Alain Resnais e adaptá-lo ao contexto deste novo filme do romeno Cãlin Peter Netzer. “Nada conheces sobre Hiroxima”, neste caso “nada conheces sobre Ana”. E nós a desconhecemos totalmente, aliás, o casal que serve de protagonismo a este drama novamente vincado na questão de perspetiva (no anterior Child’s Pose, o “monstro” acaba por ser a “vitima”).

 

Que a "Luz" te guie: uma conversa com Tilman Singer

Hugo Gomes, 08.09.18

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Uma taxista, Luz Carrara (Luana Velis), a principal suspeita de um macabro homicídio, converte-se num objeto de adoração para criatura infernais graças a um interrogatório policial suscitado por métodos pouco ortodoxos de hipnose. Esta é a premissa de uma promessa, o germânico Tilman Singer que com esta sua primeira longa-metragem, “Luz”, avança naquilo que poderemos chamar de terror experimental. Tive o prazer de falar com um dos novos nomes do género.

Em primeiro lugar, como surgiu a ideia para este filme e a sua escolha para primeira longa-metragem?

O filme foi evoluindo organicamente de uma curta ou média metragem para uma longa. “Luz” foi parte da minha tese na Escola de Arte (Academy of Media Arts Cologne), o qual estudava na época, cujo programa de estudo compreendia trabalhar em projetos nossos de forma autónoma, ou seja, estava realmente livre de fazer o que quisesse. Na altura, apenas sabia que queria contar uma história mais longa que as minhas curtas anteriores (que rodavam os 10 a 20 minutos) e que pretendia produzi-la com a minha equipa criativa.

Primeiro pesquisei sobre artistas de desenho policial, mas isso não me levou a lado nenhum. Então deparei-me com técnicas de interrogatório e de questionamento, o que direcionou para o hipnotismo e hipnoterapia. A hipnose pode ser incrivelmente sugestiva e realmente não funciona para questionar uma testemunha para extrair a verdade sobre o que realmente aconteceu. Mas descobri que poderia ser uma ótima ferramenta para uma força maligna que busca manipular a sua vítima. E foi assim que a minha cena de interrogação nasceu.

Deixe-me dizer que detectei alguma influência da “Possession”, de Zulawski, e a simetria de um Kubrick. Foram estas as suas influências iniciais? Já agora quais foram as suas influências para o “Luz”?

Acho que as minhas influências são demais para conseguir contar, detetar ou lembrar. Mas por acaso gosto bastante de que as pessoas encontrem referências no “Luz”, algumas das quais são pretendidas, outras acidentais e alguns dos quais provenientes da subconsciência do nosso cineasta. Recentemente, um moderador durante um Q&A perguntou-me sobre a referência de “Carrie” com a jovem mulher coberta de sangue. Na altura, tive que admitir que nem pensei em “Carrie” até à primeira vez que vi o “Luz” completo. Acredito que foi fruto do meu subconsciente.

A música adquire um papel importante na criação da atmosfera. Adquiriu esse sentido graças ao seu anterior trabalho na indústria de videoclipes?

Simon Waskow, o compositor, é um grande amigo meu desde os meus 16 anos. Fizemos música juntos desde então. Acho que por ter desenvolvido o meu primeiro processo criativo como músico adquiri um gosto em escrever as minhas histórias como se de música se tratasse. No mesmo sentido que pretendo fazer music heavy films. A música no cinema não é apenas um elemento de apoio para mim, hoje em dia escrevo os meus guiões, deixando sempre espaço para as composições de Simon. Por exemplo, ele disse que a primeira cena do “Luz” teria que criar uma espécie de movimento narrativo e estabelecer o clima visto que a personagem “Luz” só vai entrar na esquadra, beber um refrigerante e gritar algo críptico.

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Como vê o género de terror nos dias de hoje?

Muito diverso. Estende pelo mainstream até ao nicho, o que torna impossível de comentar um género inteiro. Mas devo dizer que a maioria dos filmes (não apenas limitar-nos ao género do terror) são maus. Porém, isso não implica que tenhamos a oportunidade de assistir algo fantástico de vez em quando. Entre os grandes filmes do género dos últimos tempos, “Hereditário” e “Mandy” são aqueles que me chegam à memória.

“Luz” é um filme bastante meta-narrativo, astuto na maneira como trabalha a ilusão e a metáfora. Em certa parte é uma obra que tenta evitar os territórios mais mainstreams, inclusive na sua narração. Tal foi pensado e pretendido neste “Luz”, esse escape por lugares-comuns e reconhecíveis? Além disso, considera que o género, de forma a evitar o rótulo de série B (ou género menor) deveria apostar em força em filmes de um elevado nível artístico?

Acredito que para fazer um filme deveríamos perguntar a nós próprios de que maneira queremos contar a história e se a história necessita de ser contada em filme. Aposto que todos os bons cineastas questionam isso, nem que seja subconscientemente. Se estivermos a citar todos os processos ditos mainstream sem nenhuma reflexão acabamos por concretizar um mau filme, seja de género for.

Pessoalmente não tento evitar a etiqueta de série B. Gosto do facto de muitas pessoas encararem o terror como um género de menor valor artístico. Perdem a realidade e isso satisfaz a minha inerente juventude rebelde.

Quanto a novos projetos?

Sim, estou a escrever de momento o meu próximo filme no momento. Realmente quero combinar uma maior abordagem emocional em como contar histórias com o que quer que seja que eu aprendi com “Luz” – acho um jogo sensual. É muito cedo para revelar a história, mas será uma espécie de thriller sobrenatural.

Um filme que nos obriga a rezar o terço …

Hugo Gomes, 07.09.18

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O que está em causa não é o simbolismo da freira na nossa cultura, quer na literatura ou no cinema que construíram uma espécie de relação pecaminosa, mas sim, quantos são precisos para pecar desta maneira … “industrial”.

Se existia algo de aterrador nisto tudo, isso abundava nos poucos minutos em que a demoníaca freira surgia em cena no segundo “The Conjuring”, “brilhando” sobre o calculismo de James Wan na sua relação com o espaço e os elementos acessórios. Porém, após atribuído o protagonismo em mais um episódio para encher universos partilhados, a criatura é vendida a uma explosão automática de CGI e artificialismo proveniente de uma Hollywood que não sabe ao certo o que fazer com o género de terror.

Ficamos perplexos com o facto do realizador taiwanês surgir nos créditos sob o cargo de produtor, enquanto que Corin Hardy (já proveniente de um freakshow em “The Hallow”) é um tarefeiro por entre uma agenda apertada e decisões rigorosas que cai no “gosto geral” das massas. Sim, “The Nun” está mais interessado em ir ao encontro desse mesmo gosto do que criar qualquer avanço no panorama do terror – é enfadonhamente rotineiro, quer na sua execução (julgávamos nós que as montagens rápidas estavam em desuso neste tipo de Cinema), quer no argumento (“Deus nos valha”, sem qualquer sentido), ou na inutilização do espaço cénico (o espectador não tem qualquer noção do mesmo, não existe uma câmara que mapeia o território como acontecera com “Annabelle: Creation”).

Nós, espectadores, somos encaminhados por uma somente tentativa, a de seguir um modelo estabelecido sem nunca pensar como desemaranhar dos desafios. Um desses mesmos desafios é o público já tão conhecedor do terror e do seu historial (assim acreditamos) que se desvanecerá perante a previsibilidade e a incompetência de surpreender este oportunista de estúdio.

Depois somos presenteados com bonecos incapazes, sufocados a plano por uma narrativa despachada e avarenta sem nunca se preocupar em construir uma relação entre eles. No fim de contas, a freira, esse outro boneco, assume-se como um bibelô, assim como o filme que nunca sobressai do risível acessório. Cruz credo!

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