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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

De regresso a Maio de ’68 com o 10º Fuso: Festival Anual de Video Arte Internacional de Lisboa

Hugo Gomes, 28.08.18

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Jean-Luc Godard ao lado de Anne Wiazemsky nas manifestações de '68

Arranca hoje uma nova edição do FUSO – Festival Anual de Video Arte Internacional de Lisboa, cuja organização orgulha-se de ser o primeiro festival artístico a comemorar os 10 anos de existência. Prolongando até dia 2 de setembro, o evento marcará vários espaços da capital: Travessa da Ermida, Jardim do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), Jardim do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Jardim do Museu Nacional de Arte Antiga, Claustro do Museu Nacional de História Natural e da Ciência e Claustro do Museu da Marioneta.

Numa programação que visa encontrar uma utopia entre o audiovisual e o meio artístico, o FUSO destacará a intitulada sessão – “Os Cinetrácts de Maio de 68: a Revolução no Cinema – a acontecer no dia 31 de agosto, pelas 22h, no Jardim do Museu Nacional de Arte Antiga. Trata-se de uma seleção de curtas-metragens anónimas concretizadas durante as manifestações do maio de 68 em Paris, que foram apelidados “cinetrácts”. Estas, isento de som ou edição, são hoje encarados como incontornáveis documentos de um episódio ímpar na História Moderna Francesa, uma revolução que começou nas escolas, difundido pelas ruas parisienses e que viria a influenciar toda uma geração de artistas dos mais diferentes meios, assim como nacionalidades. Os cineastas Jean-Luc Godard e Chris Marker, foram alguns dos autores destas mesmas filmagens. A sessão contará com apresentação da curadora francesa Bernadette Caille.

O festival promete um programa rico de performances, debates e exposições que usufrui o melhor da videoarte. Entre os convidados, destaca-se Lori Zippay, a diretora da Electronic Arts Intermix (EAI) em Nova Iorque, os artistas Daniel Blaufuks e Evanthia Tsantila, e ainda a crítica de arte Marta Mestre.

Toda a programação pode ser vista aqui

"Baby Shark" ...

Hugo Gomes, 18.08.18

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Cada geração tem o “Jaws” que merece! Com isto, nem me atrevo a aproximar ambos os filmes, mas devo salientar que “The Meg” é o espelho da Hollywood de hoje, ou para ser mais preciso e furtivo, das audiências que povoam as salas existentes.

... para ser ainda mais preciso, é um filme idiota escrito por pessoas idiotas.

"Sobre Tudo Sobre Nada": apoiando nos 8mm como ensaio memoralista

Hugo Gomes, 18.08.18

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Será que o cinema consegue ser autobiográfico? Uma pergunta desnecessária, visto que a resposta parece ter sido encontrada há muito tempo, e a juntar isso, a intimidade com que depositamos nas imagens e nos seus simbolismos.

Sobre Tudo Sobre Nada”, de Dídio Pestana, é um filme que nos presta a condição da autorrepresentação, não inserida no valor visual, mas na estrutura deambulante com que coloca a sua experiência de vivente. É um relato filmado a Super 8 (durante oito anos) que por sua vez depara-se com um autêntico molde temporal, as memórias que se depositam e que surgem após o crepúsculo, é o Cinema a servir não como base de uma arte universal, mas um exorcizar das reflexões interiores. Sim, é um cinema no “Eu”, referindo ao “Eu” e que convida os “Outros” a remexer nessas reminiscências e pensamentos, que uma vez libertados são de domínio público.

Sobre Tudo Sobre Nada” é, como o título indica, um rol de experiências como é o nada extraído destas. Ora é a família imortalizada nas memórias e nos leit motiv que servem como atalhos às mesmas, ora são as amizades que gradualmente se convertem em meras visitas, ora as conversas de tudo e de nada (mais uma vez referência), e, por fim, os amores, sejam eles cinematográficos, geográficos e obviamente amorosos. Dídio Pestana apenas expôs-se, e fá-lo de forma egocentrista, mas igualmente serena, humilde quanto às suas capacidades de narração, um contador de história que vai para além das palavras, recorrendo às imagens que valem sobretudo folhas de diários inteirinhos.

É um bonito ensaio, sem com isto declarar o adjetivo como primário e infantilizado. Quem dera que muito do nosso cinema umbiguista tivesse este terra-a-terra das suas intenções, ao invés de cair por campos sem pássaros, silenciosos e pedantes na sua caminhada. Este é simplesmente um filme sobre tudo … e sobre nada. 

Milla: a não-ação como força narrativa neste espectro de «Nana»

Hugo Gomes, 16.08.18

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Já tínhamos percebido com “Nana” (2011), a sua primeira longa-metragem, que Valérie Massadian tenta repor um cinema completamente observacional, quase estudioso para com a figura imposta, e nesse termo, porque não mencionar – antropológico? No filme em questão, uma criança de 4 anos é deixada à sua mercê quando a progenitora falece. A protagonista, a tal Nana, desvanecida à sua ingenuidade / imaturidade, subsiste involuntariamente com o auxílio de preciosas ferramentas (tão férteis enquanto “pequenos”), a imaginação e a improvisação. Todas essas, levam à iminente negação do elemento morte. Aliás, em “Nana”, a morte é mais que território desconhecido, é um efeito ignorado, conscientemente inexistente.

Em “Milla”, todo o percurso perde o seu quê de experimentalismo. Já não estamos a lidar com “enfants”, mas sim, com jovens “sabidos”, provavelmente inconsequentes perante o mundo que vive, ou no seu caso, o panorama fabricado perante um otimismo sem par. A personagem-título, uma jovem de 17 anos, cai em redes shakespearianas, e o amor gerado leva-a fugir da sua anterior vida (sabemos lá qual é), que juntamente com o seu companheiro, sobrevive como pode, tentando desraizar a tal predestinada inserção sociológica.

Milla” ostenta essa visão distante, acurralando as suas personagens como cobaias de um qualquer tratado zoológico. Elas povoam a casa desabitada, convertendo num lar “akermeano” (união visual dos mosaicos com a tendência fílmica de Chantal Akerman, e não só, a não-ação da realizadora a servir de inspiração para a sua descendente). Porém, o dispositivo quebra, quando a tragédia abate a rotina conformista que se indiciava viciosa. Nesse termo, o piscar de olhos “akermeanos” afasta-se da realidade filmada e do formalismo e aproxima-se de uma certa centrifugação onírica, enquanto, simultaneamente, somos presenteados com réstias das pegadas passadas de Massadian. O espectro de “Nana” a quebrar o “gelo” imposto por esta “Milla”, ou será antes, “Milla” uma espécie de sequela de "Nana''?

Conforme seja a visão pretendida e requerida neste retrato objetor de consciências cinematográficas, a razão de todo este efeito é o acorrentar o espectador a um só olhar, o de Massadian e dos enquadramentos que essa retina contém.

O Mar ... a última fronteira!

Hugo Gomes, 05.08.18

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O Mar … aqui acabam as palavras. Aqui acaba o Mundo que eu conheço.”

Quase como uma aura magnética, Portugal como muitos países mediterrâneos sempre declarou ser um amante do grande azul. Foi através deste que nos inspiramos para o mais recordado momento da nossa História (Descobrimentos para alguns, Expansão Marítima para outros, não estamos aqui para debater sobre isso). Como tal, essa fascinação foi traduzida (assim o tentaram) pela literatura (pela grande epopeias de Camões e da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto), pelo teatro (Gil Vicente e as barcas do mar do além) e, como é óbvio, pelo cinema. Nessa estância, quase todos os grandes autores da nossa cinematografia banharam-se no oceano; Pedro Costa atravessou-o e aí redescobriu-se; Manoel de Oliveira pensou no horizonte marítimo como uma nova identidade lusitana (mesmo que isso tenha gerado um dos seus filmes menores); Cláudia Varejão prometeu-nos sereias; e Joaquim Pinto aventurou-se por Rabo de Peixe, talvez sob trajetos próximos do de Rodrigo Areias.

“Hálito Azul'' é isso mesmo, um desvio ao encontro da comunidade da Ribeira Quente, em São Miguel, nos Açores, num período crucial para o tradicionalismo de uma das suas atividades principais – a pesca. Através desse impulso, a aventura não brava os setes mares mas segue ao encontro de uma população que não esconde os seus vínculos com o Oceano, todo o seu quotidiano e atividades gira envolto desta imensidão. Rodrigo Areias poderia seguir por dois caminhos já atravessados: ou focava-se na temática pretendida ou deambulava como uma corrente. Nesse caso, “Hálito Azul” apenas saboreia as ondas, flutuando pelo seu ritmo, mas nunca escapando à sua objetiva, ao mesmo tempo que nunca abraça as “marés” do cinema de investigação. Como tal, originou-se um filme polivalente nas suas abordagens, de uma certa forma invocado uma metalinguagem para que a pesquisa fosse feita, olhando para o tradicional da mesma maneira com que encara o folclore de marujo.

Contudo, é na sua “estranheza” para com a modernidade que se vai implantando nesta comunidade, que “Hálito Azul” demonstra de “peito aberto” a sua renúncia pelo cinema social. Possivelmente, o dinamismo da obra fala por si e Rodrigo Areias, homem de mil ofícios e de experimentos, deixa-se banhar pela docuficção (ou pela simples encenação da realidade) para interpolar dois mundos distintos como a peça de teatro que aqui enquadra-se numa espécie de reflexo infinito. No final deixamos Ribeira Quente envolta de mistério, os eremitas do farol previam isso, o “fim das palavras”. Deixamos sim, com saudades, porque por um lado fizemos turismo rural … não caindo no sentido pejorativo do termo. 

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