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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Gotti" - Um Verdadeiro Padrinho Americano, dizem eles

Hugo Gomes, 28.07.18

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Um filme biográfico sobre a vida do chefe do crime organizado John Gotti seguindo as direções óbvias e quase ditadas da award season nunca funcionaria no grande ecrã, e infelizmente esse foi o resultado que obtivemos.

O porquê? A primeira causa da repudia para com este trabalho algo pessoal de John Travolta, produtor e estrela, é a saturação dos códigos do dito cinema mobster, bem reconhecidos por parte do público, e não referimos a nichos, mas sim à apelidada “grande audiência”. A culpa? Bem, de crimes organizados, esquemas e mafiosos, a nossa Sétima Arte está mais que preenchida e nos últimos anos, desviando dos conceitos rasurados da Warner Bros. e do noir dos 40’, Francis Ford Coppolas e Martins Scorseses restauraram todo esse imaginário, transformando sobretudo o crime representado em grandes romances enxertados. Pouco se evolui neste subgénero depois das incursões scorseseanas (e sem esquecer da riqueza drámatica da série Sopranos), e os melhores trabalhos deste campo em pleno século XXI encontram-se refugiados nos autores de velha escola ou em outros cantos do mundo (em Hong Kong tivemos a trilogia “Infernal Affairs” e no Japão a trilogia “Outrageous” de Takeshi Kitano, só para dar alguns exemplos).

Mas voltando ao caso “Gotti”, desde o primeiro plano em que a encarnação de Travolta quebra a quarta parede mencionando os perigos que é viver numa outra Nova Iorque (Viver e Morrer em Nova Iorque bem podia ser um prolongação do célebre filme de William Friedkin), o filme tende em ‘sobreviver’ à deriva do previsível método narrativo agora endereçados ao subgénero. A ascensão e, por fim, queda de um dos “padrinhos” acarinhados fora do imaginário da criação, aliás apesar desta submissão pelo já concretizado, “Gotti” tenta reafirmar-se como o autêntico em muitas das suas compreensões de historieta. “O Verdadeiro Padrinho”, manchete que representa essa sobreposição da figura real acima de qualquer similaridade fictícia, enfim, o retardar da morte de um artista, neste caso de um filme automatizado sem poder de reação nem de ação.

Dentro dessas falhas evidentes, existe pouco trabalho no que requer a aprofundar o ambiente envolto deste John Gotti, desde os secundário que por vezes não saem de simples menções até às encruzilhadas narrativas que não encontram meio termo na sua condução (o início é exemplo disso, sem nunca saber para que lado temporal seguir do registo). É um exercício esquemático, demasiado despreocupado com a sua natureza, e nisso reflete na proclamada crítica jurídica que o último terço poderia representar. Nesse sentido, “Gotti” parece glorificar o homem e os seus crimes ilícitos em prol de um ataque furtivo ao sistema judicial e governamental dos EUA. Por outro lado, ouve-se os bens comunitários por parte da comunidade apoiante deste “padrinho”, mas tal é sentido ao de leve pelo simples facto … novamente mencionando … a ausência de trabalho para além da colagem de factos e eventos, com fins de aproveitar o reescrito cinematográfico.

Quanto a John Travolta, nota-se a caricatura involuntária, o de criar uma figura imponente e ao mesmo tempo cair na ilusão do estereótipo vincado. Por outras palavras, o seu risco é em vão, o ator não consegue libertar-se de uma aprisionada carapaça. Tudo isto leva-nos a considerar que “Gotti” é realmente um produto falhado e sem fôlego para ingressar no grande ecrã … porém, está longe dos “horrores” escritos pelos comparsas norte-americanos vinculados no seu sistema de agregação de críticas. Por entre atentados cinematográficos, já vimos piores daqueles lados. Essa é a verdade.

Cinematograficamente Falando ... 11 anos de vida!

Hugo Gomes, 27.07.18

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Paris, Texas (Wim Wenders, 1984)

Então, mas este estaminé faz os seus 11 anos de existência e nem celebro dia?!

Bem, sim, passamos a primeira década e continuamos em movimento, mesmo em modo lento. Enfim, mea culpa!

Agradeço a todos que me acompanham e que me ajudaram a tornar o Cinematograficamente Falando … naquilo que é hoje.

Muito obrigado! ;)

O pior do cinema português?

Hugo Gomes, 25.07.18

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O pior filme do cinema português? Parece exagerado esta afirmação concreta, presunçosa que revela antes de mais insegurança em relação à armadilha deixada pela equipa de marketing de “Linhas de Sangue”. Nesta estratégia é nos deixado uma curta-metragem onde três “supostos” críticos entram em sala de projeção, rindo desalmadamente de todo o filme até que no final discutem as notas a dar. “Eu vou dar bola preta. Aliás, no meu jornal só dou bola”. Este pedaço de “comédia crítica” envenenada por todos os clichés e generalizações evidencia duas patologias. Uma, o desconhecimento do que é crítica de cinema e do que realmente se passa nos ditos visionamentos de imprensa e, segunda, uma vingança ressabiada reconhecível de um dos realizadores (visto que dos dois creditados só um ‘sofreu’ nas mãos destes ‘malvados’). Porém, por momentos, tenta-se não ser levado pela desinformação causada, até porque, vejamos, essa curta é afinal o melhor de um filme que nunca existiu. O pior é mesmo o seu anexo, aquele que dá pelo título de “Linhas de Sangue”.

Mas … o pior filme do cinema português? É possível? Nesta quimera produzida sob as luzes de uma indústria inexistente, encontramos as influências, ou diríamos antes, o signo das comédias de Jim Abrahams e David Zucker, o simples spoof movie, hoje vulgarizado pela piada fácil e de teor escatológico. Da nossa memória prevalece “Hot Shots: Ases Pelos Ares” como principal fusão, o teor ridicularizado que nunca sai da mera caricatura. Porém, havia inteligência nesse sistema de gags, existia sobretudo conhecimento quanto à coletânea de referências e, pelo meio, uma espécie de parábola política e social. O trabalho de Abrahams / Zucker formou muita da comédia hoje citada aos trambolhões.

Em “Linhas de Sangue”, isso não acontece. Primeiro, porque não existe um cuidado em abordar seriedade sob o tom trocista e isso reflete-se na pouca sapiência dos gags e como estes são empregados. Dando o exemplo da primeira sequência, onde sobrevoamos uma Lisboa sob a legenda «Berlim, República Checa», a sátira que é desfeita logo de seguida com o anúncio de que tudo não passa de uma piada. Trata-se evidentemente de um método de autodefesa, ou até mesmo de insegurança. O resto é cair na série B (nada contra), sob os efeitos invejáveis de uma “megalómana” produção à portuguesa, os pequeninos sem a modéstia de aceitar uma indústria que não existe e muito mais, um público não preparado. Todavia, neste último ponto a culpa não poderá ser totalmente do filme, mas sim da dominância de Hollywood e como certos elementos tornaram-se associados a esta mesma indústria. Apropriados em “Linhas de Sangue”, dos mutantes às amazonas do Tejo, tudo soa a uma artificialidade desaprovadora, muito mais, quando nos apercebemos que tudo não passa de uma brincadeira chapada.

O que Luís Ismael nos ensinou é que para levar o espectador a um cinema descontraído, fora das tendências do world cinema, é preciso ter paciência e assim aperfeiçoar-se cinematograficamente em cada tempo. Não é por menos que ele é o criador da trilogia “Balas e Bolinhos”, hoje tido como o case study de progressão técnica e também narrativa. Ora, “Linhas de Sangue” – sob um jeito glutão – tenta ser levado a sério e ao mesmo tempo pede clemência na percepção do espectador. Porque, afinal, não passa tudo de uma piada (novamente sublinha-se). Contudo, se em ´Balas’ existe uma certa paixão no seu material, em Linhas’ encontramos somente uma dedicação em criar um filme para amigos. Sim, estes que palmadinhas nas costas darão como etiqueta, sussurrando elogios como “bom trabalho” ou “glorioso”. Depois são 54 atores, caras conhecidas do universo televisivo e teatral do público português. Agora imaginem só os círculos de amigos que cada um detém … Mas no fim de contas, são os atores que elevam este produto, foram, sem dúvida alguma, eles quem mais se divertiram com tudo isto.

Em relação ao pior filme do cinema português, assume-se que tal estatuto será difícil de confirmar até porque, no nosso circuito, muitos atentados já haviam sido produzidos. Só que “Linhas de Sangue” carece de alma e sobretudo humildade (não confundir com ser despretensioso), aliás, isso também falta aos apoiantes da tal campanha publicitária. Aqueles que persistem em estereótipos numa sociedade saturada deles.

Comercial Vs Autor, um caso português

Hugo Gomes, 20.07.18

37579615_10211987580781734_2637519586609594368_n.jPaulo Branco afirmava no Encontros do Cinema Português que não existia tal coisa que é a divisão entre "cinema comercial" e "cinema de autor", e muitos não o levaram a sério. Hoje no Público, a urgência de diluir tais barreiras, ou antes, estigmas, onde afinal o autor é comercial, e o dito comercial pouco tem pernas para andar para fora do mercado interno. Ora bem, não era preciso ler o Público para perceber isso, nós já sabíamos, mas só que ninguém queria falar.

 

Um leviano caso de cinema português

Hugo Gomes, 09.07.18

36880804_10211913330165515_1033910366016372736_o.jPor entre abusos e (des)abusos, algumas manias que poderia esquecer e uma delinquência em resolver dramas criados, Leviano é ... longe de todo os preconceitos ... uma obra portuguesa que respira saudosismo com o grande ecrã. Desde planos puramente cinematográficos (o atento aos planos gerais e aos travellings duradouros), até à fotografia estetizada e as reinterpretações do cinema “oliveiriano”, sim, a melhor experiência de juventude na nossa cinematografia desde Verão Danado de Pedro Cabeleira. Vamos ficar de olho em Justin Amorim.

 

O musical tem que morrer!

Hugo Gomes, 01.07.18

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Bruno Dumont não acredita em musicais e reflete isso nesta sua nova criação – “Jeannette, l’enfance de Jeanne d’Arc” – a musicada juventude da mais amada das heroínas de França, onde o absurdismo do género torna-se num veículo de provocação. Já vimos tais tons a serem experimentados nas suas duas últimas obras (“Ma Loute”, “P’tit Quinquin”), mas até agora nunca tínhamos sentido tamanha heresia em ridicularizar um género.

Diríamos antes que “Jeannette” é um anti-género, uma blasfémia aos musicais. Aqui, os não-atores fazem o melhor que podem nas suas cantorias. Dumont afirmou que nada fora filmado em playback, tudo é verídico, as vozes desafinadas, ou simplesmente ausentes de dotes musicais, as coreografias atípicas, algo entre o estilo metaleiro e do frenético trance, as questões religiosas discursadas com uma extrema opacidade e uma deselegância de toda esta natureza musical ilustrada num cenário apenas, citando constantemente o seu anterior filme (“Ma Loute”).

Jeannette” é o “Je vous salue, Marie” de Dumont, uma afronta ao sagrado, a desmistificação do estabelecido, a prece de Joana D’Arc (Jeanne Voisin) cuja divindade que apela encontra-se do outro lado da tela, quebrando a “virginal” quarta barreira para nos trazer o mais mortal dos deuses – o espectador. Por outro lado, a comédia involuntária aqui exposta tem o seu quê de voluntarismo. É a História relatada como um experimento e não uma rigorosa reconstituição. É a coragem de ser ridicularizado, por ele próprio.

Talvez seja esta a obra mais desafiante da carreira do realizador, e a mais inacessível. A resposta que precisávamos da ilusão onírica tão presente no género, aos “La La Land” que perpetuam uma memória cinematográfica, "Jeannette" responde destruindo todo esse legado, rabiscando e delineando a partir do zero. Vai ser difícil recuperar o fôlego para futuras incursões musicais depois disto, e muito mais a forma que olharemos para Joan D’Arc no cinema, heroína tão celebrada em importantes trabalhos como os de Dryer, Bresson e até (porque não) Besson.