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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Susana Nobre: "Não se deve filmar para os festivais"

Hugo Gomes, 27.01.18

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Susana Nobre foi um dos nomes portugueses a figurar na 47ª edição do Festival de Cinema de Roterdão. Embora tenha apresentando a sua primeira longa-metragem ficcional, o projeto não fica longe longe do seu próprio conceito de Cinema. “Tempo Comum” é essa estreia, um retrato sobre as implicações da maternidade nos dias de hoje, mostrando o quão relevante é o papel da mãe e, porque não, o papel do pai. Mas acima de tudo, este é um “filme ouvinte” que capta a sua emoção na questão do discurso, desde a emissão até à sua receção.

Conversei com a realizadora sobre o seu novo projeto e, no fundo, sobre a sua visão cinematográfica e o seu conceito de ficção.  

Como surgiu a ideia para este filme?

Este projeto nasceu com base na minha própria experiência como mãe, a acrescentar ao facto da minha filha ter nascido no Inverno, e, consequentemente, a licença de paternidade, sobre a qual reflito neste filme. Lembro-me que na altura encontrava-me a trabalhar no IEP, no programa Novas Oportunidades, e toda esta licença foi encarada por mim como uma espécie de reclusão. Foi durante esse período que absorvi uma espécie de experiência partilhada, quer pelas pessoas que me visitavam que contavam as suas histórias (a memória dos filhos ou até mesmo da infância, dos problemas conjugais), quer pelo silêncio, uma sensação quase de confessionário. E isso enquanto executava as tarefas maternais.

Havia de facto essa dimensão intimista e lembro-me de na altura pensar neste dispositivo tão minimal, ou como a sugestão minimal do “Ten”, do Kiarostami, que foi uma referência na origem neste projeto. Nesse sentido, tentei a possibilidade de incutir no filme uma espécie de díptico, uma pessoa que ouve, outra pessoa que fala, uma que interpela e outra que responde, num espaço completamente circunscrito. Uma ideia muito minimal: uma pessoa que amamenta, outra que fala.

E porquê só agora aventurar-se na sua primeira ficção?

Não diria que esta seja a minha primeira aventura na ficção, até porque as curtas possuem o gesto da ficção neles e nesses filmes existe o ponto-de-vista da estrutura, do que se realmente pretende e a forma como as imagens são associadas. Sem querer, o meu percurso partiu do documentário, do ponto-de-vista tradicional, daquilo que podemos apelidar de documentário observacional, ou seja, ir para um sítio, imergi-lo e conhecê-lo bem.

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Foi assim que comecei, esse meu primeiro gesto com a câmara, pouca intervenção e posteriormente o trabalho da montagem. E o que tem acontecido é que os documentários são sucedidos depois de uma curta, sendo que esta tem a ver com a experiência do documentário anterior, uma espécie de sintaxe do arquivo que ficou dessas imagens e experiências do documentário. Muito mais elíptico, mais cinematográfico daquilo que é essa associação que é possível pelo Cinema, sem discursos, sem tese, e que tem mesmo a ver com essa especificidade da linguagem do Cinema. As minhas curtas viveram um pouco dessa caixa negra dos documentários e dessa forma tem sido isso.

Aquilo que é para mim inaugural neste projeto, em relação aquilo que é a ficção, está ao nível dos diálogos, como a palavra é trabalhada. Até este filme, nunca tinha escrito diálogos, moldar os textos para a duração de um plano. Foi a primeira vez que fiz.

Digamos que foi um grande desafio para si.

Foi sim, um passo bastante importante. Foi também o que me absorveu mais a nível de realização – esse trabalho com os textos.  

Falando nessa dicotomia – o falar e o ouvir – é uma característica da sua carreira enquanto realizadora, esse interesse pelos relatos dos outros e como um filme cerca a mesma?

Acredito que um filme é também ouvir uma história e não necessariamente assistir ao encadeamento das ações. Ver também é ouvir. Acredito nessa projeção imagética de uma história que é contada. Acima de tudo, o objetivo deste filme era criar um ponto essencial que é um ponto de escuta. Essa, que é a do protagonista, mas também a do espectador.

Segundo o contexto académico, uma ficção deve apresentar um conflito. Em “Tempo Comum” esse mesmo encontra-se discreto e talvez apenas revelado nos últimos minutos do filme. Em relação a esses minutos, deparamos com um statement sobre a emancipação das mulheres durante a sua maternidade.

Não era intencionalmente [o conflito]. O ponto de partida para mim era como fazer um filme serial no sentido das visitas e das histórias que são relatadas, e como é que isso caracteriza esses momentos da vida. Uma mãe que vai ter um primeiro filho, recebe os amigos que lhe contam as suas vivências, e como é que essas histórias de certa maneira ligam ao que ela está a viver. Era somente isto.

Acho que sim. No fim há um filme, não feminista, mas sobre as mulheres de hoje, e como é que elas são mães numa cidade. Esse recorte da música do tempo de como as coisas se passam.

De volta a esse conflito/declaração, é certo que existe uma ideia de descartabilidade da figura paternal na criação e educação da criança. Enquanto a protagonista solicita ajuda por parte deste, a sociedade tende a encarar o papel de mãe como uma obrigação, acima do papel de pai. Nos últimos minutos, o seu filme tende a encontrar uma espécie de utopia em ambos os papéis, talvez uma crítica social. Procurava exatamente isto no seu filme? 

Sim, temos essa ideia de que o pai pode, e deve, usufruir dos prazeres do seu tempo. Mas atenção, em “Tempos Comuns” é ele que tem mais tempo para a criança, querendo sempre estar presente nos “primeiros passos”, não em primeiro lugar, mas presente. É interessante, porque existe algo que acontece interiormente nele que tem a haver com esta transformação do amor. Por exemplo, o diálogo final demonstra perfeitamente isso. Poderá ser ausente da vida prática, mas nunca da vida afetiva. Depois há neste filme, portanto, visto que é o mais encenado que já concretizei, um argumento escrito que tive que adaptar à vida dos protagonistas (obviamente havia aqui um constrangimento, o qual queria manter).

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Estes dois amigos aceitam receber-me e fazer o filme comigo. Há um gesto enorme de amizade naquilo que foi a possibilidade concretizar este filme, o que não era possível com outras pessoas, como também num ator profissional.

O que quero dizer é que há um fundo que é de facto a vida deles que continua a ser vivida, e filmo ela ser vivida e existe uma sinceridade nisso. Sentimos que eles estão cansados, e realmente estão. Há uma certa impaciência que faz parte do corpo dos atores que eles são.

Questiono ainda se tal “conflito” foi encenado na vida deste casal?

Não consigo pensar numa estrutura narrativa que tem que cumprir esse esquema em que supostamente a ficção pode-se desenrolar. Neste caso em particular, acho que no meu filme a crise não existe, até mesmo do ponto de vista exterior à sociedade. Não há tensão, aliás, não procuro esse conflito por si só, ou de uma construção de suspense, etc. Os meus filmes vivem muito da constelação de afinidades entre, por vezes, uma pequena sinopse e o trabalho desenvolvido a partir daí. Não me interessa trabalhar o controlo do efeito do filme, não tenho noção nenhuma sobre isso, do que é que são os efeitos emocionais do que isso possa induzir.

Em "Tempo Comum", recordei uma fascinação sua pela mostra de fotografias, emanando um passado não tão longínquo talvez, mas uma certa narrativa silenciosa que nasce a partir dessas memórias impressas. Recordei isto, porque muito deste dispositivo foi utilizado no seu "Vida Activa".

Isso tem de estar relacionado com os tais materiais que apoio, as tais fotografias, pinturas, as cartas impressas e mesmos escritas, e pensando no caso da “Vida Activa”, temos lá os documentos. Não tem a ver com a questão de solicitar a memória. Por exemplo, o meu primeiro filme, “Lisboa, Província”, é a leitura de um processo clínico. Para mim, um arquivo médico tem a projeção de uma história de vida, só um documento com a naturalidade da pessoa ou a data já projeta tais vivências. São esses materiais que nos levam a outros ditos que não estão lá presentes. São materiais muito ricos para serem trabalhados e que gosto de usar.

Visto que “Tempo Comum” vai figurar na programação do Festival de Roterdão, para si, qual a importância dos festivais de cinema atualmente?

O poder de mostrar o filme num sector de pessoas que à partida estão muito disponíveis para ver os filmes sem a necessidade de saber demais. São espectadores abertos, sim, a esses filmes com diversas experiências e possibilidades cinematográficas. É importante também para este poder consolidar o seu trabalho. Um realizador não se faz de um filme, mas sim de uma sequência de trabalhos que em certa forma, no seu conjunto, se vai percebendo que existe qualquer elemento a procurar. Por outro lado, como realizador assegura-nos uma certa autoconfiança, um certo reconhecimento, um certo currículo também.

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Mas não devemos ter apenas a vontade de filmar com o intuito de integrar esse circuito dos festivais. Se os filmes não entrarem num festival, gostaria que tal não ferisse a minha vontade de filmar. E não se deve filmar para os festivais.

Pretende continuar na ficção?

O meu próximo filme terá tanto de ficção como documental. Será um filme de viagens, de encontros.

Quer falar mais sobre esse projeto?

Este novo filme regressará à minha experiência nas Novas Oportunidades em “Vida Activa”. Terá como título “O Táxi do Jack”, que será protagonizado pelo meu amigo Joaquim, que entrou neste “Tempo Comum”, assim como no meu “Prova, Exorcismos”. E será uma viagem na linha de Lisboa a Vila Franca de Xira a bordo do seu táxi. A par disso, vamos também trabalhar a história de vida dele, conotando a sua vivência como taxista nos EUA. Será um filme que tecerá um reencontro desse passado com a sua atualidade.

A não-cura para a tendência

Hugo Gomes, 24.01.18

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Chegamos à terceira e última parte desta distopia juvenil perdida em becos sem saída. Verdade seja dita, a competência não faz um filme, e Wes Ball por mais competente que seja a dirigir uma grande produção com foco centrado na fatia juvenil, dificilmente consegue bravamente sair do seu próprio registo.

Aqui a questão não é conduzir-se num guia de entretenimentos fáceis. “Maze Runner” peca, primeiro, pela coerência político-social que uma distopia poderia emanar (ao contrário do anarquismo envolto de revolta em “The Hunger Games”), e sobretudo por não trazer nada de novo às audiências. A começar pela primeira sequência, uma aspiração a "Mad Max" sem a orgânica de edição que o anexa, e a terminar na tentativa Senhor das Moscas como desfecho feliz e solucionável a um apocalipse materializado. Grandes corporações que tudo fazem para salvar a Humanidade da iminente extinção, um vírus quase “Romeriano” que gera criaturas desfavorecidas de realismo, e um grupo de jovens imunes inseridos em labirintos sintéticos de forma a descobrir uma cura. Sim, até nós questionamos a verosimilhança em tais métodos científicos, como tudo se servisse numa máscara circense de forma a injetar adrenalina num cenário pós-apocalíptico (sem acrescentar o facto desta mesma corporação intitular-se de WCKD, uma prolongada piada).

Nada faz sentido, mas mesmo sob o pretexto de “disbelieve” (descrença), “Maze Runner" não escapa ileso à homogenia da sua produção. Inconsequente até à quinta casa, longo até mais não (a culpa foi dos decepcionantes resultados do segundo “The Hunger Games”, que deitou por terra o plano de duas partes) e demasiado automático no seu encaixe, não existem aqui personagens, apenas bonecos com objetivos definidos e até mesmos os “novos” instalam-se como figuras-ferramentas, cuja existência é a solução dos problemas dos protagonistas. Nesse sentido, é o contágio da narrativa videojogo, sem o realce de questões existenciais e dimensionais do seu cenário. Tudo é corrido com a passagem de níveis.

Contudo, percebemos o público-alvo disto, em tempos de smartphones e enxurradas e consumo fácil de informação. Esse espectador perdeu a paciência, distrai-se facilmente, e necessita sobretudo de filmes acelerados e demasiado explícitos, narrativamente falando, para merecer a sua atenção. Foi nisso que o Cinema se converteu: alvos fáceis, produções gigantescas e anónimas.

“Maze Runner: The Death Cure" pode não ser a pior “coisa” existente no panorama atual, mas o seu conformismo é sobretudo alarmante.  

Antonin, o Louco

Hugo Gomes, 21.01.18

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Insinuar que Antonin Peretjatko é um novo Godard é, automaticamente, uma pretensão imprudente e sem noção de verossimilhança com a própria evolução do cinema enquanto linguagem estilística. Contudo, podemos afirmar que encontramos neste realizador um aluno imparcial das aulas do veterano “homem-museu”, uma espécie de ditado à essência imposta por uma das obras mais famosas da nouvelle vague“Pierrot Le Fou” (“Pedro, O Louco”). Essa vontade de congelar um estado fílmico, a desconstrução como palavra de ordem, a rutura com o texto e com as costuras narrativas.

O filme de 1965 é um tratado de poesia, não no sentido de sonoridade dos diálogos e das prefixações com as “belezas” guiadas do existencialismo, mas pela disposição narrativa, sem conexões evidentes, envolvidas num meio anárquico para com todo o sistema. Peretjatko é por sua vez o oposto desse anarquismo, até porque o realizador que já demonstrara a sua capacidade de menção na sua primeira longa-metragem “La Fille du 14 Juillet” (“A Rapariga de 14 de Julho”, 2013) replica os “tiques” identificáveis de “Pierrot Le Fou”. Desde a entropia fílmica, a referência como estandarte, o argumento incendiado pelo desconhecido e da viagem como pretexto e por fim, o ativismo político-social que se esconde em cada gag non sense até às experimentações de edição (os falsos-raccords, a descontinuidade entre cenas, a música que surge como um elemento de construção).

Sim, há aqui toda uma vénia, uma intenção, mais que uma homenagem, uma declaração amorosa de um cinéfilo para outro. Curiosidade, o livro, como objeto presente, encontra igual valor entre as duas obras (no caso de “La Loi de la Jungle”, o Livro de Código de Licenças é o novo omnisciente). A jornada do herói, a violência caricatural, o sexo como armadilha narrativa, traços de Pierrot’ que servem de disfarce para um contexto politico no filme de Peretjatko. Tal como “La Fille du 14 Juillet”, a França é posta a nu, distorcida a uma extensa sátira e, em consequência, como peças dominós se tratassem, a Europa e a sua “União” como trafulhice capitalista.

A Velha Europa, A Velha Europa” cantarola com saudade um dos bonecos desta selva metaforizada num país embuste. A selva, essa, onde dois destinos nos reservam, morte ou esquecimento, escreve desesperadamente o nosso protagonista, Vincent Macaigne, esse “furacão” que se tem tornado num cúmplice à citação de Peretjatko (da mesma forma que Godard solicitou Belmondo). E como aliada, Vimala Pons, novamente a afirmar-se como uma futura musa da comédia francesa (se isso não é reduzir a mínimos rótulos).

O teatro de alguém

Hugo Gomes, 11.01.18

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The Theatuh, the Theatuh - what book of rules says the Theater exists only within some ugly buildings crowded into one square mile of New York City? Or London, Paris or Vienna? Listen, junior. And learn. Want to know what the Theater is? A flea circus. Also opera. Also rodeos, carnivals, ballets, Indian tribal dances, Punch and Judy, a one-man band - all Theater. Wherever there's magic and make-believe and an audience - there's Theater. Donald Duck, Ibsen, and The Lone Ranger, Sarah Bernhardt, Poodles Hanneford, Lunt and Fontanne, Betty Grable, Rex and Wild, and Eleanora Duse. You don't understand them all, you don't like them all, why should you? The Theater's for everybody - you included, but not exclusively - so don't approve or disapprove. It may not be your Theater, but it's Theater of somebody, somewhere.Bill Simpson (Gary Merrill)

- All Abou Eve (Joseph L. Mankiewicz, 1950)

 

 

O 1984 português?

Hugo Gomes, 05.01.18

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Estreia em televisão aberta de «A Confederação», hoje à noite na RTP 2 (00h15). Trata-se de um dos exemplos do chamado cinema militante português dos anos 70, as perspectivas pessimistas de cineastas que olharam para a Revolução dos Cravos como uma mera miragem num deserto politico-social. Portugal mantêm-se no temor de uma nova ditadura, porém, tais distopias nunca concretizaram. Enfim, apesar de antiquado no seu "futurismo", a primeira longa-metragem de Luís Galvão-Teles revela-se mais orwelliano que as próprias adaptações cinematográficos do livro 1984. Um medo de um socialismo omnisciente em cruzamento com a rigidez da militarização, tudo isto desaguando numa invulgar ficção cientifica à portuguesa, um docudrama imaginário de um país projectado nesse mesmo. A ver.

Titanic for the Boys

Hugo Gomes, 04.01.18

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Primeiro de tudo, “The Room”, o filme original de 2003, produzido, dirigido, escrito e protagonizado por Tommy Wiseau, é um desastre por inteiro, a questão é como encaramos esse mesmo acidente. Alguns afirmam que é o pior filme da História da Sétima Arte, outros vão mais longe garantindo que apesar de “mau” (um rótulo algo oligárquico para qualquer crítico de cinema), trata-se de uma espécie de obra-prima nesse mesmo sentido, e quiçá, uma transgressão da arte narrativa.

Não falamos de reavaliação ou revisionismo, mas sim de um “cult” que estabeleceu o filme como um sucesso de matinés, uma troça involuntária que se metamorfoseou para uma espécie de comédia negra. E como todos os “descarrilamentos” existe um enredo a ser absorvido por detrás disto tudo, e tal aconteceu em 2013 com o livro “The Disaster Artist”, onde Greg Sesteros aborda todas as atribulações de uma produção “arriscada”, assim como a misteriosa figura de Wiseau. Foi essa mesma matéria que serviu de base para esta homónima adaptação de James Franco (que realiza e protagoniza), que a certo momento cita “Titanic” para espelhar a sua verdadeira natureza – uma iminente “catástrofe” a servir de cenário para o amor entre dois seres – neste caso especifico a amizade entre dois aspirantes a atores. Inadaptados envolvidos em fracassos contínuos que decidem traçar as suas próprias regras, por outras palavras, o seu próprio filme.

Mas em relação a “Titanic” de Cameron, ficamos somente por esta sintaxe enviesada. O filme de Franco tende a ser um prolongado making of dramatizado que bem tenta conquistar os que estão de fora deste fenómeno “The Room”. Infelizmente, a própria fenomenologia é falhada. A matéria-prima é demasiado nicho para o mainstream e de forma a conservar essa atmosfera bizarra que entra em paralelo com o objeto real, Franco emancipa-se dessa habitual tendência do “contado a principiantes” e aventura-se na sua própria jornada pessoal. Com isto afirma-se que não encontraremos nenhuma experiência de qualquer estado, nem algo arriscado em termos de storytelling clássico. Nada disso, os marcos narrativos aristotélicos mantém-se como manda o cinema de entretenimento, mas a vénia a este Quarto de Wiseau, que é constantemente indicado como o objetivo definitivo.

E todo este jeito de homenagem faz bem à saúde de Franco, que para além de um ator em constante mimetização (o mesmo se pode apontar ao seu irmão e co-protagonista Dave Franco como Sesteros), é como realizador que deparamos com o seu melhor trabalho. Sim, este é o seu filme mais contido, o menos intimista e egocêntrico e sobretudo mais competente para fins comerciais, resultando numa compaixão terna entre criação e criador.

Afastando-se da mera anedota, ou a caricatura de algo que por si merece a ridicularização, de que maneira funciona essa mesma? Tal depende do espectador. “The Disaster Artist” é um complemento dotado de carinho. É para ver, e desta vez sem a companhia de colheres.   

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