Bom 2018!
Carole Lombard e James Stewart na rodagem de "Made for Each Other" (John Cromwell, 1939)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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Carole Lombard e James Stewart na rodagem de "Made for Each Other" (John Cromwell, 1939)
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O casal Lauren Bacall e Humphrey Bogart juntamente com o filho Stephen Bogart / Foto datada de 1951
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“One of us. One of us” peço desculpa, filme errado. Tod Browning e os seus freaks não moram aqui, ao invés disso, temos cantorias e mais cantorias, um ambiente circense e pomposo que nos encurrala, sufocando-nos. É o musical saudoso feito como manda a sapatilha dos musicais wannabe. The Greatest Showman é somente isso, fogo de artificio e morais feitas para nos conquistar instantaneamente, sem nunca ter em conta a nossa opinião. Talvez Hugh Jackman seja um verdadeiro showman, mas o filme cheira a bafio.
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Catherine Deneuve, 1960
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Podemos reconhecer, a partir do ano 2000, dois fatores benéficos para a sobrevivência do cinema de Woody Allen. A primeira, Scarlet Johansson impulsionou um novo fôlego e dinâmica na cooperação entre ator/autor. É evidente que um dos melhores trabalhos do nova-iorquino nasceu daí, “Match Point”, um revisitar os temas de adultério e crimes passionais que havia estabelecido no seu “Another Woman” (“Uma Outra Mulher”). E como segundo ponto temos a vinda do diretor de fotografia Vittorio Storaro, cuja entrada no universo Woody enriqueceu esses emaranhados de histórias com uma visão preparada, cuidada, e sobretudo, atribuindo a artificialidade que o seu cinema há muito desesperava.
Nesse sentido, depois de “Café Society”, este “Wonder Wheel” (“Roda Gigante”) é, até à data, o filme que estabelece esse bem cooperativo, a fotografia que se enquadra no ambiente pseudo-fantasioso de Coney Island e que respira por vontade própria. O artificialismo referido assinala-se como uma leitura dessa mesma fantasia, o escapismo visual que indicia uma transformação. Deste modo, a fotografia de Storaro converte-se do dito requinte estético, o clima que nos transporta ao seu ambiente natural, para uma tendência de expressionismo. Os atores respiram através desta mesma imagem, das cores que nos transmitem, enquanto espectadores, uma atitude reativa em relação às suas emoções, pensamentos e, porque não, devaneios.
Mas fora do ponto visual, que nos saliva, “Wonder Wheel'' é um filme que curiosamente esclarece a veia de Woody Allen enquanto, sobretudo, argumentista. O seu apetite pela tragédia e a forma como a nos entrega, um exercício de dispositivos narrativos que maltrata as suas personagens. Estas, indiciadas como cobaias desse mesmo tubo de ensaio – a busca pela tragédia propriamente dita e de que forma atingi-la. Se é bem verdade que encontramos na personagem-guia (um nadador-salvador com apetite pelo dramático personalizado por Justin Timberlake) um espelho do Allen voyeurista, é também indiscutível que essa mesma raiz o condensa num marco de direção para o arranque desta desventura. As personagens vivem uma mentira, insinua a certa altura Timberlake, código genético destes peões que habitam no mais “fraudulento” dos locais, Coney Island.
Existe sobretudo uma rivalidade entre essas “mentiras” que disputam pelo quotidiano dos viventes, a feira que assume o décor e o cinema, constantemente trazido à baila, como uma alternativa aquela matéria algo circense. Estas feiras temáticas eram em tempos a prioridade na distração dos habitantes de Nova Iorque, porém, encontraram-se condenadas pela popularidade crescente das salas de cinema, pelo facilitismo da projeção e pela qualidade da experiência que se poderia experienciar aí.
Apesar da aparente extinção dessa Coney Island levada da breca, o Cinema poupou-o do esquecimento, conservou-o nas suas fitas, um tributo de um entretenimento ao seu antepassado. E acrescento, foi com Coney Island que o cinema norte-americano seguiu em passos na sua linguagem ao encontro do real, com “Little Fugitive” (Ray Ashley e Morris Engel, 1953). Contudo, em “Wonder Wheel”, a narrativa declara o seu fascínio trágico no qual circula ao encontro dessa mesma “ferida”. A tragédia assim proclamada como um substantivo sólido é a combustão dessa mesma trama, e a rainha desta, Kate Winslet, prova ser a maravilha disputada.
Talvez em “Wonder Wheel” deparamos com o início de uma nova faceta de Woody Allen. A ver vamos.
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O que é um género? E como se pode combater essa mesma catalogação que se confunde por entre campos identitários? Em Dragonfly Eyes identificamos o evidente, mas o mesmo é maleável, pronto para transformações, o de romper fronteiras do algoritmo binário do género. Tal como o protagonista, que responde às suas emoções com a transgressão do estereotipo social, Xu Bing opera como “muckraker” por entre imagens soltas, vinculadas a uma realidade óbvia para projetar-se numa insuflada ficção. Podemos criar novos géneros através dos velhos? Aqui se prova que sim.
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“Lucky” metamorfoseou, não durante o seu processo de criação e idealização, mas adaptando locucionariamente o seu discurso para os tempos que o abrangem. E quem o confirma é o próprio realizador, John Carroll Lynch, ator de longa carreira aventurosa na sua primeira longa-metragem. Este concebeu a obra como uma celebração ao ator Harry Dean Stanton, porque em todo ele, uma personagem-tipo, concentrava todos os elementos e aspeto no qual o identificamos acima da ficção, e sobretudo fora da realidade desconhecida, a figura que a cinefilia nos impôs – o Harry Dean Stanton que o cinema criara.
Mas a tragédia bateu à porta do ano 2017. O célebre ator de “Paris, Texas” deixou-nos; uma despedida que transforma o célebre numa melancolia prolongada, a celebração torna-se assim numa homenagem fúnebre, e a personagem-tipo num esboço da memória cinéfila. Provavelmente, com o infortúnio, “Lucky” adquire uma dimensão que o favorece, o “cowboy” solitário que vive a sua rotina como um “safe place” e que perante o primeiro sinal vindo do ceifeiro questiona todo esse ciclo, é agora uma “cuspidela” na cara da “Morte”, um sorriso malicioso perante os desfechos incutidos pela sociedade.
“Haverá vida depois da morte?” Para Lucky a vida é única e sem acréscimos, a Morte é o fim e imperativamente aceite. “The only thing worse than awkward silence: small talk” (Pior que o silêncio constrangedor é a conversa barata). Harry Dean Stanton projeta o seu “eu” num sofrimento invisível, uma espécie de solipsismo que adereça o seu quotidiano, encarado com uma automatização sacra e uma ironia crescente.
Sentimos que o ator não esmera em criar algo novo na sua partitura interpretativa, nem há sentido para tal, é a memória funcional a insuflar com vida este “farrapo humano”, um homem posicionado entre a sugestão e o segredo, a coragem e o medo, que tende em ceder por entre fissuras em relação à maior das doenças da Humanidade: a velhice, consequencialmente a solidão e o fim de um legado. A personagem é só, mas o filme não acolhe um sentido miserabilista perante a sua pessoa; é só porque assim o espectador o sente, mais do que as palavras proferida ocasionalmente sobre o assunto. “There’s a difference between lonely and being alone” (Há uma diferença entre solidão e estar só), ou dos temas quase paradoxais induzidos num bar de esquina, tendo como “parceiros do crime”, um ressuscitado James Darren e um David Lynch como consolo da tão referida memória.
E em orquestração com essa, o encontro com outro parceiro, Tom Skerritt, 38 anos depois de “Alien”, a invocar a Morte como um vilão pelo qual escaparam e que mesmo assim vivem no receio da eventual riposta. O sorriso aqui aludido que será transmitido nas proximidades do final – a essência que pedíamos após a desintegração completa da rotina vivente. Apela-se à anarquia tardia. Ou será antes rebeldia? O olhar matreiro de Stanton proferindo um último discurso, uma última resposta para o seu fim. Para depois seguir ao seu Paraíso, o leito dos laicos, o deserto que o acolhera no seu apogeu e que tanta vida reminiscente oculta.
Mesmo que Stanton aposte no “realismo” que acabara de definir (“realism is a thing”), e nas verdades entre indivíduos que nunca corresponde uma verdade absoluta, este cantinho transforma-se o seu Éden, prevalecendo memórias e garantido o merecedor descanso eterno. Isto acontece porque o sentido alterou com o contexto, a celebração aos vivos é agora uma dedicada canção para os mortos.
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