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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Uma somente lista de reprodução...

Hugo Gomes, 28.07.17

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Edgar Wright coloca a sua playlist à nossa disposição com este pseudo-heist movie completamente corrido. Baby Driver é uma panóplia de nichos pops, ao serviço de um enredo rotineiro rodeado dos mais execráveis “lugares-comuns” do entretenimento hollywoodesco e não só, e dos rótulos massacráveis da mesma industria, mas é um filme dirigido com coração e sim … com ritmo que baste. Será Edgar Wright o Tarantino para geeks?

Charlize Theron ao quadrado.

Hugo Gomes, 27.07.17

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Vamos fingir por momentos que Charlize Theron não é a protagonista de Agente Especial… sim, vamos supor que ela está ausente do projeto. O que nos resta afinal? Um thriller de ação pingarelho completamente estilizado, cujo estilo, quer estético, quer técnico, engole por completo o que de bom este filme poderia culminar? Sim, exatamente isso!

Atomic Blonde” desloca-nos para os temores da Guerra Fria, mais precisamente nos dias premonitórios da Queda do Muro de Berlim, tudo embrulhado num típico filme de espionagem mais devedor aos tempos musicalizados de hoje do que ao apogeu deste mesmo subgénero na década de 70. Como é de esperar, a premissa envolve-nos um macguffin, um dispositivo que levará a nossa protagonista e as restantes personagens numa extensa corrida contra o tempo, esse que se faz não da maneira cronometrada, mas na reconstituição de época, com a História a ser escrita em paralelo (das promessas da queda do muro até à realização do histórico ato).

Contudo, o objetivo desta intriga, o motivo de desespero destas personagens, não fazem efetivamente o sangue correr no espectador, a responsabilidade encontra-se de facto na saturação do subgénero, na vulgaridade com que o macguffin se converte nos constantes plot twists, ocorridos pontualmente e sem surpresa alguma. Mas todas estas desculpas têm um propósito (calma, ainda não é aqui que entra Charlize). A desculpa é um show off técnico e estético por parte de David Leitch (um dos realizadores de “John Wick” e futura sequela Deadpool), uma bandeja requintada de sequências de ação desafiadas por uma montagem poupada em cortes e planificações desnecessárias, aliás são os constantes travellings, esses planos sequências quase espaciais que ditam a natureza desta “loira atómica”.

Que em união com a violência gráfica, os stunts sem falhas e devidamente treinados, a decadência de uma Berlim em ebulição e por fim … entramos então naquele ponto inicial … a nossa atriz com esforço e dedicação neste papel fisicamente árduo. Theron dispensa os duplos, é autodidata e essas qualidades refletem uma cumplicidade com o olhar clínico de Leitch, esse dinamismo vibrante entre a técnica pensada em prol da ação e não o oposto.

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Curiosamente, existem vestígios de um subenredo existencialista que parece ocasionalmente demarcar-se da proposta de ação. Quem é esta “Atomic Blonde''? O que procura ela numa cidade dividida sob a agenda política? “Em Berlim, todos procuram algo”, afirma uma das personagens que atravessa no seu caminho, uma estrada que a guia para uma outra sequência. Enquanto combate capangas no Cinema Kino, é projetado “Stalker”, de Andrei Tarkovsky, a ficção científica filosófica onde um grupo de personagens tentam alcançar a “Zona”, um local misterioso, perigoso e proibido que realiza os respetivos desejos íntimos de quem o atravessa. Nessa jornada cinematográfica, estas personagens defrontam as suas dúvidas e medos antes de se instalarem na “Zona”, que resulta igualmente no espaço de uma Humanidade cada vez mais guiada pelo seu “umbiguismo”. Cena seguinte temos: “Everything you want is on the other side of fear”, lê-se num dos letreiros visíveis de um clube noturno de Berlim, essa cidade conflituosa em prol dos seus mais íntimos desejos, um desejo coletivo que não reflete a dúvida individual da personagem de Theron.

Infelizmente, ficou a sugestão, “Atomic Blonde” perde esse rasto no trilho, e o que sobra é só mesmo uma dedicada atriz de corpo-e-alma. E sim, é ao adicionarmos Charlize Theron a esta equação que o resultado se torna satisfatório. A atriz torna-se a rainha da ação, a estrela deste palco em ruínas e o resto… bem, o resto, a intriga, os secundários e a direção, são somente elementos subjugados a uma realeza apenas. 

O Sexto Elemento?

Hugo Gomes, 26.07.17

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Uma adaptação de “Valerian” em pleno século XXI arrisca-se a repetir os mesmos contornos do anterior flop “John Carter”. Eis dois filmes que vieram muito depois do seu tempo, projetados numa altura em que a cultura pop e o reino do space opera encontra-se intrinsecamente embebidos pelas suas próprias influências (muitas vezes sem ter a perceção que os referencia). No caso da publicação franco-belga, “Valerian & Laureline”, criado por Pierre Christin, a sua importância serviu de base para muita da “ficção científica” hoje tida como fenómeno cinematográfico e cultural, nomeadamente “Star Wars”, o qual o seu mentor, George Lucas, sempre assumiu ser fã da banda-desenhada e cujas referências o auxiliaram na criação do seu tão amado universo.

Desde a primeira publicação, em 1967, contam-se sensivelmente 50 anos, e Luc Besson, sempre desejoso em converter este legado para o grande ecrã, experienciou tais templates com o seu “The Fifth Element” (“O Quinto Elemento”, 1997). Sendo um projeto por si arriscado, no seu contexto mercantil (vender space opera fora do conceito “Star Wars” é uma tarefa quase hercúlea para as audiências estivais), Valerian poderá ser induzido a erro pelas gerações mais novas, o de ser ultrapassado pelos seus descendentes, e equivocadamente reduzido a um “frankenstein de ideias”, uma vistosa e histérica criação oportunista. Mas, longe dessa miopia envolvente ao fenómeno “Star Wars”, que hoje parece ter encontrado os seus piores dias de criatividade com o cunho da Disney, Besson encontra em Valerian mais que o jeito homenagem, o júbilo recorrente à fertilidade de uma imaginação interestelar, como se por momentos o realizador francês propusesse um regresso aos seus tempos de juventude, ao imaginário febril daqueles seus “sonhos molhados” envoltos de naves espaciais e criaturas from outer space, anteriormente apenas possíveis no formato quadradinhos.

Se é certo que em “Valerian and the City of a Thousand Planets” deparamos com a típica produção destinada ao fracasso comercial (nem o orçamento ajuda a contrariar a premonição), é bem verdade que se esperava uma autêntica catástrofe qualitativa por entre galáxias. Toda essa “segurança”, podemos assim chamar, advém da sua natureza, despretensiosa e ciente das suas inverossimilhanças. Tudo recorre ao estilo de uma autoparódia, quer com a matéria-prima, quer com a própria filmografia que Besson astutamente brinca nas entrelinhas. Para além de fazer uma constante perpendicularidade com o seu anterior “Quinto Elemento", um caso de “pescadinha rabo-na-boca”, onde o filho torna-se o pai e o pai torna-se no seu próprio filho.

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E como é óbvio, 250 milhões de dólares investidos aqui resultam de um visual exuberante que nos remete ao pitoresco e à glória do burlesco criativo. Mas nesse aspeto, Besson é tão próximo de Cameron, tão ligado a esse vínculo tecnológico que suporta a estética do projeto, sempre numa jornada em busca do artificialmente credível, constantemente em confronto com o maior dos seus inimigos – o tempo que nos traz o obsoleto. E é então que o realizador segue os ideais de outro, George Lucas, e o seu paradigma da tela branca, dando asas à criatividade possibilitada pelo CGI e assim adiante, conceber um mundo de raiz. Essa “criação” é nos trazida a largos passos pelos créditos iniciais onde Space Oddity de David Bowie ecoa no profundo espaço, uma montagem de um futuro próximo, atingível daqui a um par de anos, que distância até dar lugar a este tutti-frutti espacial.

Enfim, Besson sabe o que faz, apesar do argumento o atraiçoar por diversas vezes e o elenco ser mais apelativo para gerações novas e não os eventuais fãs do original “Valeria & Laureline”, sem com isto negar a química existente entre Dane DeHaan e Cara Delevingne, ou da sedução natural de Rihanna num papel desvanecido de ênfase (vista como uma solução argumentativa que qualquer outra coisa). E como se trata de um filme de Luc Besson, existe sempre a tendência de sermos polvilhados com deliciosos pormenores … e porque não, encontrar no meio deste lunatismo, uma metáfora estrelar ao transgenerismo? Fica o desafio.

10 Anos de Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 25.07.17

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Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963)

10 Anos!!! Cada vez mais difícil escrever um texto sobre esta data, sobre aquele desejo de despachar textos numa plataforma de internet para depois seguir disto, não só como um hobby, mas como um modo de vida.

Sim, já cheguei aquele ponto em que olho para os textos de outrora e já não me revejo neles, sobretudo penso naquilo que evoluí, desde a minha escrita que ganhou uma outra forma e o meu olhar cinéfilo que adquiriu conhecimento e maturidade ao longo desta década. Foi uma jornada e tanto … sim, não foi fácil preservar um blog destes num período tão extenso, equilibrá-lo com a nossa vida pessoal, assim como profissional.

Agora, sem mais demoras, porque as palavras estão a escassear, um muito obrigado a quem me seguiu e que continua a seguir-me, a ler os meus textos, a concordar sobre eles, a discordar sobre eles também, a deixar a sua própria perspetiva cinematográfica, entre mais. A esses leitores … aos meus leitores … um muito obrigado! Esperamos continuar a falar de cinema em mais uns valentes anos.

CONFORME SEJA AS VOSSAS ESCOLHAS, BONS FILMES!

Pixar de volta à pista

Hugo Gomes, 20.07.17

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Ka-chow! A toda a velocidade chegamos à segunda sequela de “Cars”, aquele que é considerado o lado mais mercantil da Pixar, tentando regressar à estrada após ter sofrido um “pequeno” acidente pelo caminho. Enquanto o estúdio tenta corrigir-se dos erros tomados no anterior, a megalomania e o espaço de antena exagerado para um dos secundários (quando não percebem que com pequena doses tudo torna-se mais que saudável), este terceiro filme sobre carros falantes aposta na veia emocional que todas as animações parecem ter contraído até então.

Por isso, colocando tudo em “pratos-limpo”, este “Cars 3” nada diferencia das enésimas produções hoje lançadas, qualquer que seja o estúdio por detrás, é o amontoado de clichés e lugares-comuns requeridos num enredo de previsibilidade. Porém, como se trata de uma resolução, um efeito de compensação e ao mesmo tempo uma afirmação do poder económico da Pixar (é preciso vender merchandising), digamos que este algoritmo 3 é um bon voyage das memórias motivadoras alicerçadas a um Rocky e suas sequelas. Depois da história do “retorno triunfal aos ringues”, neste caso “pista”, somos presenteados com o “legado”. Restringindo ao vocabulário da saga pugilista de Stallone, deparamos com uma espécie de “Creed”, a passagem do testemunho, a herança a servir de fim a um ciclo.

Nesse sentido, é assim fortalecido o lado fabulista da animação, as cadências emocionais que, em tempos, poderiam ser bem sucedidas e sacrifica-se o humor corriqueiro anexado a comic reliefs de qualquer espécie (damos graças por isso). O que torna este “Cars 3” numa curiosidade cinéfila é a pequena homenagem a um dos actores que tanto nos deixa saudades e cujo início, o filme de 2006, convertia-se na última vez em que a sua voz cansada, e de certa forma sábia, foi ouvida. Sim, refiro-me a Paul Newman, aqui replicado para seguir como uma meta-ênfase dramática, a sua encarnação digital no enredo do filme, e o timbre vocal que invoca as recordações, o legado deixado e imortalizado no espetador-cinéfilo. Só é pena que o testamento seja lido num produto tão esquecível como este.

A Guerra? Um mero espectáculo circense nas mãos de Nolan!

Hugo Gomes, 19.07.17

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É um bélico sem o sufixo de épico. Christopher Nolan recolhe os factos históricos que rodeiam a evacuação de mais de 300 mil militares aliados em 1940, nas praias de Dunquerque (França), um episódio crucial da Segunda Guerra Mundial que revelou ao mundo a ameaça ignorada que se o tornaram os alemães sob a ideologia nazi. Nessa recolha, Nolan assumiu-se preparado para retratar a batalha e a retirada, essa ferida no orgulho britânico, ao invés de personificar os idos do campo de guerra através de herois patriotas, ou do maniqueismo avassalador cujo tema suscita automaticamente.

E se o realizador, de origem britânica a operar em Hollywood, isola um pedaço de “História morta” ao serviço da sua narrativa, novamente contada em três espaços temporais em constante colisão resultante num só quadro, é verdade que todo esse argumento de reconstituição tornam “Dunkirk” num ensaio dramaticamente vazio.

Ao contrário de “Titanic”, de Cameron, em que a dita “História morta” entra em serviço do romanesco cinematográfico, neste bélico filme de jeito possante, a romantização está fora de alcance. Aliás, esta é a “nova ” Hollywood idealizada por Nolan, numa cruel limpeza ao misticismo e ao simbolismo contraído nos putrefactos ventos saídos dos enésimos campos de batalha. Se fosse só isso, estaríamos calmos e serenos, esperando o reforço vindo da outra margem, mas não. Mesmo que as “vacas sejam sagradas” e “intocáveis”, há que reconhecer que a megalomania tomou Nolan e a sua ambição de germinar um “espírito autoral” o atraiçoa, fazendo-o tropeçar nas suas próprias qualidades.

Se foi dito que o realizador é um artesão cuja emocionalidade é zero, eis a prova dessa inaptidão. Para contrariar, como trunfo na manga, surge a manipulação. “Dunkirk” arranca com a primeira nota de Hans Zimmer e é com ele que o espectador segue sem interrupções até à última da pauta. A ginástica cometida pelo compositor é tanta que chega a executar com mais exatidão o trabalho que estava encarregue a Nolan: o de adereçar às suas “personagens” as emoções necessárias, a tensão das ocorrências, aquela espera de um milagre que se faz hiperativamente de forma a competir com a (im)paciência da audiência.

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É um filme de guerra mirabolante, quer na sonoplastia ensurdecedora, quer na edição “salta-pocinhas” e sob promessa do “time delay“. Contudo, é nessa dita edição que não devemos perdoar essa grandiloquência produtiva. Nolan falha na técnica, não reconhece as dificuldades com que se filma em alto mar, em enfrentar as instáveis condições climatéricas marítimas, da coloração que o mar porventura dispõe diariamente.

Não há com que perdoar, “Dunkirk” tem um orçamento milionário, um realizador com uma liberdade em Hollywood invejável e a tecnologia atual que funcionam como verdadeiros feitos e facilitismos (sem com isto insinuar que grandes produções deveriam estar restringidas a estúdios e a chroma keys). Ou seja, depois de “The Dark Knight Rises”, este é o novo desleixo de Nolan, para além de ser um filme à sua imagem. Tão subtil que nem um camião-TIR, um peso-pesado sem graciosidade, sem a violência, quer gráfica, quer sentimental, das imagens, ou o constante barulho que retira qualquer experiência sensorial.

The sweetest sound” clama Mark Rylance ao observar os caças aliados a sobrevoar sobre ele. Poderia ser o “som mais doce”, mas Nolan impossibilita essa “audição”, assim como é incapaz de nos oferecer o tão aguardado espectáculo que nos prometia. Longe da reflexão humana e social que Dunquerque possivelmente proporcionaria, Nolan atira-nos como epílogo um apelo ao “Novo Mundo” para resgatar este “Velho Mundo” em modo de ebulição.

Parece que afinal a “História morta” acaba por ser “História morta”!

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