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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

A Oportunidade Perdida de Z

Hugo Gomes, 27.04.17

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A Amazónia foi em tempos vista como uma selva indomável e impenetrável, o novo filme de James Gray apenas tem em comum o último ponto. É um registo domado pela fanfarrice e pelo constante estatuto de "aluno aplicado" que o realizador sempre fora. Sim, Gray é mesmo o pior que The Lost City of Z tem para nos oferecer, porque de resto encontramos uma autêntico anti-aventura com vinculo na matriz da tão chamada "civilização".

O que é pior que um filme fascista?

Hugo Gomes, 24.04.17

87954081_1474278289404971_7778152860721610752_n.jp«O Círculo» é de uma incompetência extraordinária. Um filme sobre o fascismo providenciado das novas tecnologias, cuja ingenuidade e a veia moralista o torna tão totalitário quanto o tema que invoca. Para além disso, é a "pirosidade" da sua direcção e o elenco que parece repudiar a matéria em si. Acrescento ainda que nunca vi Emma Watson em tão má figura.

"Os Contos da Lua Vaga": a obra-prima ou a confirmação de uma mestre?

Hugo Gomes, 22.04.17

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(…) com devotos fiéis, mas nenhum discípulo e nenhuma exegeta“, menciona o realizador Paulo Rocha em relação ao consagrado cineasta japonês, Kenji Mizoguchi, que contaria com um inédito ciclo programado na Calouste Gulbenkian. Ciclo, esse, projetado 20 anos depois da morte de um dos homens mais incontornáveis da História cinematográfica nipónica, e, tendo como uso as palavras escritas de Rocha, um dos mais esquecidos. A sua carreira é hoje, integralmente, um desafio, passando do mudo até aos talkies (em similaridades com outro conterrâneo tardiamente desvendado em terras lusas – Yasujiro Ozu), e cuja fama entre o circuito cinéfilo havia apenas sido suscitado anos tardios. Essa mesma aclamação, como também atenção, fora realçada com a passagem de “Os Contos da Lua Vaga” (“Ugetsu monogatari”) no Festival de Veneza de 1953, onde iria vencer o Leão de Prata do certame, à imagem de “O Intendente Sansho” (“Sanshô dayû”) que conquistaria tal proeza no ano seguinte.

Mas “Os Contos da Lua Vaga” não resultou em nenhum impulsor deste cinema dignamente “mizoguchiano”, ainda hoje estudado e por vezes ignorado, tendo como principais influências uma cercada globalização cinematográfica (há toques de neorrealismo italiano ali, um expressionismo alemão acolá, a moralidade de Hollywood além). O que, na sua provável ambição, “Os Contos da Lua Vaga” tornou-se na mais célebre das suas obras graças ao aperfeiçoamento das principais características do realizador; os planos longos intercalados por grandes gerais e travellings que tanto usufruem dos cenários feudais e outras reconstituições históricas (ainda há espaço para exorcizar um Japão tradicional e regido no seu particular quotidiano), e da união quase umbilical entre a imagem e o som, com principal destaque a confrontação de demónios por parte de Genjurô (Masayuki Mori) no filme referido.

Em certa parte, “Os Contos da Lua Vaga” assume-se como um jogo de sombras, flashbacks integrados na ação e não reduzidos a camadas narrativas, marcos que seriam aproveitados por Michelangelo Antonioni em “Professione: Reporter” (quem nunca se esquece da dupla interpretação de Jack Nicholson na ação decorrida e no flashback de varanda), a atmosfera que nos afronta como um submisso a mercê desta Lua de agosto e da coexistência entre a ficção e o onírico, o fantástico com a reconstituição e o mundo dos vivos com os dos mortos, negligenciando as suas condições metafísicas. Mizoguchi beneficia das dicotomias, da harmonia de teores para implantar a sua fábula de homens ambiciosos e das respetivas mulheres mártires desse pretensiosismo egoísta.  

É como uma pintura delicada, pintada sob toques graciosos e delineado por um carvão hesitante, mas de concepção precisa. Mizoguchi é um artesão, um perfeccionista (como muito tem sido caracterizado), mas redutor do seu espaço, e nisso torna-se mais que subtil na transposição desta (bi)adaptação (baseado nos contos de Ueda Akinari e de Guy de Maupassant), mais um fator que nos leva à sua natureza híbrida. Híbrida? Porque no cinema de Mizoguchi encontramos a fusão, um requintado e apetitoso prato no qual concentra as memórias tradicionais com a sofisticação do tempo que se depara. “Os Contos da Lua Vaga” não é nenhum avante nesta sua “gastronomia”, é simplesmente o solstício de um autor que merece mais do que uma mera menção.

A série B como denunciador social ... recomenda-se!

Hugo Gomes, 20.04.17

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Questões raciais num EUA ideologicamente repreensivo que parece ter encontrado lugar nos discursos de Trump. É cliché, mas sob esse carvão pelo qual Get Out se torna num entusiasmante exercício de Série B, com uma clara mensagem que condensa esse ponto de ebulição e ainda lança farpas à mob flash politicamente correcta que se mantêm hoje em vigor.

 

"La Chiesa": os demónios que nos livre!

Hugo Gomes, 20.04.17

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Inicialmente tido como uma terceira parte de Demons, a saga demoníaca levado a cabo por Dario Argento e Lamberto Bava (filho do cineasta Mario Bava), Michele Soavi declarou independência e o transformou em algo autónomo, mas ... não devidamente emancipado do estilo dos seus "padrinhos".

La Chiesa (The Church) leva-nos ao tormento das Idades das Trevas, por entre templários e inquisições de desfechos sangrentos. São as cruzadas, trazendo consigo o derrame de muitos "hereges", cúmplices das forças demoníacas que sempre ameaçaram o espírito humano. No seio do massacre submetido ao nome divino, é erguido um monumento, um edifício que pudesse consagrar o amor terreno por Deus e que aprisionasse qualquer forma inglória. Como tal é construído uma Catedral, um símbolo vitorioso. Anos passaram, até chegarmos aos tempos actuais, onde a chegada de um bibliotecário faz adivinhar tamanha tragédia, um desconhecido que se deixará vencer pelos espiritos torturados e pelas entidades que se escondem nas sombras, no mais remoto lugar daquela "prisão" de pedra sobre pedra.

Em La Chiesa, devido ao seu pretensiosismo aguçado e quase arquitectónico, o fracasso é um iminente destino, agravado pela incapacidade de construção de personagens ou na condução de um argumento escrito e transcrito e assim crucificado na falta de coerência. Se tudo está destinado ao mais martirológio dos falhanços, deve-se salientar a forma com que Michele Soavi manobra-se pelo estilo vincadamente série B, pela redução aos lugares-comuns e pelo humor involuntário refeito a partir da não exactidão do enredo. A verdade é que Soavi aproveita a cenografia gótica, a atmosfera por vezes sacrificada e a via sacra como inspiração para este modelo de pesadelo cinematográfico.

No terceiro acto, La Chiesa transforma-se num atento filme de cerco (a invocação da saga não assumida), onde "bonecos" (ao invés de personagens) são subjugados a uma orgia de tentações infernais, heresias que se enquadram como formas demoníacas. É assim que recomeça o sangue, a "nova" cruzada, agora invertida e altamente comunicativa com o veio sexual e por vezes, profano. Sim, tal como uma descida danteana, este é um filme recheado de luxuria, de trevas que embicam para os sonhos molhados dos nossos negados temores e medos. É o Inferno sedutor e indesejado descrito nas escrituras e na memória humana quando esta proclama os feitos cometidos por Deus e a tentação empestada pela Besta.

"Não há Deus sem Diabo", diz o bispo (Feodor Chaliapin Jr.), espalhando o medo pelo desconhecido que os envolve. Michele Soavi conseguiu no meio do caos um pesadelo, e por pouco dava-nos a sua obra-prima (dentro dos parametros mimetizados do legado Bava / Argento). Mas grandes monumentos tendem em cair e La Chiesa cede abruptamente.

O "acting" como demarcação social

Hugo Gomes, 18.04.17

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Bruno Dumont é o senhor do burlesco, a pitoresca caricatura que adquire a absoluta forma cinematográfica, e conseguiu transmitir tal aura em “Petit Quinquin”, uma minissérie que tentou a sua sorte como longa-metragem (uma longa, mas relevante metragem da sua carreira). “Ma Loute”, por outro lado, segue a passos essa marca estabelecida, remetendo-nos a um enredo da Belle Époque, onde o início do século parecia revelar-se num magnífico quadro de aristocracias mecanizadas, porém, iludidas a uma miragem. E essa mesmo, resultando sob ecos da Revolução Francesa, o poço cada vez mais fundo que separa classes. Tema que persegue o espírito “gaulês”, os franceses teimam em focar nas suas fitas a divergência recorrente no Cinema e “Ma Loute” não é exceção. Só que, vejamos, a linguagem é simplesmente outra.

Em 1928, Louise Brooks, atriz norte-americana, chegaria à Europa para se concentrar num novo rumo da sua carreira. Entre os filmes que desempenhou no Velho Continente, destaca-se “Pandora’s Box” (“A Boceta de Pandora”), onde interpretava uma sedutora, os primórdios da crescente imagem da femme fatale. A sua arma de sedução era uma, o seu método de desempenho, algo vincado no realismo dos atos que entra em contraste com o drama teatral dos atores europeus da altura. E foi nesse contraste que soube-se criar uma nova linguagem narrativa, a linguagem derivada da interpretação. Anos mais tarde, Federico Fellini concentrou em atribuir um tom quase alienígena para a burguesia pseudo-cultural representada em “La Dolce Vita”, seres estranhos que se destacavam do resto do Mundo em constante decadência pelos seus respectivos e gravitacionais egos que os isolavam às suas fantasias anteriores.

Em “Ma Loute”, a tal linguagem narrativa encontra-se perfeitamente estabelecida nesta diferença de classes, nota-se o “underacting” dos camponeses deste vilarejo costeiro, e o “overacting” da aristocracia que eventualmente surge em cena, com Fabrice Luchini e Juliette Binoche à cabeça. O ridículo das sequências protagonizadas servem, não como um veículo de comédia, mas como uma reflexão de um grupo em vias de se extinguir, portanto perdoa-se os veios oníricos e o paradoxismo que se escuta como brisa marítima neste filme que resiste à sua memória. A memória de um cinema sem medo da reprovação do espectador, um cinema que ergue a visão do seu autor em prol de uma mensagem, do que providenciar um género, neste caso, como fora caído em erro, a comédia como um círculo fechado. Não, “Ma Loute” espelha uma diversidade de tons que desaguam para um exercício de alienação interpretativa, aliás o foco dessa crítica é tão evidente, a burguesia iluminista é somente uma espécie extinta, só que ainda não haviam percebido tal desaparecimento.

Contudo, nem tudo é perfeito. Dumont tende a cansar com o seu registo. Os tons perdem fôlego e a partir daí é óbvio que dialoga cada vez mais alto. É então que, sem conseguir segurar a tragicomédia de gostos nos carris, “Ma Loute” verga-se pela caricatura fácil, principalmente no seu grande comic relief, que à imagem do anterior “Petit Quinquin”, é uma homenagem aos clowns que perpetuam na nossa memória cinéfila. Se em “‘Quinquin” era a alusão dos Irmãos Marx a resultar na autoridade, em “Ma Loute” são os clássicos Laurel e Hardy sob iguais causas. São momentos deliciosos, envolvidos num humor de camadas que vai desde o godardiano acaso de um “Pierrot Le Fou”, até ao inglês non sense e absolutamente metafórico dos Monty Python.

Sim, é um doloroso sorriso que nos faz esquecer por momentos que a tragédia vive em nós, ou será antes, a tragédia num novo tipo de comédia?

O Arrependido, O Orgulhoso e a A Absolvida

Hugo Gomes, 12.04.17

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Não é negação, mas sim saturação. O Holocausto parece ter atingido o seu ponto de ebulição no Cinema, ou há ideias e novas abordagens para apostar, ou se verga, como se turismo de tratasse, numa reconstituição crowd pleaser. Conta-se pelos dedos as “inovações” nestes lugares, não comuns, mas tão presentes no nosso “eu” moral. Em tempos de populismos e “revisionismos históricos” (termo técnico trocado pelos historiadores para amenizar a evolução do negacionismo), existe uma importância humanitária, como cultural, para recordar estas “horas negras” onde a sobreposição ideológica acima das condições humanas obtiveram resultados catastróficos que ainda hoje ecoam. Mas até que ponto deveremos recordar essas atrocidades? Andrei Konchalovsky parece ter encontrado uma nova perspetiva ao tema através do ponto consequente da desgraça da ideologia política. Paraíso, o título, resume, não ao Reino dos Céus, mas à emancipação de uma ideia, de uma comunidade “moral high ground” onde a política adquire a sua consistência massiva.

Um Paraíso para o nosso povo. Um Paraíso alemão“, declara de peito erguido o oficial Khelmut (Christian Clauss) nos interrogatórios que intercalam a narrativa desta obra envolvida em tons cinzentos. Ele é um homem decente, segundo as doutrinas globalmente conhecidas de Henrich Himmler, de um coração abrangente, mas completamente embebido pelo sonho Nazi partilhado por Hitler e os seus seguidores do partido. Khelmut é a prova de que a intolerância juntamente com a ignorância condiciona-nos como humanos e que o passado nos confronta, igualmente unindo-nos a essa mesma jornada moral. Para o nosso oficial, a ligação direta para essa consciência deveu-se a uma “princesa russa”, caída em desgraça num campo de concentração. Olga (Yuliya Vysotskaya) é essa aristocrata agora reduzida a um número, um número a ser subtraído pelas contas dos alemães, e a sua vivência longínqua com o oficial que se vai tecendo numa réstia de esperança numa fuga iminente – “achas que há um paraíso para todos?“.

Andrei Konchalovsky recria aqui um embate entre ideologias e golpear perspetivas, porém, e infelizmente, tudo é feito através da invocação dos lugares-comuns, do requisitar da violência gratuita que nos explicita o óbvio – a desumanidade das SS. Assim, o realizador parece tropeçar num evidente maniqueísmo, principalmente tendo em conta um certo teor nacionalista, onde guarda rancor de gerações aos germânicos e compaixão pelos seus conterrâneos (basta ler a dedicatória deixada pelo mesmo no final da fita). Mas apesar dessa motivação obscura, Paraíso desfragmenta em cacos um filme nascido nas ruínas que se expande como uma panóplia de conhecimentos ideológicos isolados e algumas catchphrases que ficam para futuras reflexões, mais do que todo o filme (“O mundo sem corrupção, seria completamente desumano“).

Como se não bastasse, as decisões narrativas culminam num plot twist com mais 500 anos, e bem português porventura. A invocação do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, aqui a soar como um puro registo de manipulação, da desgraça sofredora do cristianismo e o julgamento dos três cabecilhas dos respetivos grupos. No final das contas, o que sobra é O Arrependido, O Orgulhoso e a A Absolvida.

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