Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Filme de tema?

Hugo Gomes, 31.03.17

JVj2mj7IkFavk0QpQJ1ZYbM_Z1I.jpg

O filme é medíocre, o debate suscitado não. Denial fornece-nos as ferramentas para a mais derradeira discussão e reflexão do Mundo que vivemos actualmente e que estranhamente assistimos à sua metamorfose. O negacionismo, o populismo, a xenofobia, o antissemitismo, e até que ponto podemos violar a liberdade de expressão através do politicamente correcto, uma mixórdia a ser servida no final da sessão.

A queda do cinema americano?

Hugo Gomes, 28.03.17

Ghost-in-the-Shell-2017-Frontpage.jpg

Bem-vindos à queda do cinema americano, e não, nada tem a haver com as controvérsias de whitewashing, a escolha de Scarlett Johansson para interpretar uma cyborg. Não, simplesmente o que vemos nesta adaptação de uma adaptação de uma manga da autoria de Masamune Shirow, é o requisito de lugares-comuns e dos truques primários que tanto minam o cinema para as massas oriundos dos grandes estúdios americanos.

Já a primeira conversão do material original para cinema, uma animação estilizada de Mamoru Oshii, funcionou como um quebra-formulas daquilo que poderia no entanto suscitar. É ficção científica da futurista, com pinceladas fortes de Phillip K. Dick e, sob linguagem cinematográfica, influenciada por clássicos como “Metropolis” e “Blade Runner”, que orquestrava uma narrativa anti-clímax, sugestiva e sobretudo cerebral. Onde irão as nossas particularidades enquanto seres humanos num mundo completamente à mercê do robótico? E as questões da inteligência artificial? E do “uncanny valley“? Estas tendências são debatidas em quase tudo o que se designa  ser ficção científica “astuta“.

Sim, o filme tinha esses propósitos de servir mais como uma reflexão ao serviço da animação, do que se apresentar como o enésimo arquétipo de ação animada, e a esquecida sequela (“Innocence”, 2004) prolongou essa fantasia filosófica de um futuro à vista.

Porém, eis que surge a lavagem de Hollywood, um produto com claras pretensões de agradar os fãs do original e adeptos dos chamados “blockbusters inteligentes“, mas que se perde perante as suas ambições. O porquê? Por que todos os ingredientes que transformaram “Ghost in the Shell” em mais do que um mero fruto da industrialização, são esquecidos e trocados por equações homogéneas daquilo que tanto abunda no entretenimento mainstream. Diria que este “Agente do Futuro” (lembraram-se de traduzir para português) é um embrião do cada vez mais formulaico cinema de super-heróis, trocando a dita filosofia por enredos de vingança, o sugestivo pelo explícito, e o cerebral pelo códigos primitivos do bem entreter (salienta-se ainda o maniqueísmo básico).

Scarlett Johansson é a nossa heroína, meio Lucy, meio "Viúva Negra” da Marvel, que se movimenta pela narrativa como uma “boneca de prontidão exata para a ação". A sua Major é demasiado emocional, frente às crises existenciais da versão animada. Tudo o resto, exceto o ocasional “Kitano Show” [Takeshi Kitano a assumir o controlo a meio da fita], é uma réplica prolongada, e segundo eles atualizada, que apenas jura fidelidade ao visual da obra de 1995. São estes raros pontos de contato que fazem salivar os ditos fãs, mas por aqui grito em pleno pulmões: “It’s a trap“.

Talvez uma premonição de como este “Ghost in the Shell” iria falhar (se bem que se espera, mesmo assim, que faça sucesso nas bilheteiras, até porque Scarlett Johansson já faz parte do star system) é a época em que os dois filmes surgem. A versão de Mamoru Oshii surgiu em 1995 e foi uma das influências para “The Matrix” dos Wachowski, e esta versão de Rupert Sanders (com “Snow White and the Huntsman” no currículo) surge numa altura em que quase todo o entretenimento cinematográfico encontra-se contagiado pelo referido frenesim cyberpunk. Resultado, apenas chuva em terra molhada.

Claude Barras: "Os filmes da Disney são muito caros e têm menos liberdade no que abordam"

Hugo Gomes, 26.03.17

barras-claude-749x421.jpg

“Ma Vie de Courgette” separa-se do destino do homónimo protagonista - Courgette -  pois a sorte bateu à porta desta longa-metragem de animação stop-motion assinada pelo suíço Claude Barras. Uma passagem feliz no Festival de Cannes, uma nomeação ao Óscar, para além de ter sido o candidato suíço à categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira, e agora, a alta distinção na 16ª edição da MONSTRA.

“Ma Vie de Courgette” enche-se de orgulho, mas pouco foi uma questão de sorte e o filme fala por si. Tive a honra de conversar com o realizador sobre esta sua preciosa criação, um conto infantil agridoce com todos os requisitos do cinema social europeu e, claro, uma alternativa ao mercado imperativo da Disney. As crianças requerem diversidade, assim como nós. 

Como surgiu a ideia para este filme?

Quando tinha 10 anos li um livro o qual achei muito bom (“Autobiographie d'un courgette”), que me remetia às séries de órfãos como "Nobody 's Boy: Remi” ou a “Heidi". Hoje em dia há menos diversidade de filmes para crianças, não há muitos filmes realistas ou que simplesmente falam da realidade para os mais novos. Foi por isso que decidi adaptar o livro.

Courgette é um pouco diferente dos outros filmes. Em vez de ser um filme para crianças, é um filme sobre crianças.

É uma abordagem realista sobre a infância na animação, a dirigir-se também às crianças e com a estrutura de um conto. 

Como funcionou o processo de stop-motion?

Influenciou o lado realista no uso da luz e da mise-en-scène, a partir de marionetas muito simples para a animação. Foram 12 fotos por segundo com a pessoa que manipula a marioneta a alterar os braços, as pernas, a boca, faz pestanejar, imagem por imagem.

Em relação ao design, houve quem apontasse como uma influência ao universo de Tim Burton?

Sim, adoro os filmes dele, sobretudo pelo aspecto gráfico. Mas também sei que ele foi influenciado pela Rankin / Bass, uma dupla de cineastas da década de 60 que também recorreram ao uso de marionetas. Portanto, também me baseio no trabalho deles.

Acha que o Tim Burton vai gostar de ver o seu trabalho?

Não sei, espero que sim. (Risos)

O The Guardian aclamou que o seu filme era um “Ken Loach para as crianças“.

Gosto muito dos Ken Loach, dos Dardenne, aquele cinema social europeu. Sim. Penso que sim, que possa ser visto dessa maneira, cinema social de animação.

evento_img5b7c349a78165.png

É um statement político aquele que faz no filme, contra o mercado da Disney na animação?

Penso que as crianças têm necessidade de diversidade e que este é um pouco diferente dos outros. Penso que fiz bem em comparar a animação à realidade, à sociedade, à violência, à sexualidade, mas através de um muro, que é o da esperança. Os filmes da Disney são muito caros e têm menos liberdade no que abordam. Ao fazer um filme com um orçamento menor, consigo ter a liberdade que quero.

Como se sentiu por Courgette ser a sua primeira longa-metragem?

Estou muito contente com o resultado, foi muito duro. Mas é um filme coletivo, com uma grande colaboração técnica. Também estou feliz porque acho que vou continuar a dirigir-me às crianças com um lado ecológico, com estes temas importantes e que nos fazem refletir.

Como foi colaborar com a argumentista Céline Sciamma?

Gostei muito, admiro imenso o trabalho dela e foi o meu produtor que me propôs trabalhar com ela. Já tinha as personagens e uma primeira versão do argumento e, portanto, trabalhámos ao longo de um mês. Pelo meio tivemos uma pequena discussão, mas tive a impressão de que ela estava a escrever para mim. Ficámos a conhecer-nos bem pessoalmente e com a promoção do filme tornamo-nos muito amigos.

Alguns pensamentos sobre a nomeação aos Óscares e a passagem pelo Festival de Cannes?

Durante a rodagem, sabia que o filme agradaria às crianças, mas não tinha tanta certeza o quanto iria agradar uma audiência adulta. A passagem por Cannes foi muito forte, intensa, violenta, porque creio que dei mais de 100 entrevistas em apenas três dias [risos]. Mas foi uma chance enorme passar por um festival que deu uma projeção tremenda. A quantidade de jornalistas que falaram do filme atraiu um grande número de pessoas para vê-lo. Porque, infelizmente, é difícil filmes como “Ma Vie de Courgette” encontrarem um público.

Depois de Cannes passei 2 meses a fazer 30 projecções nos EUA. O produtor do filme tinha dinheiro para permitir a cobertura por revistas e pôs em movimento uma máquina de guerra. Para a seleção, são 200 pessoas que votam e foi bom ter a energia e dinheiro para fazer o filme chegar até elas. É uma competição difícil, é necessária muita publicidade. Mas gostei de ir à cerimónia, mesmo não tendo ganho, mas o único filme de animação não-americano a ser premiado com o Óscar até à data foi “Spirited Away” (“A Viagem de Chihiro”). Por isso, nada a fazer.

E quanto a novos projetos? Vai ficar-se pela stop-motion?

Sim, gosto muito da técnica que, ora está perto da animação, ora se aproxima do cinema “live action“, graças ao uso da luz e do mise-en-scène. Tem uma certa veia direta com o teatro e com a performance, daí poder surgir algo espontâneo, o que é muito bonito.

Ai ... a minha vida de Courgette!

Hugo Gomes, 23.03.17

fee23ee404a7da3fabb15cd0fee603b7-tumblr_o5whgk1uoO

Icare, mais conhecido como Courgette, é um rapaz de nove anos cujo infortúnio bateu-lhe à porta: a sua mãe morreu. A criança é, assim, transportada para um orfanato onde tentará conviver com outros na mesma situação, ou não, que ele. Sob o olhar atencioso de Raymond, um policial que encarregou-se do seu caso, Courgette tentará por entre a sua vida caótica encontrar a felicidade nas pequenas coisas.

A primeira longa-metragem do suíço Claude Barras é uma aventura espirituosa que se assume como uma afronta ao legado mercantil da Disney, pois com uma duração com mais ou menos uma hora (não mais que isso) consegue construir uma trama igualmente emocional sem o recurso a conflitos demarcados e moralidades maniqueístas. Trata-se de um filme sobre crianças, ao contrário da tendência de filmes para crianças, uma obra honesta nas ambições dos seus “heróis” e verdadeiramente presente nestas.

Courgette, a figura, capta a nossa atenção pelo seu jeito doce, inocente e Claude Barras, em colaboração com Céline Sciamma (autora do argumento adaptado de uma obra de Gille Paris), invocam devidamente essa ingenuidade digna dos “enfants”. No meio desse olhar deliciado e subjugado aos efeitos de um tom intrinsecamente agridoce, “Ma Vie de Courgette” é aquilo que poderemos identificar como um dois em um. Uma animação stop-motion que encara o infortúnio como um ciclo vivente e despejado (sem vozes panfletárias) na superação, e, ao mesmo tempo, uma subversiva visão para com o sistema de tutores e de adoção.

Em tempos de “Bambi”, onde a morte era vista como um trauma incontornável mas parte integral da vida (tal como ela é, sem floreados), “Ma Vie de Courgette” poderia ter triunfado na audiência mais jovem, mesmo com as claras sugestões que encontramos em determinadas personagens. Mas numa época como aquela que se vive hoje, onde os nossos filhos estão sob uma constante, e por vezes alarmante, vigilância e protecção (e nisso reflete a qualidade dos desenhos animados que assistem), o filme de Claude Barras será restringido  apenas a um público adulto.

Porém, espera-se que haja um passe-a-palavra, “Ma Vie de Courgette”, que teve a ventura de estrear em Cannes com algum entusiasmo e a nomeação ao Óscar ao lado de outros concorrentes de peso como “Kubo and the Two Strings” e “The Red Turtle” (o prémio, que infelizmente, caiu nas mãos do mais previsível e formatado candidato), é um mimo para a nossa sensibilidade. Um mimo acima do que aquilo que realmente merecemos!

Alain Guiraudie: "no Cinema estamos bem atrás da literatura, na questão de como devemos mostrar a sexualidade."

Hugo Gomes, 22.03.17

STAYING-VERTICAL_5.jpg

Chamam-lhe provocador e não é por menos. Os filmes de Alain Guiraudie apostam na naturalidade das coisas, inclusive no natural estado em que a sexualidade é traduzida no ecrã. “Na Vertical” (“Rester Vertical”), o seu mais recente trabalho que chegou aos cinemas portugueses, conserva tudo o que esperávamos da sua arte. Aquela, que se pode considerar a arte de provocar. Através do seu novo filme, o Cinematograficamente Falando … tenta desmistificar o homem por detrás da obra.

Novamente se verifica em “Na Vertical” que existe um certo “eu” cómico nestas tramas?

Penso que o humor é muito importante. O porquê de ser importante? Porque por vezes gosto de rir, e uma boa gargalhada traz uma certa ligeireza ao tom dramático e até mesmo trágico. O humor fundido com o drama é um equilíbrio que procuro com o intuito de interligar as pessoas aos enredos.

A sua filmografia é dotada por inúmeros elementos naturais que por si residem como uma imagem de marca. Estamos a referir os exemplos da água, o rio e outros sistemas fluviais.

A Natureza faz-me sonhar. Aprecio ter um certo cinema sensorial, e para tal uso elementos para o transmitirem, tais como a água, o céu, árvores e o vento. Sobretudo o vento, até porque sigo uma das indicações de Orson Welles: “o cinema é o vento e as árvores“. Sou um fascinado pelo Mundo e pela Natureza em particular, cresci rodeado desta, aliás, em vim do campo, por isso o meu “cinema” possui um certo magnetismo com este meio ambiente. Não sei se conseguiria filmar um filme numa metrópole.

Como consegue consolidar esses elementos naturais com a vertente cinematográfica, sobretudo no contexto visual?

Para mim é difícil definir o conceito visual apropriado, porque é igualmente complicado traduzir a grandiloquência da natureza neste filme. Para isso gosto de trabalhar com a luz natural e o Sol é a melhor eletricidade do Cinema. Neste filme aprendi que também a Lua consegue funcionar da mesma maneira que o Sol. Foi a primeira vez que utilizei o luar para iluminar os meus planos e o meu veredito é que o brilho desta possui um certo encanto. Um encanto dignamente místico.

Luz natural?

Sim, em todas as sequências exteriores, utilizei somente luz natural. Com a tecnologia é possível reproduzir tal efeito, mas esta é demasiado recente, por isso optei por restringir-me ao luar.

Outra das suas marcas autorais. À semelhança de “O Desconhecido do Lago” (“L'inconnu du Lac”), este “Na Vertical” respeita um certo signo, onde reside algures uma criatura de que as nossas personagens temem. No caso do seu filme anterior, o siluro, neste são, evidentemente, os lobos. Estes “papões” funcionam como metáforas para algo?

Não é necessariamente uma metáfora. Não é a representação do “papão” nos lobos em “Na Vertical”, nem a misteriosa criatura do “Desconhecido do Lago”, mas isso pode muito bem ser induzido consoante a nossa própria interpretação. É possível olharmos para os lobos, assim como o “peixe-gato“, como um medo coletivo, eles existem e as suas auras encontram-se ligadas a fábulas e outras histórias do arco-da-velha, ou até mesmo bíblicas. Sinceramente, olho para estas criaturas e revejo-as num confronto entre a entidade real e as lendas que se encontram ligadas.

cover-r4x3w1200-5836fed3cea9f-alain-guiraudie-pres

Alain Guiraudie no Festival de Cannes de 2016

Neste “Na Vertical”, o Alain derruba as “paredes” que separavam a fantasia e a realidade.

Exato, gosto de pensar que o cinema nasceu de algo muito concreto, realista e que aos poucos consegue entregar-nos um efeito mais próprio da fábula, da mitologia e até da fantasia. Tal como os lobos, voltando ao assunto anterior, que possuem esse poder lendário por detrás. Então porque não combinar esses dois terrenos numa simbiótica combinação? Sinceramente, o cinema que detesto é aquele que se foca e que por fim se prende na realidade, e o que exibe é nada mais que isso.

E o conteúdo sexual? O seu cinema é caraterístico por uma naturalidade nesse ramo.

Primeiramente, era algo que tentava fugir. Só que nos últimos anos refleti sobre a importância de exibir ou não exibir esse conteúdo sexual. Porque haveria de não mostrar a naturalidade dessa temática? Perguntava a mim próprio. Se é algo importante para as nossas vidas, porque não mostrá-la no ecrã?

O que pretende com essa procura?

Uma nova linguagem sexual. Por exemplo, quando filmamos, procuramos novas áreas para explorar e no Cinema estamos bem atrás da literatura, na questão de como devemos mostrar a sexualidade.

Para si, existe alguma diferença entre o filmar essa nova linguagem sexual e a pornografia? Qual a linha que separa esses dois universos?

De momento me é difícil definir uma fronteira para mim mesmo. O grande obstáculo para mim é realmente encontrar atores que possam levar do início ao fim as referidas cenas, sem recorrer ao uso da simulação. Mas penso que se pode filmar tudo, a questão deverá ser como filmar. A abordagem no centro de tudo. Mas respondendo diretamente à pergunta, a grande diferença entre a pornografia e o aceitável está nos “point-of-views“. Na má pornografia, principalmente, a câmara encontra-se em ângulos impossíveis e na distância. No cinema tentamos ter uma boa distância, algo que na pornografia, habitualmente, não existe.

Então tenta evitar a pornografia?

Tento evitar [risos].

E quanto às acusações de ser um provocador?

Também não tento provocar, mas constantemente questiono a razão de não poder filmar certas coisas.

Como, por exemplo, a sequência em que filma um parto real?

Tento exprimir o ciclo da vida através da edição. E através dessa tento sobretudo expor algum humor, um senso de divertimento que unicamente se consegue na edição. Nesta cena em particular o que faço é demonstrar diretamente, no sentido mais literal, frontalmente o nascimento para o público.

Em matéria de edição, pensa que foi eficaz e perceptível?

Sinto que neste filme não fui totalmente bem-sucedido, queria dar uma sensação que estava gradualmente a abandonar a imperatividade da montagem, mas julgo que os espectadores não estão cientes perante isso. Como tal, julgo que “Na Vertical” não consegui atingir o objectivo.

Falando em cenas, existe a sequência final em que surgem por fim os nossos “papões“. Como foi filmar essa particular cena? Eles são reais?

Foi uma cena complicada. Os lobos, sim, são reais, e devido à dificuldade desta particular sequência, tivemos que utilizar efeitos visuais em pós-produção, até porque a tarefa era perigosíssima, tínhamos lobos de um lado e cordeiros do outro. Então filmamos os animais em separado e os juntamos através da edição.

O significado desta cena particular ?

É um sacrifício aludido aos contornos bíblicos, uma visão utópica de uma coabitação pacífica. A harmonia entre o lobo e o cordeiro.

Personagens gays na Disney ... ou muito barulho para nada

Hugo Gomes, 18.03.17

Josh-Gad-and-Luke-Evans-in-Beauty-and-the-Beast.we

"The Beauty and the Beast" (Bill Condon, 2017)

No ano passado, num divulgado trailer de “Finding Dory”, era possível ver duas mulheres com uma criança, imagem essa, que instantaneamente foi deduzida como um casal de lésbicas. A homossexualidade iria por fim entrar no universo Pixar, um prenuncio que suscitou euforia para a comunidade LGBTQ e profecias de destruição moral por parte do leque mais conservador. Até à sua estreia, “Finding Dory” usufrui deste tipo de publicidade, positiva ou negativa, consoante a perspetiva e ideologia de cada um. O resultado foi, simplesmente, fogo de artifício, as duas personagens nada de relacionado davam a entender. Para algumas publicações e órgãos de comunicação, a oportunidade foi vista como um total desperdício.

Um ano depois, não propriamente no seio Pixar, mas nos estúdios Disney, o anúncio de por fim, uma personagem gay neste Universo, levantou, igualmente, muitos festejos como também reações espontaneamente negativas em relação à nova versão de “The Beauty and the Beast” (“A Bela e o Monstro”). Desde a boicotes, censuras em cinemas norte-americanos, alterações da classificação etária em território russo, adiamentos na estreia em alguns países como a Malásia, de forma a conseguir cortar a respetiva sequência, ou seja, o Mundo ficou de pantanas ao ter conhecimento numa persistência homossexual nas produções dirigidas a famílias.

Será isto uma ameaça real aos velhos valores morais, ou tudo se deve ao facto de vivermos num Mundo cada vez mais governado pelo populismo e por mentalidades arcaicas? Que perigo encontraremos numa personagem destas num filme orquestrado para uma vasta gama de audiências? Caros leitores, antes de mais, não existe qualquer perigo nisto. Mais uma vez, a oportunidade foi desaproveitada, a dita cena “homossexual” é vista por breves segundos e utilizado como um veículo cómico (quantas comédias é que utilizam a homossexualidade como gag e são devidamente aceites em sociedade conservadoras?), provavelmente de forma a não prejudicar o frame-to-frame que o filme ousa em assumir-se. O veredito é que até nesta vertente de ser avant-garde do cinema familiar, “A Bela e o Monstro" converte-se igualmente conservador e reservado nesta matéria.

Sendo assim, a Disney provou ser capaz para tocar no tema, e sem precisar de grandes anúncios, veja-se por exemplo na chuva de beijos num segmento da série infanto-juvenil “Star Vs the Forces of Evil”, que sim, passou na televisão e não usufrui de igual mediatismo.

image.jpg

Star vs. the Forces of Evil (2015 - 2019)

Pág. 1/3