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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Logan, o herói dos super-heróis do cinema

Hugo Gomes, 24.02.17

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O veio entre BD e Filme foi quebrado, já não estão em sintonia, mas sim, em oposição. A personagem ganha com esta nova forma de emancipação, uma carga dramática que sobrepõe ao heroísmo mercantil e o estabelece como um peão de uma tragédia existencialista. Sim, era este o filme que merecíamos em 2013, esta é a prova de que os super-heróis das nossas infâncias conseguem ser material para intermináveis histórias humanas, ao invés das fórmulas acostumadas.

A "manteiga" perdeu o seu encanto

Hugo Gomes, 22.02.17

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No preciso momento em que Marlon Brando pediu a manteiga, do cinema erótico pouco faltava para transgredir, a última "pedra" foi com Gaspar Noé, mas isso é outra história. Quanto a este Fifty Shades Darker ... é produto vindo da mais defeituosa linha de montagem. Devemos inclui-lo na lista de erotismo? Claro que não, é tudo tão pudico, limpo e absolutamente vendido à pop culture da MTV. E sim, no caso das dúvidas, é bem pior que o antecessor.

A comédia não foi inventada ontem ...

Hugo Gomes, 17.02.17

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Será a comédia um solene ato de rir do outro? E o cómico? Uma mera figura possessora desses mesmos códigos de troça? Qual a finalidade da comédia? Por fim, será ela, um género menor, desprezado pela classe dignamente culta? Para responder a tais perguntas deveríamos espreitar pela História do Cinema e encararmos essa herança de "fazer rir", e ao mesmo, invocar subversivamente temáticas sociais e políticas que em outros géneros dificilmente estariam a salvo do contexto de época. 

Aliás, desde os preciosos momentos de que o Cinema ainda comunicava exclusivamente por imagens, a comédia surgiu, a par do terror, como um dos primórdios dos teores de stock, antes de ser definido os géneros, o que foi um método de classificação gerada e expandida pelos grandes estúdios de Hollywood, de forma a condensar e direccionar as suas audiências, a Sétima Arte já contava as suas "primeiras" piadas. Actualmente, quando falamos de comédia, atribuímos automaticamente aos produtos instantâneo reduzidos a alvos fáceis de sucesso. Quase como um escape, as audiências abraçam, não apenas a comédia pura, mas o tom aligeirado da ficção, de forma a descomprimir da realidade pelo qual são constantemente alvos.

Contudo, a comédia é também experimentada, e sempre fora seguindo as correntes cronológicas do tempo, e actualmente procura-se um novo movimento, e é nesse ponto, que surge a fascinação por este Toni Erdmann, o novo filme da alemã Maren Ade, que fora apresentado em competição no Festival de Cannes, e desde então, forma muitas as menções como Melhor Filme do Ano.

Será Toni Erdmann digno desta categoria de nova "onda" no seio cómico-cinematográfico? Simplesmente não, e que não caia no erro de apelidá-lo o "Adam Sandler para intelectuais", assim como fora referenciado vezes sem conta. O que encontramos nesta fita com mais de três horas de duração é a invocação do artificio mais antigo da comédia - o disfarce - método que se vingou nos reinados de Billy Wilder e até antes deste, hoje, mera rotina para a comédia norte-americana. Por isso, Toni Erdmann não diferencia desse mesmo tipo de produções, envolvendo-se em gags acostumados, truques dos nosso … avôs.   

 

Danny Boyle, o saudosista

Hugo Gomes, 17.02.17

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"És um turista no teu próprio passado" Danny Boyle sofre exactamente do mesmo, dessa tendência de olhar para trás, e nada contra a esse saudosismo que nos faz reflectir o que somos e o que seremos. Porém, Danny Boyle deveria mentalizar que ele próprio mudou, jovialidade foi-se, o toque anarquista e despreocupado são agora meras ilusões ópticas, o "choose life" em tempos de discórdia é só um slogan de campanhas de marketing. Tudo insere-se num acto de réplica, desprovido da anterior "desarrumação", apenas aceite como qualquer nostalgia mercantil que hoje parece abundar na indústria. "Primeiro vem a oportunidade, depois a traição"

Um cavaleiro andante contra o dragão social

Hugo Gomes, 15.02.17

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Mais do que a construção de um martírio e a procura de um mártir, “São Jorge” nos invoca episódios silenciados, a austeridade que surgiu de arrasto pela passagem da Troika, e a revelação de uma selva de asfalto, onde a primitiva regra de sobrevivência se faz ouvir.

Nuno Lopes, que de anjo nada tem, é um desses seres que planeia cada dia como o último. Ligado a uma carreira falhada no pugilismo, consegue um trabalho obscuro como coletor de dívidas. Um cargo que embate de forma consciente com as morais que imperam nesta sua jornada pelos confins da inserção social e da mordaz crítica política (sem ser obviamente evidente). Traços que levam o nosso protagonista novamente a assumir-se como vítima de mais uma busca desesperada, sendo acompanhado pela mesma “câmara incomoda” de há 11 anos , em "Alice''.

Marco Martins é esse maestro “repetente“, e a orquestra, essa, lentamente liberta o seu furtivo crescendo, para ser depois seduzido a um perturbador fade out. Este é o cinema que o romeno Cristian Mungiu sempre procurou, a cumplicidade do realismo formal com o juízo de valores, maleável à nossa consciência política e idealista, ou até a sugestiva perturbação que se ressalta como stalker, tão próprio da mão de Haneke. Pois, mas o estilo de Marco Martins apenas deduz-nos a essas referências, porque existe nele uma veia profundamente portuguesa que vai desde aquele pessimismo orgulhoso, àquela infelicidade longe do fim e sobretudo da espera, a eterna  frase do “dia melhor que nunca vem“. Contudo, existe uma declaração que afasta “São Jorge” do formalismo do cinema nacional.

Uma voz política que parece mais consciente que o percurso do protagonista (… e que protagonista!) confrontando-nos com as mais demarcadas morais. Mas não pensem que daqui encontraremos um filme moralista, antes sim, um filme sobre morais. Perturbador, desencantado e … um poderoso retrato de violência social.

Precisávamos de Neruda para chegar a Jackie

Hugo Gomes, 07.02.17

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Neruda foi o esboço, Jackie foi "a prova dos nove". Neruda foi a desfragmentação, Jackie a fragmentação. Enquanto que um usufruía da liberdade em ficcionar, o outro tende em encontrar liberdade por entre a agenda de Hollywood. Mas Jackie, em todo os casos, é um oásis nesse deserto que têm sido os biopics da "award season". Pena é que Natalie Portman funcione como uma mimetização, algo representativo, onde serve de rebelião o olhar para com a rigidez da sua personalização.

 

Jonathan Rosenbaum: "Nem a própria audiência sabe o que quer!"

Hugo Gomes, 05.02.17

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Jonathan Rosenbaum

Jonathan Rosenbaum, um dos maiores e mais importantes críticos de cinema da atualidade, está em Lisboa esta semana, a apresentar na Cinemateca Portuguesa uma retrospetiva dedicada ao cineasta alemão Erich von Stroheim.

Tive o privilégio de o entrevistar na mesma instituição, numa conversa que envolve não só o realizador, como também a importância de se ser um crítico de cinema, a falta de diversidade de filmes estrangeiros no EUA, um pouco de cinema português e, obviamente, os filmes prediletos de Rosenbaum.

Como descobriu e qual a sua opinião sobre o trabalho de von Stroheim?

Vi primeiro o “Greed – Aves de Rapina'' (1924) em Nova Iorque quando andava na faculdade, juntamente com o “Foolish Wives” (1922). Sobre o que me interessa nele, antes de ser crítico, escrevi muita ficção, contos e romances que nunca chegaram a ser publicados. E foram essas qualidades novelísticas que me apelaram nele.

Qual julga ser a importância de von Stroheim no cinema?

Ele percebe as pessoas melhor que outros realizadores. Há uma grande complexidade emocional e ainda uma enorme densidade humana nos filmes dele.

Em 2012, para a ``Sight & Sound'', nomeou “Greed – Aves de Rapina” como o maior filme de sempre. Quer fundamentar o porquê desta sua decisão?

Não me lembro, já fiz essa sondagem imensas vezes em tempos diferentes. Mas uma coisa que já disse sobre o filme e que acho que faz parte do seu sucesso, é que as personagens não existem só dentro dos planos, mas também entre elas. Que vivem fora do filme e que até é possível conhecê-los, o que é muito invulgar.

Como crê que um filme deva ser apreciado? Muitas pessoas avaliam um filme pela história e pelo argumento, mas e quanto à mise-en-scène?

Não acho que devam existir regras. Acho que um filme deve ditar diferentes possibilidades para diferentes pessoas. Mas não creio que haja uma lista única que queira impor enquanto crítico. Um filme é algo muito complexo. Alguns mais complexos e interessantes que outros, é certo, mas recuso-me a dizer porque é que as pessoas devem ir ao cinema. Cada filme deve sugerir diferentes critérios se for bom. E é isso que é interessante na crítica de cinema, ter de se mudar os próprios critérios em relação ao que o filme faz, ao invés de se ter uns antes de vê-lo. Às vezes os melhores filmes são aqueles que te forçam a rever os teus critérios.

E que acha do sistema de parte da crítica em dizer apenas que um filme é “bom” (“thumbs up”) ou “mau” (“thumbs down”)?

Isso tem a ver com as políticas de mercado, não com a arte. É sobre dinheiro e consumo, nada mais que isso.

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“Greed'' (Erich von Stroheim, 1924)

Qual a diferença que vê agora nos críticos de cinema norte-americanos relativamente a quando trabalhava no Chicago Reader?

Não tenho a sensação de um desenvolvimento ou mudança porque ainda só passaram 9 anos desde que deixei o Chicago Reader. A diferença principal é que conheço cada vez menos críticos a trabalharem profissionalmente, isto é, a serem pagos pelo que fazem nos jornais. Mas não acho que tenha de haver uma correlação entre as pessoas serem pagas ou não, tal como não acho que seja relevante terem ou deixarem de ter formações académicas. Às vezes as pessoas que mais sabem sobre filmes não são pagas nem têm formações. Quando se fala de alguém ser um profissional, não acho que isso seja genuíno, não aceito as regras que dizem. Acho que há menos pessoas a escrevem numa base regular para ter dinheiro, mas ainda assim há um grande interesse em escrever. E, de alguma maneira, há mais pessoas interessadas em escrever sobre cinema. E depois há a crítica em formato de ensaios audiovisuais que tem vindo cada vez mais a ser aperfeiçoada, como é o caso do Kevin B. Lee.

É bastante crítico do sistema de Hollywood e da falta de filmes estrangeiros nos EUA. Como se pode descobrir estes filmes e como explica esta falta de diversidade?

Eu descubro-os quando vou a festivais. Mas acho que este problema tem a ver com as pessoas que têm o controlo fílmico e não a audiência. A audiência só conhece aquilo que lhes está a ser oferecido. Quando dizem “a audiência detesta alguns géneros de filmes” parece-me idiota porque a maioria dela nem sequer ouviu falar deles. Não os estão a rejeitar. E, por outro lado, há géneros que se revelaram grandes sucessos comerciais como “The Schindler 's List” (1993) ou o “Dance with Wolves” (1990). Nem a própria audiência sabe o que quer! Mas sabemos o que os produtores e distribuidores gostam e é a isso que estamos presos, infelizmente. Mas a Internet tem vindo a mudar isso, temos muitos mais filmes disponíveis, tanto do passado como do presente, nacional ou estrangeiro.

Já que falamos na Internet, hoje em dia a maioria dos filmes são vistos nela. Acha que usá-la como sistema de distribuição é útil, nem que seja para ver os filmes estrangeiros que referiu, ou que se trata apenas de pirataria e deve acabar?

Não acho que a pirataria seja má. Acho que é a única maneira de manter algumas culturas fílmicas vivas. Não faço streaming porque escrevo uma coluna sobre DVDs e, portanto, não sinto a necessidade disso. Raramente vi um filme no computador e, portanto, acho difícil julgar porque não faço parte dessa cultura. Mas é-me difícil ver quando me mandam links do Vimeo e assim porque aquilo pára e arranca. Prefiro ser um pouco antiquado nesse sentido. Mas não tenho nada contra quem o faz.

Há muitos jovens a escreverem críticas na Internet. Alguns pensam que estão a matar a atividade da crítica cinematográfica.

Há mais críticas do que havia antes, boas e más. Mas dizer que estão a destruí-la é treta. Isso tem a ver com essa falsa ideia do que é o profissionalismo contra o que não é, que eu não acredito. O único problema tem a ver com a escolha de que filmes ver, que advém de que críticas ler, o que torna difícil a navegação.

Qual a sua opinião sobre o sistema de pontuações do Imdb e Rotten Tomatoes?

Não os uso. Só se ocasionalmente quiser ter acesso a uma crítica. Mas isso tem a ver com desporto, médias e essas coisas. Para mim esses sites estão a transformar o cinema num desporto, o que não me interessa.

Li numa entrevista que deu aos Les Inrocks onde dizia que o cinema de autor de Ford e Hawks já não consegue existir no sistema de Hollywood. Que crê que mudou?

Os estúdios. São estas entidades fixas com os mesmos produtores e pessoal, é uma instituição inteira que está a trabalhar sempre com as mesmas facilidades. É óbvio que há uma perda enorme no cinema por causa disso.

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"O Sangue" (Pedro Costa, 1989)

É bastante crítico na forma como o capitalismo define o sistema de distribuição americana. Sugere alguma alternativa?

Gosto da ideia de mercado de nicho, que é outra ideia capitalista que acho mais dócil. Há a ideia errada de que quanto mais pessoas gostarem de um filme, melhor. Prefiro a ideia dos gostos das minorias e não julgar os filmes pelos países de onde vêm. Quando trabalhava para o Chicago Reader, a minha audiência media-se pelo número de pessoas que liam esse jornal. Mas no meu website (http://www.jonathanrosenbaum.net/), que consulto diariamente, são mais importantes as pessoas que me leem à volta do mundo inteiro. E vejo que há mais indivíduos a verem o meu site fora dos EUA do que dentro deles, o que me agrada bastante. A ideia de que os meus leitores são internacionais é muito importante para mim.

Sei que é fã de algum do cinema português. Que vê nele que esteja em falta noutros países?

Não penso no cinema português como entidade porque não sei o suficiente dele. Mas para mim o que tem de especial chama-se Manoel de Oliveira e Pedro Costa. A grande maneira de descrever o que o Oliveira ofereceu ao cinema é uma fúria sobre a civilização. A civilização e o seu passado, presente e futuro, o que vai para além do cinema. Quanto ao Pedro Costa, é um bom exemplo de um cineasta que, para além do seu lado poético, é também um crítico. Mesmo que ele não o seja diretamente, sinto que aprendi imenso enquanto crítico de cinema a ver os filmes dele. Evidentemente que há outros filmes portugueses de que gostei, mas não consigo generalizar nem vê-los em termos nacionalísticos.

Quem considera ser os maiores críticos de cinema no momento?

Dos que conheço, Shiguehiko Hasumi que escreveu o melhor livro existente sobre o Ozu (Yasujiro Ozu) que, infelizmente, não existe em inglês, mas só em francês. Também gosto muito do Adrian Martin e do Raymond Bellour. A Murielle Joudet que escreve no Trafic e fez artigos muito entusiasmantes sobre a Bette Davis e o James L. Brooks. E o Ignatiy Vishnevetsky que escreve para um jornal humorístico chamado The Onion.

Quem considera os maiores cineastas vivos?

Béla Tarr, Pedro Costa, Godard (obviamente) e Kira Muratova. Dentro dos EUA, o Richard Linklater, o Albert Brooks parece que já não faz mais filmes, mas, se fizesse, inclui-lo-ia, o Jim Jarmusch e o Michael Snow. Tenho a certeza que há outros, mas estes são os que me vêm à cabeça agora.

Sei que já se cruzou com alguns dos grandes mestres do cinema como Godard, Tati, Nicholas Ray ou Orson Welles. Que encontro foi o mais marcante e recorda com mais afeição?

O Orson Welles porque foi uma figura muito importante para mim. Andava em Paris e escrevi-lhe uma carta sem saber se alguma vez teria resposta. E depois fui convidado a almoçar com ele, o que foi memorável porque só falámos dos filmes dele. [Risos]

Qual é o seu filme favorito?

Tenho 3 que, de vez em quando, vou revendo. O primeiro é “Playtime – Vida Moderna” (1967) do Tati, o “Gertrud” (1964) e o “Ordet – A Palavra” (1955), ambos do Dreyer. A cada nova vez que os vejo, ensina-me mais sobre o mundo e, consecutivamente, do cinema. O “Playtime” ensinou-me, literalmente, a viver em cidades e a lidar, de uma forma criativa, com o excesso de informação. O “Gertrud” é sobre as pessoas não serem capazes de assumirem compromissos, tanto num sentido negativo como positivo. E o “Ordet” é mais complicado. Eu não sou crente e acho que o Dreyer também não era, mas ao mesmo tempo admiro a forma como falada fé e não só no sentido religioso do termo.

 

Entrevista concebida em conjunto com Duarte Mata

Os coitadinhos de Hollywood

Hugo Gomes, 02.02.17

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Sem desprezar as vidas perdidas nos ataques de Boston e obviamente condenar o atentado em si, devo dizer que é por filmes como este que Brilliant Mendoza fez o seu Taklub. Porquê? Porque o cinema de Hollywood continua a bombardear-nos com estas histórias de "coitadinhos superados". Um filme que nos demonstra o quão incompetente são as autoridades e quanto amor por Trump existe em Hollywood. É que afinal não existem só liberais. De mãos dadas com "Hacksaw Ridge".