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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Fantastic Four (2015): apurando as causas do "atentado"

Hugo Gomes, 29.01.17

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Tendo em conta o hype negativo que o afronta e as notícias saídas da "tumba" que nos demonstram uma produção complicada, quase digna de um futuro documentário, este Quarteto Fantástico não é pior, nem melhor que muitos dos produtos que nos são sugeridos do Universo dos super-heróis de comics. Aliás, atrevo-me a dizer que a própria Marvel, enquanto estúdio já nos presentearam exemplos bem mais degradante, basta só verificar alguns dos filmes-a-solos com narrativas apressadas cuja existência serviram para um único propósito - The Avengers.

O grande problema deste falhado filme de Josh Trank, para além da fama adquirida, é a constante "batata quente" nas culpas, e obviamente o interesse quase comum de uma das importantes séries de banda-desenhada da Marvel integrar o seu, por direito, Universo Cinematográfico. Há muitos factores que poderíamos explorar para o insucesso da fita, mas uma coisa é certa, este Quarteto Fantástico tentou a diferença de alguma forma, começando por esquivar dos lugares-comuns do porte e anti-socializar da homogeneidade que estes produtos têm sido alvo.

Tudo começa com um filme negro, isente de pingos de comédia (e cameos de Stan Lee), quatro jovens actores "embrulhados" por promessas de potenciais carreiras futuras e a credibilidade, sim, a vontade de Trank de executar uma ficção de cientifica, acima dos vínculos do comics. O realizador de Chronicles havia citado que cobiçava levar o Quarteto Fantástico a território de Cronenberg, como o "body horror" de The Fly por exemplo, e o que consegue é apenas um invocar dessas extensas fronteiras. Talvez seja por isso, que Fantastic Four fuja do ambiente pitoresco e colorido do diptíco de Tim Story e de que modestos sucessos haviam culminados, nesse sentido eis um dos mais violentos e negros da sua classe. Porém, o elefante ainda se encontra bem presente na sala, demasiado grande para ser ignorado, e depois de um início bem envolvente e enraizado na veia de ficção científica, o filme de Josh Trank começa a evidenciar os seus legítimos problemas, entre os quais, uma grave crise de identidade.

Após o fim do primeiro acto - a introdução das personagens ao universo adaptado - o filme começa a contrair uma tendência de "crowd pleaser", aliás tudo se resume a um filme de super-heróis, e não existe heróis sem o habitual plano de salvação do Mundo como nós conhecemos. E é a partir daí que tudo corre a passos largos, deixando de lado qualquer ênfase e literalmente "despachando" todo o enredo e introduzindo um vilão descaradamente intrusivo à narrativa. Pois bem, o resultado neste perdido terceiro acto que evidencia os propósitos comerciais por parte do estúdio e envolvidos, é que este "onírico sonho" de dimensões paralelas e os seus artefactos científicos, assim como uma revolta anti-NASA (para contrariar a tendência de coadjuvação), foi vítima de inúmeros factores saídos das "câmaras de horror".

São os "meninos" malcomportados que desafiam realizadores, por sua vez oprimidos por estúdios dominados por produtores que vêm os seus filmes como meros produtos de comércio a grande escala, como um videojogo tratasse, e os espectadores cada vez menos conscientes de que o cinema não é sinonimo de portes nem universos partilhados, nem sequer fidelidade com a matéria-prima. A criatividade é assim subestimada, até porque o desejo global é de ver Fantastic Four inserido na franquia da Marvel / Disney Studios. Resumindo e concluindo, uma tentativa falhada por consequência de diferentes factores, mas com potencialidades para algo mais do que o título adquirido de "pior filme do ano". Mesmo assim, um desperdício de talentos.  

"How did we get this far? Human beings have an immeasurable desire to discover, to invent, to build. Our future depends on us furthering these ideals, a responsibility that rests on the shoulders of generations to come. But with every new discovery, there is risk, there is sacrifice... and there are consequences."

Por entre sereias nipónicas, Cláudia Varejão procura "diversidade" e a "liberdade da Arte"

Hugo Gomes, 28.01.17

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Cláudia Varejão

Diz-se que do mar veio a Vida. Apesar disso, a vida tende a não desconectar do Mar. Estas são as Amas, uma comunidade de mulheres que vivem, sobrevivem e morrem em prol do “grande horizonte azul”. Uma tradição nipónica de séculos que encontra-se a passos de conhecer a sua extinção, mas antes disso, Cláudia Varejão partiu numa aventura a um Oriente desconhecido para captar o quotidiano destas “sereias” vivas e registá-las na “imortalidade” do Cinema. Assim nasce “Ama-san”, o documentário vencedor da Competição Nacional do Doclisboa 2016, um retrato etnográfico de uma cultura em risco de sucumbir na nossa contemporaneidade, mas não do nosso imaginário. Falei com Cláudia Varejão sobre as mulheres que a fizeram apaixonar e da preservação das tradições, pelo qual é urgente salvar.

Onde encontrou estas mulheres? Como surgiu o seu interesse por esta comunidade?

Tudo começou com uma referência num livro de poesia. Na altura, julguei que fosse uma figura de estilo, esta ligação das mulheres com o mar, encarei mesmo como personagens ficcionadas. Fiquei muito curiosa, o poema, o qual não recordo, referia às mulheres como Amas. A palavra Ama, o significado em português, o que ela representava, levantou-me tamanha curiosidade.

Como tal pesquisei, e deparei-me com uma tradição à beira da extinção. Durante a minha investigação, fui ao encontro de uma vasta gama de fotos dos anos 50, todas elas sob uma imagem muito sexualizada. Nuas, propriamente ditas. Ao longo dos anos, apercebi-me que elas foram ficando mais “tapadas”. Mas o que mais me fascinou foi que a faixa etária era acima dos 50.

Foi assim que nasceu este súbito interesse. Esta “descoberta” foi gerada através de um acto muito espontâneo. A leitura de um poema.

De certa forma, a Cláudia prometeu sereias …

Mas não deixam de ser sereias. Elas são encantadoras. O trabalho delas é perigoso, todos os anos morrem mulheres no fundo do mar, ficam presas nas rochas, porém, as imagens dos seus mergulhos parecem pacíficas. Na verdade, são manobras perigosas. Por isso, diria antes que elas são uma espécie de “sereias ninjas”.

Estas mulheres são apresentadas no seu filme como mulheres devotas ao seu tradicionalismo. Contudo, deparamos o uso de fatos de mergulho, somente cobertos por um fino véu. Tréguas entre a herança e a modernidade. De certa forma, estas mulheres tendem em tecer um certo paralelismo com o Japão, um país moderno, mas igualmente tradicional.  

É inevitável. Quando alguém visita o Oriente, o Japão particularmente, depara-se com uma simbiose entre um lado mais tradicional, manual, preservado, hereditário e a contemporaneidade, a tecnologia que substitui o Homem em muitas das suas tarefas. As Amas também representam isso, porque imenso da sua arte foi alterada ao longo dos anos. A tecnologia do mergulho mudou constantemente.

Uma coisa muito simples, elas não mergulham todos os dias, só quando o mar permite. A Natureza tem vida própria e dita quando é que está disponível. Normalmente as Amas mais velhas, sabiam através do estado do mar, das estrelas, da lua, se iriam ou não mergulhar no dia seguinte.

Curiosamente no filme, existe uma Ama mais nova, com os seus 40 anos, que tem um Iphone, e que verifica nas suas aplicações, o estado do mar.

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Ama-san (Cláudia Varejão, 2016)

Em comparação com o Japão, não acha que os portugueses não têm a tendência de preservar o seu lado tradicionalista?

Não o vejo como um mal português, mas antes um mal geral. O problema é a época histórica que vivemos. O desejo de avançar e descobrir cada vez mais, e a tecnologia tem um peso forte nas nossas vidas, trazendo um certo esquecimento de onde nós viemos e como as coisas atingem sem o auxílio da mesma. Por isso, não é um mal português, até porque temos uma tendência de seguir um fluxo bastante avançado.

O Japão vive o mesmo problema. A grande diferença é que o país é muito tradicional, por isso é inevitável encontrar ainda um vasto leque de tradições. Culturalmente, e até espiritualmente, para um japonês é muito importante preservar uma série de tradições. Para eles, quem não tem uma tradição é como se fosse um ser humano inapto, pouco preparado para a vida. 

A Cláudia também mergulhou com elas, de forma a captar aquelas imagens?

Debaixo de água? Não. Foram feitas por um diretor de fotografia japonês, Masakazu Akagi.

Tem medo do mar?

Não. Pelo contrário, tenho uma ligação muito forte com o mar, só que não faço mergulho. Ele teve que operar a câmara com uma garrafa de oxigénio, e eu sou incapaz de fazer isso.

Numa entrevista ao jornal Público, referiu o caso das mulheres de Caxinas como o mais próximo que temos das Amas.

Nós temos pouca tradição das mulheres serem pescadoras. No Norte, zona de Vila do Conde, Caxinas, algumas mulheres pescam, e o próprio comportamento das “caxineiras” é muito efusivo, expansivas. As Amas também o são, apesar da sua delicadeza, vivem em comunidade fechadas, muito ligadas entre si e muito expansivas em comunicar.

E o facto de ambas serem matriarcais?

Sim, também. Tendo que no Japão, inicialmente neste trabalho, só poderia ser Ama quem tivesse na família, uma mãe ou uma avó fosse mergulhadora. Era um ofício que herdava. Hoje em dia, como há poucas mulheres a mergulhar, basta que tenha o mínimo de interesse para começar esta vida. Antigamente, as Amas eram realmente matriarcais. Porque tratava-se de uma tradição passada por geração a geração.

O que realmente procura nos seus filmes?

Algo não muito concreto de responder, mas essencialmente procuro um grupo de pessoas, e nesse mesmo, busco a diversidade. O ser humano interessa-me muito, esta panóplia de termos vidas tão diferentes e geneticamente sermos tão idênticos. Interessa-me isso. Para além, dos relacionamentos entre si, sobretudo em grupos ou seios familiares.

A Cláudia Varejão irá fazer parte do júri do próximo Córtex, nesse caso o que irá procurar por entre a selecção oficial?

Há partida em que não vou procurar nada, é diferente que a jornada pessoal. Quando vejo cinema, procuro essencialmente que o filme, tal como o realizador, seja livre. Porque se o trabalho é livre, esta aproxima-se da identidade do autor. Mas isso é difícil de encontrar, visto que na vida geral temos vários “layers”, camadas, e tal não somos totalmente livres.

Existe uma série de elementos que nos são incutidos, tal como a nossa educação que nos impede de realmente usufruir a nossa liberdade. A Arte existe nesse contexto, a de ser livre, e quanto mais livre, mais libertadora é para quem o vê.

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Ama-san (Cláudia Varejão, 2016)

Em relação às suas buscas, qual destes dois elementos valoriza mais, o conteúdo ou a forma?

Sempre os dois juntos. É inevitável para quem vê uma forma cria um conteúdo, uma leitura. Mesmo que quando não existe uma intenção. Quem vê, cria uma narrativa. Nunca estão dissociados, a forma do conteúdo.

Mantém contato com as Amas?

Continuo [risos]. Como não falamos a mesma língua, trocamos imagens em mms semanalmente.

As imagens continuam a ser uma linguagem universal.

Completamente. Repara, a forma que traz conteúdo em si, mas o que eu comunico é através de uma imagem, e dentro dessa mesma imagem existe uma mensagem, uma leitura possível.

Sabendo que “Ama-san” foi um projeto de vários anos, tem mais algum em mente?

Estou dentro de um, que parece seguir o mesmo caminho do anterior em termos de longevidade. Neste caso, os motivos são outros.

Não porque seja filmado longe – vai ser rodado em Portugal – mas pelo facto de ser um filme sobre pessoas, um determinado grupo destas e sobre o encontro que desencadeará. Sei exatamente aquilo que procuro, só vai demorar tempo a encontrá-las.

Adeus John Hurt ...

Hugo Gomes, 28.01.17

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The first thing I am going to do when I get back is get some decent food.Alien (Ridley Scott, 1979)

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April the 4th, 1984. To the past, or to the future. To an age when thought is free. From the Age of Big Brother, from the Age of the Thought Police, from a dead man... greetings.1984 (Michael Radford, 1984)

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“Catch the midnight express.” Midnight Express (Alan Parker, 1978)

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“This is the sad tale of the township of Dogville.” Dogville (Lars Von Trier, 2003)

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“I am not an elephant! I am not an animal! I am a human being! I am a man!The Elephant Man (David Lynch, 1980)

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“In the absence of light, darkness prevails. There are things that go bump in the night, Agent Myers. Make no mistake about that. And we are the ones who bump back.Hellboy (Guillermo Del Toro, 2004)

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“I want this country to realize that we stand on the edge of oblivion. I want every man, woman and child to understand how close we are to chaos. I want everyone to remember why they need us!” V for Vendetta (James McTeigue, 2005)

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“Oh, no. Not again.Oh, no. Not again.” Spaceballs (Mel Brooks, 1987)

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“Survivors! Wash yourselves. The water supply section ... wash away the blood …” Snowpiecer (Bong Joon-ho, 2013)

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“The powers that be have been very busy lately, falling over each other to position themselves for the game of the millennium. Maybe I can help deal you back in.Contact (Robert Zemeckis, 1997)

M. Night Shyamalan automático ... para o melhor ou para o pior

Hugo Gomes, 27.01.17

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M. Night Shyamalan, temos que falar ... Sim, é competente, tem os teus traços, mas ... e como existe sempre um mas ... aguardava um tratamento mais rejuvenescente em relação ao teu Cinema. Não é o desastre de The Happening nem de The Last Airbender, nem sequer o brilhantismo de The Village e The Lady in the Water. Simplesmente morno e pouco complexo.

Por entre os sonhos húmidos do sovietismo

Hugo Gomes, 26.01.17

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Num determinado momento de “O Divã de Estaline” (“Le divan de Staline”), uma fotografia do verdadeiro líder soviético é gradualmente sobreposta por uma imagem da personagem homónima encarnada por Gérard Depardieu. Não existem muitas semelhanças entre os dois (o real e o da ficção), mas somente a vontade de recriar e trabalhar a História, tirá-lo do seu estatuto imaculável e intocável, e fazer o Cinema exercer-se como um poço de criatividade em vias de exploração.

O homónimo livro de Jean-Daniel Baltassat (uma perspectiva freudiana a uma das figuras incontornáveis da nossa História) é transportada para o grande ecrã pelas mãos de Fanny Ardant, a emblemática atriz que teima em deixar a sua marca como realizadora. A sua terceira longa-metragem vem inicialmente evitar os “becos sem saída” e o pedantismo “farsolas” de Cadências Obstinadas. Onde antes havia vazio emocional, agora há um outro sob o desejo de ser preenchido, como uma tela aguardando pelas suas cores. É nesse aspecto que o filme vem ganhando a sua devida forma. Assume-se então uma representação de um pedaço de História vencida, onde o teor psicológico aventura-se acima da veracidade dos factos.

Há um regresso à ritualidade de “Cinzas e Sangue” (“Cendres et Sang”), aquele fascínio pela plasticidade do organismo fílmico e a aspiração pela arma mais potente do teatro: a sua recorrente imaginação, aquele “faz-de-conta” na recriação. Talvez seja por isso que Depardieu funciona simbióticamente como uma alternativa staliniana, mais do que as vestes camaleônicas que um qualquer biopic de Hollywood tentaria culminar.

Neste universo, o ator é o perfeito Estaline, numa versão que anseia respirar a breve emancipação. Um homem frio, calculista, inteiramente regido às ideologias criadas por ele próprio e estabelecidas no seu regime, um reinado com tamanho medo. O líder soviético espera aqui o seu momento de fragilidade, a desmistificação dos métodos de Sigmund Freud – a psicanálise – que o próprio considera charlatanices igualmente competentes que “roubam segredos a burgueses ricos” do outro lado da Europa. As sessões improvisadas, ensinadas no momento, servem de catarse para a desconstrução dessa mesma personalidade.

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Em contracampo, surge Emmanuelle Seigner como Lídia, a referida improvisada “psicanalista”, a mulher “privilegiada” no seio afetuoso de Estaline, encarada como uma “ponte quebradiça” entre a emocionalidade resgatada do seu líder. As duas figuras constituem dois vértices de um triângulo formado por ódio / amor / medo, completado pelo pintor Danilov (Paul Hamy), um artista reprimido por uma expirada inspiração. Mas este triângulo é isósceles, dois lados servem como “sessões” de teor psicanalista a uma só figura, e a esta altura o leitor já se apercebeu qual sai beneficiada neste registo.

Mesmo que a psicologia não esteja no ponto (uma ciência não exata neste filme) é indiscutível o passo em frente que Fanny Ardant dá na sua carreira de direção. “O Divã de Estaline” é, até à data, a sua obra mais completa, concisa e sobretudo, cinematográfica. Acreditando que o Cinema é uma arte de criação desprovida de rédeas, eis a minha saudação a Madame Ardant!

A anti-ética no suposto ético

Hugo Gomes, 24.01.17

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Definitivamente os Óscares viraram uma palhaçada autêntica, mas mais inacreditável é como uma Academia, muitas vezes composta por actores liberais que criticam cada suspiro de Donald J. Trump, possa nomear um filme tão anti-ético, misoginio, militarista, ultra-conservador, patriotismo de segunda, desonesto e apologista do conflito bélico que é «O Herói de Hacksaw Ridge»?

"Fado": porque tudo isto é triste, tudo isto é Lisboa

Hugo Gomes, 22.01.17

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A primeira longa-metragem de Jonas Rothlaender revela-nos uma história de ciúme e obsessão (contado com o auxílio da imaginação do protagonista) que tem como palco de fundo uma Lisboa filmada sob um olhar meramente turístico. Mas antes de desatarmos a apelidar este “esforço” de “europudim” perdido na tradução, vale a pena salientar a sensibilidade do realizador em procurar a medula desta cidade à beira Tejo. Como diz até certa altura uma das personagem habitantes deste “Fado”, Lisboa é uma cidade camaleão que se confunde com o estado de espírito da pessoa, enquanto alegres se transforma no recanto mais belo do pedaço, enquanto tristes a cidade veste o seu manto de melancolia e de tristeza derrotada.

Talvez seja a cidade ser tão nossa que nos faz sermos exigentes com o olhar estrangeiro de Rothlaender, mas vejamos, muitos dos realizadores portugueses filmaram Lisboa com os mesmos olhos, contando com Bruno de Almeida e o seu “The Lovebirds”, até João Pedro Rodrigues e o seu gesto desencantado com “Odete”, e Marcos Martins e a sua busca numa cidade sem identidade com “Alice”. O único pecado do jovem realizador é a sua ambição de filmar os lugares comuns de Lisboa e as utilizar a favor de uma história carente em psicologia, mas apta nas insinuações emocionais. Com isso junta-se uma certa miopia e não ir mais longe, e ocultado, o desejado de, por fim, integrar a alma de Lisboa, invocando o seu lado camaleônico ao extremo. Chegamos ao ponto de desejar o iminente desastre.

A obsessão, o ciúme, a ameaça de crime passional preenchem a intriga, que nos dá o ar de “faz-de-conta”, de insuflação automática ao serviço de um coprodução. Mas nem isso, “Fado”, esse sentimento que só os portugueses parecem conhecer, leva o filme ao desastre. Apenas precisávamos mais de paixão no argumento, e menos fixação no cenário.

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