Prontos para 2017?
Anna Karina e Jean-Luc Godard
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Anna Karina e Jean-Luc Godard
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Como já é habitual, eis a resolução de 2016 com os 10 melhores filmes do ano, segundo o Cinematograficamente Falando … Chineses a aprenderem a serem chineses, juventude inconstante, animações de tira o fôlego, oitos desprezíveis e uma casa e o mais belo filme de guerra (sem guerra) dos últimos anos.
#10) Mountains May Depart
O agridoce drama de Jia Zhang-Ke prevê um fim da cultura chinesa e o expansão completa do Ocidente globalizado e heterogéneo. Mas para além da sua crítica evidente, principalmente no terceiro acto onde adquire tons de distopia, Mountains May Depart é o reencontro com as raízes que muitos tendem em abandonar. Para além disso, eis a grande ressurreição de Go West, de Pet Shop Boys.
#09) Kubo and the Two Strings
Como já havia escrito, é puro cliché salientar a árdua tarefa de stop-motion e o esforçado trabalho que os estúdios Laika tem vindo a demonstrar nestes últimos anos. Kubo and the Two Strings é mais que um portento técnico-visual, é uma fábula encantada de "triste beleza" que nos dialoga sobre a perda e como superá-la por vias de outras curas. No campo das animações direccionadas para toda a família, tal mensagem é valiosa e por vezes evitada por motivos comerciais.
#08) American Honey
Os jovens de Dazed and Confused tiveram filhos, e esses "rebentos" povoam agora o universo de American Honey, um país onde a doçura não mora aqui, o que não evita as suas personagens procurá-la. Na América de Trump, estes rebeldes sem causa seguem por estradas milésima vezes caminhadas ao som das suas regras como um tribo de "meninos perdidos" de Peter Pan. Entre os peregrinos encontramos a revelação Sasha Lane, que sob as ordens de Andrea Arnold, desbota uma emoção algo perdido numa demanda ausente de tais vencidos sentimentos. A viagem não será para todos, principalmente para quem ingenuamente acredita que a juventude é sagradas e imaculada na sua inocência.
#07) L'Attesa
Piero Messina constrói um filme de gestos e de olhares, onde a perda tenta ser lidada por entre os silêncios. Os diálogos são raros, mas a espera é intensa, por entre uma atmosfera magnética e duas actrizes que se complementem numa só causa, L'Attesa (A Espera) é o mais recente filho de Persona, de Bergman, é o cinema de mulheres fragilizadas na descoberta da sua posição anteriormente questionada.
#06) Saul Fia
O horror acontece na porta ao lado, o medo atinge a sala oposta e o pânico é evidente pelo qual o nosso olhar desvia, ignorando o pesadelo que vivemos. Saul Fia (O Filho de Saul) atinge com uma abordagem improvável no cenário do Holocausto, revisitando os Campos de Concentração para uma perspectiva nada pensada anteriormente. Adeus dramalhões de puxar as lágrimas, até breve cinema estampado no preto-e-branco, bem-vindo Filho de Saul, a citar Primo Levi, a busca da Humanidade onde esta parece ter sido abandonada.
#05) Elle
Isabelle Huppert constrói em cumplicidade com o agora valorizado Paul Verhoeven uma das mais consistentes e complexas personagens femininas do cinema de 2016. Uma mulher refém do seu desejo, mas forte o suficiente para superar qualquer obstáculo inserido, é a carne e a fantasia unidas ao encontro de um só corpo, um thriller que parece emancipara-se das suas próprias raízes e por fim, dignificar a "vitima" e não o predador. Será Elle a obra-prima há muito pedida de Verhoeven? Só um o tempo dirá, novamente.
#04) Anomalisa
Tendo como inspiração uma peça teatral, Charles Kaufman e Duke Johnson insuflam vida nestas marionetas para a concepção de um enredo de colectividade, onde o individualismo, essa particularidade vivente em cada um de nós, é uma jóia a ser "desenterrada". O Mundo parece igual a si mesmo, todos parecem exibir a mesma face, as mesmas doutrinas, as ideias empacotadas como ovelhas em rebanho. Depois de A Grande Beleza, de Sorrentino, Anomalisa é esse ensaio existencialista que secretamente ansiávamos.
#03) El Abrazo de la Serpiente
Ciro Guerra explora um desconhecido universo. A indomabilidade da Amazónia alastra em todo um filme, conduzindo esta história contada em duas vozes e em dois tempos para territórios místicos, quase pagãos que renegam as culturas e crenças de fora. É o desconhecido que nos espera em cada margem do rio Amazonas, é o caos, a loucura, a peste, a febre e por fim, a harmonia encontrada no segredos dos segredos, residido no mais alto cume. A selva também sabe contar histórias. Histórias essas, que reflectem a actualidade do nosso Mundo e para onde caminhamos como seres humanos. Esquecimento, essa terrível maldição, não será imposta aqui neste brilhante filme.
#02) The Hateful Eight
Podem considerá-lo violento, regido ao universo que ele próprio criou através de "migalhas", nada original, reciclável e até vendido. Podem apelidá-lo do que quiser. Quentin Tarantino merece a atenção. O realizador de Pulp Fiction persiste nos temas focados no seu anterior Django para exercer um western gélido que tem como palco o passado, o presente e o futuro de uma Nação. É como "Um Conto de Natal", neste caso, Um Conto de Tarantino, rodeado de personagens taraninescas que despertam o mais profundo jubilo cinéfilo. Longa Vida a Tarantino!
#01) Cartas da Guerra
Sei que existe o senso colonialista dentro de nós, mas este não é um filme colonial, nem sequer de guerra. É um romance à distância, a da condição do soldado confinado à sua própria solidão, aquela prisão invisível induzido por politicas de outros. É a extrema luta de manter sóbrio perante um mundo bêbado que nos assiste. Ivo M. Ferreira invoca o verdadeiro soldado, não a máquina implacável de guerra implementada pelos prolongamentos do Call of Duty, mas de um homem "barricado" nos seus pensamentos, na saudade de uma outra vida que não seja aquela, mesmo sabendo que pouco sabemos como vivê-la - A Vida Civil.
Menções honrosas: O Ornitólogo, O Boi Néon, Evolution, The Childhood of a Leader, The Lobster, O Olmo e a Gaivota
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O que não está em causa não é a morte de um ser humano, reconheço o impacto que Carrie Fisher teve na vida de milhões, mas foi a sua mãe, Debbie Reynolds que me introduziu o Cinema desde pequenino. Singin' in the Rain foi esse filme que me encantou!
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Carrie Fisher (1956 - 2016)
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Sobre o filme de Assassin's Creed? O macguffin é parvo como tudo, as personagens estão somente à mercê do esforço dos actores e os visuais, para além de deslumbrar, são demasiado escuros, o que poderá prejudicar a experiência. Mas ... e porque há sempre um mas, existem atributos invejáveis nesta produção e Michael Fassbender, novamente como o "homem mais sofrido do planeta", vale a ida ao cinema. Não é a pior coisa do Mundo, aliás realça a grande fraqueza do jogo (só joguei 5 min e desisti) que é a vertente de ficção cientifica. Série B, profundamente B.
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Asghar Farhadi é um moralista, mas é o nosso tipo de moralista. Ao contrário do conto moral propagandista que muita da Hollywood faz e refaz, o cinema de Farhadi é de uma delicadeza articulada a espaços limitados, a mistérios “antonianos” não resolvidos e a dramas humanos impulsionados através de um olhar crítico e abrangente, e essa dita moralidade ocorre, não como uma lição a ser aprendida, mas sim num reflexo de múltiplas contemplações.
Contudo, em “The Salesman”, premiado com a distinção de Melhor Argumento no Festival de Cannes, possuímos um episódio competente na linha dos seus anteriores manifestos, mas perde-se numa loop de repetição autoral. Para o espectador ainda não inserido no universo deste badalado e consagrado cineasta iraniano (“The Separation”, “Le Passé”), este paralelismo entre a ficção e as encenações teatrais de “Morte de Um Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, revela-se numa fascinante experiência de juízo de valores, até estabelecer num clímax narrativo que deságua facilmente em território de elipse.
É um tipo de cinema que nos faz debater sobre a nossa própria moralidade, é aquele “mundo” longe ao nosso alcance, aqueles seres de uma civilização distante que não se afastam, rigorosamente nada, dos nossos quotidianos. Aliás, essa persistente comparação entre o drama de vingança e o teatro que vem adquirindo contornos algo caóticos, remetem-nos a um elo cultural que interliga essa constante separação anunciada entre Ocidente / Oriente.
É um exercício meticuloso, devidamente empregue à mercê dos seus atores que tudo fazem para adereçar a ênfase dramática nos conformes deste conceito de realismo. “The Salesman” aproxima-se em passos personalizados ao território de Alain Resnais, a esse erudito estado de alma, sem como tal abandonar as suas heranças, quer culturais, cinematográficas e pessoais. No fim, a moralidade nos joga como uma força que nos embate consequentemente, mas sem nunca constituir uma só verdade.
A moral nasce, cresce, vive e morre em cada um de nós, o cinema Farhadi apenas providencia essas ferramentas.
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Audrey Hepburn / Foto datada de 1953
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Há quem ainda acuse George Lucas de ter sido o “cancro” de uma saga tão querida para milhões. Desde a suas remasterizações e “remexidelas” na trilogia original em múltiplas edições de home video, até aos três filmes produzidos entre 1999 e 2005 que atualmente é esquecido por muitos. Mas não devemos ignorar, que apesar do resultado, Lucas tentou expandir o Universo que ele próprio criou com alguma inovação, quer tecnológica, quer narrativa.
Porém, vivemos num Mundo onde a personalidade parece ser condenável, e depois de uma homage algo cobarde (diga-se por passagem), por parte de J.J. Abrams, chega-nos o intitulado “Rogue One”, uma referência no scroll credits de 1977 que originou um filme sob tons bélicos e de tamanha “piscadela de olhos” a temáticas políticas. Enfim, políticas e Disney nunca se misturaram, relembro o caso de “Captain America: Civil War” onde super-heróis disputavam entre si consoante as suas fraudulentas ideologias. Neste “Star Wars”, tal é o fogo brando do extremismo oriental, como muito media ocidental parece insinuar, e o liberalismo em acordes de guerrilha-ativista, que tenta soar com seriedade neste “world building” formatado.
Contudo, “Star Wars” não é uma distopia política sob o formato de sci-fy, é simplesmente a tentativa de vender e extrair até à última gota uma memória, uma nostalgia e um sentimento que muitos guardam fervorosamente dentro de si. O resultado não é um filme francamente mau em termos técnicos (tirando o uso e o abuso do motion capture para a ressurreição de personagens vencidas, até porque “Peter Cushing is not alive anymore“), é sim, uma réplica, uma obra despersonalizada exercida sobre personagens de tamanha causticidade na sua concepção. Nada de sólido, só “carne para canhão“.
Depois temos os inevitáveis cameos, o fan service a vingar sobre os fãs, e um enredo rotineiro que joga-se forçosamente na cronologia estrelar. Para nosso encanto, é mesmo Ben Mendelsohn a perpetuar como vilão de serviço (mas já está na hora de abandonar a “sacanice“), e a banda-sonora saudosista de Michael Giacchino que segue a tradição de John Williams. Mas fora isso, é a indústria megalómana comanda, transformando, o então astuto Gareth Edwards (que ressuscitou com algum evocativo agrado “Godzilla” em terras estadunienses), num mero “moço de recados“.
Temos que perdoar os pecados de George Lucas, ao menos ele trouxe uma breve sensação de novidade a um franchise, que não inventou o Cinema como muitos acreditam, mas que redefiniu os moldes do entretenimento cinematográfico para grandes massas. Sim, os fãs vão “venerar“, mas “Rogue One” nada de relevante tem para o Cinema, e isso meus amigos, em épocas de produtos bem “lubrificados“, não é nada.
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Qualquer cinéfilo que se preze é incapaz de se conformar com as descrições de “arte menor”, ou “não arte”, assim como “mero entretenimento de feira”, o qual são dirigidas ao Cinema em geral. O verdadeiro cinéfilo nega, com todas as suas forças, a franqueza e simplicidade face em comparação com as outras artes. O cinéfilo é impuro, por vezes limitado à sua verdade, mas ao invés disso do que desprezar o amor pela Sétima Arte, nunca abandonando-o à sorte do menosprezo artístico. E se para muitos o Cinema não possui a profundidade da literatura, o uso imaginativo do “faz-de-conta” do teatro, a contemplação divina e quase artesanal da pintura, ou a monumentalidade da arquitetura, para o cinéfilo é nada mais, nada menos, que a fusões de todas essas plataformas artísticas, o filho bastardo que aos poucos toma o seu lugar.
No entanto, abandonada a oligárquica ideología de cinéfilo, sabendo que o Cinema não é par para a literatura e à dramaturgia, Wim Wenders aventura-se num extremo jogo “faz-de-conta”, experimentando uma adaptação de uma peça de Peter Handke (o dramaturgo, e fiel colaborador, tem um pequeno papel neste filme) para superar as limitações que inicialmente o colocaram. Infelizmente, Wenders cede à “burguesia” de um cinema erudito, tentando sobretudo apoiar-se nos textos que, para sua desgraça, não contrai a poética sonoridade nem os ecos de filosofia citada. Se o cineasta alemão tenta percorrer Eric Rohmer neste seu quadro vivo, esta prova auto-rejeita-se, os diálogos não foram o seu forte muito menos a proclamação destas prosas faladas, despejadas sem a orgânica, nem compostura.
Porém, Wenders brinca com as dimensões, atropela-se nas plataformas artísticas que ele próprio cita e tenta dar luzes a uma fértil amostra imaginativa, uma alusão da criação térrea de uma realidade. Assim, são duas que se embatem e dispersem, vidas artificiais pulsadas pelo toque do seu criador na sua máquina de escrever. Jens Harzer é um Deus para estes seres preenchidos por linhas, mecanizadas nas suas palavras, e é então que o improviso surge, os fatos que alteram a cor consoante a vontade do mentor, as falas que são interrompidas pelas mudanças musicais … e novamente a realidade paralela a funcionar quando entra Nick Cave em cena, a música pode ser o nosso álibi imaginativo.
Mas o nosso leitor questiona neste preciso momento, do que se trata este “Os Belos Dias de Aranjuez” ("Les beaux jours d’Aranjuez”)? A resposta esconde-se por entre estes artifícios manipuláveis, Wim Wenders tenta reinventar o seu cinema, colocando e transcendo das suas limitações enquanto criação visual. Obviamente, que esta nova obra não goza desse statement artístico, pelo contrário este retrocedo a um cinema burguês o coloca na pista de onde o seu cinema evoluirá. Tal como o relato de uma das suas personagens, durante uma viagem a Aranjuez, a desilusão o tomou ao ver que a chamada “Casa del Labrador” não passava de um anexo no Parque Real, mas é nas groselhas, outrora domésticas, que adaptaram-se ao assilvestrado do meio, expandido e tomando o lugar das amoras e outros frutos que habitavam nos bosques para além do Tejo. Por outras palavras, Wenders descarta o seu cinema, assume a arte de outro e espera que esta tome a sua forma. Trata-se de cedência para mais tarde evoluir. Esperemos que sim.
Contudo, o cineasta alemão tem sido dos poucos que tem associado o 3D ao cinema dramático, “despindo” das suas conotações circenses, porém, faltará uma maior emancipação para que sinta o uso dessa mesma tecnologia.
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O que dizer sobre o novo Star Wars? Um fan film com orçamento milionário, alicerçado em múltiplos fan services, com a Disney e a politica a serem incompatíveis como azeite e água e a tentativa de tragédia grega à lá Vingança do Sith a cair pelo "cano abaixo". O que resta é toda uma oleada fórmula "wanna be". Na saída do visionamento houve quem dissesse que "Star Wars estava morto!"
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