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Clive Barker e os Cenobites durante a rodagem de Hellraiser (1987)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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Clive Barker e os Cenobites durante a rodagem de Hellraiser (1987)
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Deixem o entretenimento de lado, a faceta artística e experimental decidida a quebrar barreiras da transcendência visual e sonora, e encarem o seguinte – o Cinema é também um registo de memórias. Uma “cápsula do tempo” que congela esse mesmo Tempo, para ser alvo de descobertas para futuras gerações. O que somos? O que vivemos? Qual a nossa real natureza? Em “A German Life” nenhuma dessas perguntas será por fim respondida, mas o ensaio de preservação de pedaço de História é aqui invocado em todo o seu esplendor. Existe neste documentário uma aura passiva, de não alterar o rumo dessa mesma memória, mas sim citá-la com as mesmas palavras proferidas por quem as realmente viveu, como vivente desses mesmos episódios temos Brunhilde Pomsel.
Quem é esta mulher? Perguntam vocês. O que de interessante tem a sua vida para merecer tal registo? O interesse não vem aqui ao caso, Pomsel não é um “animal enclausurado” exibido numa coleção zoológica, é sim uma mulher disposta a narrar as suas maiores “humilhações“. Humilhações, essas, que a própria descarta de culpas e inocências – “vivíamos numa época diferente“, “… para condenarem a mim, primeiro condenariam todo o povo alemão“. Brunhilde Pomsel foi a estenográfica do Departamento de Propaganda Nazi, a mulher que fora constantemente próxima de um dos mais odiados homens de toda a “pegada” deixada pela Humanidade, Joseph Goebbels. O homem em questão foi um dos maiores responsáveis pela propagação dos ideais do Partido Nazista, e um dos braços direitos do próprio Adolf Hitler. O discurso de Pomsel, por outro lado, não tende em denunciar diretamente todo o trabalho exposto por estes “homens fardados“, mas sim descrever os sentimentos experienciados num país fechado, sob forte influência política de quem culminou uma Guerra sem precedentes.
São quatro, os realizadores deste “A German Life'', um quarteto de mentes que serviram como investigadores do background de Brunhilde Pomsel, aqui exposta a uma confissão sem fim. Visualmente, a fotografia de tons cinzentos salienta o rosto envelhecido da protagonista (aplausos para Frank Van Vught). Este é um rosto de 103 anos, as rugas são como “cicatrizes” marcadas pelo maior dos inimigos, o Tempo. E antes que o Tempo faça das suas, deixando as memórias residente de Brunhilde Pomsel no puro esquecimento, os realizadores Christian Krönes, Olaf S. Müller, Roland Schrotthofer e Florian Weigensamer tentaram aqui uma “corrida” contra esse mesmo némesis. Explorar e extrair de Pomsel, as relevantes palavras para um futuro próximo.
“A German Life” ostenta uma brilhante fotografia, como já havia referido, que atribui-lhe uma sensação de platina a um prolongado “talking head“, uma entrevista ditada com emoção e comoção de quem é subjugado, intercalado com propaganda anti-nazi e até mesmo simpatizante nazi (faltava mais a fundo na própria propaganda do Departamento de Pomsel). Não tendo uma estrutura brilhante na sua concepção enquanto documentário, “A German Life” vive como um documento sem culpas, nem denúncias do foro moral a uma, acima de tudo, cidadã de um período negro da nossa História. Aqui, a importância das palavras anexadas às memórias à beira da extinção, valem mais que ressentimentos ou decepções que aqui poderiam extrair.
“A Verdade é o maior inimigo do Estado.” Joseph Goebbels
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Cláudia Varejão prometeu-nos sereias, e à sua maneira, ofereceu-nos um grupo delas neste “Ama-san”. Uma comunidade tradicional de mulheres que aventuram-se no mar para sustentar famílias, uma visão que tem seguido séculos e séculos de História nipónica.
O fio tecido que protege os avanços tecnológicos dos seus mergulhos, são as réstias dessa tradição abraçada com a sempre avante modernidade, mas nem por isso que o estatuto destas deixa-se desvanecer pela mudança dos tempos. Varejão compara-as com as “mulheres de Caxinas“, o exemplo português mais próximo desta sociedade falada no feminino, para depois aventurar num ensaio antropológico que interliga os dois estados destas figuras; o Mar, esse berço de vida que as envolve em tamanha doutrina, e o mundo civil, a família que têm à sua espera para afeiçoar.
Tal como o Japão, um país moderno que caminha lado a lado com a sua herança tradicional, “Ama-san” cria um paralelismo com a nação para depois seguir em “puro mergulho” num retrato de gestos e de costuras familiares. Mas a realizadora consegue, invejavelmente, com toda esta jornada a um Oriente pouco conhecido (a última vez que vimos esta comunidade no ecrã foi em 2009 numa curta-metragem de Amie Williams), uma estrutura narrativa quase ficcional no seio desta vertente de registo documental. Com a complementação das sequências submarinas que captam no espectador a sua faceta mais “zen“.
No geral, Varejão cumpre um belíssimo filme, contemplativo e nada apressado em “inundar” as audiências, faze-las sentir parte desta longa família, tão japonesa, com certeza. Sim, prometeram-nos sereias e aquilo que acabaram por nos dar foi o que de mais próximo temos destas mitológicas sirenias. Todavia, isto não se resume a alternativas, “Ama-san” é realmente um filme pelo vale a pena cedermos à sua delicada sedução.
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Fala-se por aí que este é o "abanão" que a Marvel precisava, como isto fosse o pico da originalidade no cinema, até do universo dos super-heróis do cinema. Não, meus amigos, é o mais suportável dos últimos do estúdio, pelo menos faz esquecer o maldito Civil War. Mas é um filme genérico, passageiro e longe do genial. Pastilha Elástica com sabor!
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No surgimento das memórias sem registo que fora o nomeado ao Óscar, “A Imagem que Falta” (“L’Image Manquante” / “The Missing Picture”), o cambojano Rithy Panh retoma aos fantasmas que o assombram, deambulando sobre as suas naturezas e reconhecê-las como reminiscência de um homem de hoje. Sim, esta é a história do exílio do próprio realizador, em tempos que a sua terra natal era transgredida por uma constante metamorfose político-ideológica, e as consequências que essa “revolução” ditará no seu consciente.
Tal como havia sucedido com “As Imagem que Falta”, Rithy Panh narra e coleta vivências sob a batuta de imagens cinematográficas produzidas, assim recorrendo ao pouco uso das imagens de arquivo para centrar a sua proposta contada. Contudo, é talvez na sua força pessoal, assumindo como um conto autobiográfico, que “Exil” (“Exílio”) atinge o seu pico emocional, mas, até lá, a beleza plástica e por vezes metafórica do enclausuramento humano torna-se pomposamente artificial e de certa maneira, artisticamente pretensioso. Enquanto que os horrores de “A Imagem que Falta” são preservados, e ao mesmo tempo restaurados pelo simbolismo, em “Exil” é a performance e a grandiloquência visual que preenche esse vazio de complementos narrativos.
A história descrita segue em paralelo um Cambodja em gradual transmutação (o anterior Kampuchea Democrático), anexando-o com uma riqueza quotes e frases poético-filosóficas que refletem, não só contribuído para a emocionalidade da vivência de Rithy Panh, como também a natureza metafísica desta revolução determinada (grande parte destas são citações de Mao Tsé Tung arrancadas diretamente do seu Livro Vermelho, o julgamento estará cargo do próprio espectador). Sim, “Exil” aposta nos ecos deixados pela “A Imagem que Falta”, mas infelizmente essas imagens que substituem não impotentes perante o relato deixado, assim como a jornada gastronómica que Rithy Panh parece deliciar no seu leito de sobrevivência.
Vindo desse mesmo realizador, e tendo em conta que o registo é bem mais pessoal, esta é uma obra dececionante, de repetição autoral, mas alicerçado a um discurso sobretudo fantasmagórico.
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Para muitos a profanidade, mas que para Rodrigues o “pontapé de entrada” para este seu mundo de autodescoberta, e novamente Santo António, como o santo padroeiro do nosso realizador (recordamos a sua curta “A Manhã de Santo António”) e o signo de chagas da sua mortal existência. A história arranca com um ornitólogo, Fernando, um observador de pássaros interpretado por Paul Hamy (“Maryland”), que a meio da sua acidental jornada descobre uma estranha entidade que reside no seu íntimo, um “outro eu” apenas visualizado pelas aves que o agora o observam-no. Uma descida a um rio em busca das raras cegonhas negras levam-no a uma remota região onde espíritos enlouquecidos e um povo regido por folclores e tradições ancestrais convivem hostilmente.
João Pedro Rodrigues afasta-se, claramente, do modo tradicional da narrativa, ou pelo menos o do percetível mainstream, dirigindo este seu “O Ornitólogo” aos textos religiosos e aos passos deixados por Santo António, desde a sua pregação aos peixes até ao seus dons de ressurreição. É de um existencialismo narcisista, este tom prescrito nesta “peregrinação” florestal, mas este seu egocentrismo vale como bênção perante a exposição submetida do seu ser enquanto realizador e ainda mais como homem. É um filme de aventuras pouco convencional, como fora referido, um caminho que não nos leva a nenhum ponto geográfico específico, ao invés disso é o centro da alma e a fantasia sexualizada do nosso João Pedro Rodrigues o qual se concentra no destino. Este é o cinema de transformação pessoal, a metamorfose concretizada com uma sobriedade cinematográfica e ocupado por uma fotografia recorrente a um exotismo esotérico.
Sim, a esta altura, o leitor já percebeu que este “O Ornitólogo” é um filme pessoal, uma daquelas vinculadas “raças” que muito apologista do dito “cinema comercial português” (ou lá se isso existir) despreza. O “filme para amigos“, segundo estas vozes, porém, a verdade é que este produto de círculos fechados prevalece-nos como uma viagem (e tanta) a um fértil mundo de espiritualidades heréticas, onde a religião mais conservadora é apropriada pela libertinagem do ego, assim como a animalidade destas entidade marginais. Eis, novamente, o reencontro com a ligação umbilical entre Homem e Natureza que João Pedro Rodrigues parece cada vez mais tecer no seu cinema. Será cedo para dizer que estamos perante o seu melhor trabalho?
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Anthony Perkins e Janet Leigh nos bastidores de "Psycho" (Alfred Hitchcock, 1960)
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Steamboat Bill, Jr. (Charles Reisner & Buster Keaton, 1928)
Vila Nova de Famalicão será, durante os próximos quatro dias, o derradeiro Observatório de Cinema, o Close-Up, para ser mais exato. E é já a partir de amanhã (27 de outubro), que esta iniciativa projetada pelo Cineclube de Joane, arrancará com uma impressionante programação de filmes e eventos paralelos, que ligam o passado, presente e futuro do Cinema. Reflexões sobre a Sétima Arte, os primórdios em jeito de arqueologia, assim como os caminhos a seguir ou previsivelmente a instalar-se, muitos convidados e uma mostra selecionada de filmes, com principal ênfase às produções nacionais, dividido em oito sessões temáticas, preencherão a Casa das Artes da cidade.
Temos como principal destaque o ciclo “Noite e Nevoeiro – 70 anos de Imagens do Holocausto“, que tal como o título focará sobretudo no registo cinematográfico e documental dos horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial. Inserido na sessão Paisagens Temáticas, neste espaço serão exibidos filmes, que vão desde o recente e premiado “Saul Fia”, de László Nemes, sobre um prisioneiro de Auschwitz que reencontra a sua Humanidade até ao mais novo trabalho de Sérgio Tréfaut, “Treblinka”, um testemunho materializado daqueles que partiram contra em comboios cujos destinos são impensáveis. Passando pelo biográfico “Hannah Arendt”, de Margarethe Von Trotta, sobre a mulher por detrás dos pensamentos da Banalidade do Mal, até chegar, por fim, ao documentário “The Decent One”, de Vanessa Lapa, que retrata a vida de Heinrich Himmler, o mentor da chamada “Solução Final”, o extermínio dos judeus. Elena Piatok, diretora do Judaica: Festival de Cinema e Cultura, e a jornalista e escritora Clara Ferreira Alves, serão as oradoras.
Em “Fantasia Lusitana “, espera-nos sete filmes que no seu todo formam um quadro, quer etnográfico, quer artístico de um país. É uma seleção de documentários nacionais sobre pessoas, animais, lugares e estados, escolhidos a dedo e interligados de alguma forma. Destaca-se as exibições do filme-testamento de Manoel de Oliveira, “Visita ou Memórias e Confissões”, seguido pela homenagem de João Botelho ao “mestre” em “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”.
Saul Fia (László Nemes, 2015)
Dois dos mais venerados autores japoneses, Yasujiro Ozu e Isao Takahata, serão analisados e reavaliados nesta edição de Histórias de Cinema. De um lado, o dramático e emocionalmente expoente Ozu, um realizador marcado pela sua maneira inconfundível de filmar, planificar e dirigir os seus atores sobre um conjunto de falsos raccords. E do outro “canto”, Takahata, um dos mestres da animação nipónica, que poderá não ter gozado da mesma aclamação que o seu colega Hayao Miyazaki desfrutou, mas que mesmo assim, se apresenta como o criador de algumas das mais emotivas obras da Ghibli Studios. Animação e ação real, duas dimensões entrepostas neste olhar pelo cinema japonês.
Um dos mais ascendentes cineastas brasileiros da atualidade será homenageado no Close-Up. Serão cinco, as obras exibidas nesta secção Cinema do Mundo, dedicada ao “outro Brasil” de Gabriel Mascaro. Nesta retrospetiva poderemos encontrar os muito aclamados “Ventos de Agosto”, um atípico romance de verão, e o recente “Boi Neon”, que nos leva ao outro lado dos rodeos brasileiros sob uma confrontação com a própria ode da masculinidade.
O resto da programação será constituída por sessões direcionadas para escolas, com foco principal no tema da juventude. Vale a pena salientar que a primeira longa-metragem de Andrei Tarkovsky, "Ivan 's Childhood”, encontra-se integrada no programa. Para além disso, está agendado uma Oficina de Animação dedicada aos mais novos. Close-Up ainda exibirá uma sessão especial de “O Ornitólogo”, a quinta longa de João Pedro Rodrigues que remete o espectador a uma viagem esotérica de um observador de pássaros, perdido nas encostas do Douro.
Por fim, como sessão de abertura, temos um “double bill” constituído pelo filme-concerto “Steamboat Bill, Jr”., um dos grandes clássicos do “rei do slapstick” Buster Keaton, será transformado sob a vertente musical de Bruno Pernadas. E “Cinco para Kiarostami”, o filme-homenagem a Abbas Kiarostami, o cineasta iraniano que infelizmente nos deixou recentemente, uma produção da Casa das Artes e do Cineclube de Joane, com direção de Vítor Ribeiro e Mário Macedo.
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Há uma mistura de teores que percorre todas estas palavras, desde o poético ao lírico passando pelo simplesmente político, até à preocupação da nossa língua (essa nossa identidade), como a preservação dos nossos ideais culturais e sociais – “devemos ser mais como o gregos” – tal como é referido em determinado ponto. Rita Azevedo Gomes (“A Vingança de uma Mulher”) encontrou a sua matriz, a correspondência trocada entre dois poetas, Jorge Sena e Sophia Mello Breyner, durante o exílio do primeiro no Brasil e posteriormente dos EUA, de forma a “fugir” ao regime fascista que se vivia em Portugal. Porém, para Breyner, a sua escrita remete à recordação de cada palavra como a saudade do seu mais íntimo amigo. Uma amizade separada por quilómetros de distância, mas reforçadas pelas estrofes, pelas frases que substituem horas e horas de conversa.
Belos textos temos aqui! E a realizadora bem o sabe, aliás, até demais. “Correspondência” vem a reforçar a ideia de uma vaga que se vai brotando no nosso seio cinematográfico – um cinema cada vez mais lírico, empurrado pelos textos de uma correspondência antiga – que servem, não só de guião, assim como puro alicerce de uma eventual intriga. Será a saudade vencida por este prolongado método de comunicação, agora perdido pela distância de um clique das novas tecnologias em cumplicidade com as redes sociais que nos atingem, que nos faz invocar referido formato? Será a preocupação com o texto imprimido, a degustação de cada palavra, cada acento, cada parágrafo e até a grafia no seu mais extremo nível, que nos afronta espiritualmente?
A verdade, é que temos aqui um português falado e escrito à beira da extinção, que nos dias de hoje, vê-se atropelado pela globalização e nesta redução de distância de contato entre os mais diferentes pontos geográficos. Será que esta aproximação nos torna menos cuidadosos? Assim sendo, “Correspondências” vem ao auxílio de “Cartas da Guerra”, de Ivo Ferreira, a prioridade do texto-legado, da literatura salientada nas suas imagens. Mas infelizmente, para Azevedo Gomes, Ferreira soube construir uma narrativa visual que pudesse emancipar-se do próprio texto, em “Correspondências” tal isso não acontece, tudo é recorrido à forma de cautela. A nossa realizadora parece ter medo de superar o mencionado texto, focando-se nele e aceitando a aleatoriedade das imagens.
Quase seguindo à letra a poética forma da citação, “Correspondências” evidencia um “terror de penetrar na habitação secreta da beleza“, o que impede que as encenações tomem conta das palavras residentes e trocadas, sem conseguir apoiar no seu todo. “As imagens atravessam os meus olhos e caminham para além de mim“, uma miragem nestas “Correspondências” de facto. Nesse aspecto, Rita Azevedo Gomes poderia lecionar-se no seu próprio formato – “será que a vida é a luta das imagens que não morrem?” Ao invés disso, soube criar um belo produto para os nossos ouvidos, a sensualidade de palavras tecidas com a maior das dedicações, quer da sua forma e construção, quer do sentimento nelas depositadas. Poderia ser um grande filme … poderia, mas Rita Azevedo Gomes preferiu encenar um mero exercício de encenação.
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