Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Um dia foi "Ben-Hur"

Hugo Gomes, 31.08.16

ben1_770x433_acf_cropped.jpg

Ben-Hur (Timur Bekmambetov, 2016)

Não, de maneira nenhuma precisaríamos de outra versão cinematográfica de "Ben-Hur", a história ficcional cruzada com um dos mais importantes capítulos bíblicos, mas visto que temos que “gramar” com mais um … cá vamos então! Tudo começou com um livro escrito pelo devoto General Lew Wallace que chegou ao grande ecrã, pela primeira vez, em 1925. Durante o espaço (desde a sua criação literária a este “embrião” de épico que assistimos em 2016), surgiu a epopeia de 1959, um colosso filme de William Wyler que revelou-se numa mostra de grandeza de uma Hollywood agregada a majors e produções sem precedentes. 

Protagonizado por Charlton Heston, que viria a tornar-se no galã de épicos de longo fôlego, esse “Ben-Hur” fez História dentro do circuito cinematográfico da altura, arrecadou uns impressionantes 11 Óscares, um feito que seria mais tarde “batido” por James Cameron e o seu trágico naufrágio ao som de Celine Dion. Obviamente que este novo “Ben-Hur” não irá triunfar com a mesma dezena de estatuetas (uma piada fácil que fora optada pela imprensa norte-americana), porém, seria de esperar um outro tipo de tratamento em relação às tão famosas adaptações. 

Sim, heresias à parte, este equívoco de Timur Bekmambetov é o mais tolerável das versões cinematográficas por um simples facto – é em comparação com os outros três o menos evangélico, cristalizado, e o mais ambíguo no que requer ao retrato “demonizado” dos romanos, os perfeitos antagonistas e … pagãos, como é referido no filme de 1925. Claramente, que essa faceta “humanitária” deriva de um século (hoje vivido), em que questionamos e pensamos sobre o fundamento da religião e das ideologias dos de crença oposta. Nesse termo, são pequenas as provocações (tal como sucedera em “Exodus”, de Ridley Scott), mas é evidente que esta tentativa de afastar-se o quanto possível do cristianismo intolerante das obras anteriores é, não um feito, mas um esforço que faz com que “Ben-Hur” seja readaptado às mais diferentes audiências. Aliás, esse vetor de pensamento é evidente no, por fim, vislumbre de Jesus Cristo (aqui interpretado por Rodrigo Santoro), uma figura ocultada pelas produções anteriores porque simplesmente seria blasfémia atribuir uma cara ao Nazareno em uma história ficcional do século passado. 

image-w128.webp

Ben-Hur: A Tale of the Christ (Fred Niblo, 1925)

ben-hur-e1581451509728.webp

Ben-Hur (William Wyler, 1959)

ben-hur-analise-imag2.jpg

Ben-Hur (Timur Bekmambetov, 2016)

Todavia, vamos ser sinceros, mesmo que fraudulento e movido com a maior das preguiças (a edição é uma lástima), este “Ben-Hur” ganha aos pontos à adorada versão Wyler pela naturalidade (ou pela aproximação) nos desempenhos. Afastando-se do exagero overacting, e do charlatão Charlton Heston. Mas perde, novamente na comparação, no ponto menos improvável – qualidade de produção – “Ben-Hur” de 1959 continua imbatível nesses termos; numa realização orgânica, uma edição monstruosa e quase sem falhas (a corrida continua, depois destes anos todos, no auge da ação cinematográfica) e os cenários construídos que atribuem uma textura impressionável. Agora, com o de 2016, face aos avanços tecnológicos, temos um produto estival, demasiado corriqueiros e igualmente desastrado. Quanto à famosa e mortal corrida no coliseu … nada a fazer … uma sequência “engasgada” onde ninguém parece perceber bem o quê. 

Certamente, não iríamos apostar num “novo clássico”, mas o filme de Timur Bekmambetov não deixa dúvidas – o épico morreu em Hollywood – e ninguém parece importar com qualidade produtivas (atualmente o único a operar efetivamente em grandes produções hollywoodianas é Christopher Nolan, fica a provocação). Uma afronta para atores (Toby Kebbell condenado a outro “flop” de Verão), aos envolvidos (penso que ninguém se orgulhará proclamar que fez parte da produção) e ao público que cresceu a “venerar” a versão de William Wyler e que encontra aqui um tremendo e prolongado videoclipe narrado por Morgan Freeman. Ah! Já me ia esquecendo, quanto à evangelização, este “Ben-Hur” tem outro ponto contra, possui o final mais moralmente “tosco” das mencionadas três versões.

O sonho da esquerda em peso de ferramenta

Hugo Gomes, 30.08.16

MV5BMjA4MjYxNDc4NF5BMl5BanBnXkFtZTgwMjQ0ODUzNzE@._

Qual é o valor da tua ferramenta?” foi com esta pergunta que uma das cenas mais memoráveis do documentário “Torre Bela”, de Thomas Harlan (o relato da transição ideológica de um Portugal pós-25 de Abril), se iniciou. Nesta mesma, os sonhos de uma política de esquerda, a vontade de uma comunidade, é afrontada pela necessidade e orgulho de um só indivíduo, aqui um agricultor nada disposto a ceder a sua enxada a uma cooperativa agrária.

Quarenta anos depois, Thomas Vinterberg, um dos fundadores do Dogma 95 ao lado de Lars Von Trier, dirige “The Commune”, um exorcizar de uma ingenuidade política que o realizador acolhera na sua juventude, porém, como o próprio parece demonstrar nesta sua nova obra, uma quebradiça ideia face às necessidades individuais. O casal preferido do cinema dinamarquês (Ulrich Thomsen e Trine Dyrholm), são novamente requisitados como volantes desta trama que arranca com uma herança imobiliária e um desejo de harmoniosa comunidade. Contudo, essa mesma fabricada coletividade, uma comuna entre amigos, é abalada com o aparecimento de um novo amor, uma terceira pessoa num relacionamento matrimonial de anos.

Thomas Vinterberg estende um prolongado confronto entre a comunidade e o indivíduo, salientando a “humanidade” de cada um face às ideologias políticas. Parece que este “sonho esquerdista” não é à prova de bala, neste caso de sentimentos vividos. Não com isto induzir-nos numa propaganda política e tendo em conta o calor de posições do género que afronta o nosso país (quarenta anos desde “Torre Bela” e essa reconstrução ideológica continuamos com dúvidas acerca da nossa governação e dos requisitos destas), “The Commune” é um filme que nos valida como seres específicos e personalizados e não como rebanho de uma só voz. É também o retrato de que uma correta política é uma fantasia sonhada por homens idealizados. Não existe nenhum maniqueísmo, até mesmo a democracia é aqui questionada, segundo a personagem de Ulrich Thomsen, “não é a maioria que ditará como viverei a minha vida“.

Longe da provocação fácil dos seus congéneres, Thomas Vinterberg segue o caminho mais sutil e difícil, porém, o faz com o auxílio de bons “tenores“. Neste caso, Trine Dyrholm é uma musa expressiva, uma “bomba” emocional que testa qualquer doutrina sociopolítica.

Richard … já estou a caminho!

Hugo Gomes, 29.08.16

02186CB1-A787-4A7F-845C-8C8187BF976C.webp

Gene Wilder e Richard Pryor em "Stir Crazy" (Sidney Poitier, 1980)

121604343-2c6aa0ae-fcba-4359-8d2b-43a1aff5cf85.jpg

Blazing Saddles (Mel Brooks, 1974)

coverlg_home.jpg

Young Frankenstein (Mel Brooks, 1974)

genewilder_wonka.jpg

Willy Wonka & the Chocolate Factory (Mel Stuart, 1971)

MV5BYTJlZGNjZmItNWI1NS00NjcxLTkxNTUtZjA2NDQxNTY4Ym

See No Evil, Hear No Evil (Arthur Hiller, 1989)

the-woman-in-red-gene-wilder-6.jpg

Gene Wilder e Kelly LeBrock em "The Woman in Red" (Gene Wilder, 1984)

3937.webp

Gene Wilder e Zero Mostel em "The Producers" (Mel Brooks, 1967)

 

Gene Wilder (1933 - 2016)

Fomos soldados ...

Hugo Gomes, 24.08.16

image (1).jpg

Sei que existe o senso colonialista dentro de nós, mas este não é um filme colonial, nem sequer de guerra. É um romance à distância, a da condição do soldado confinado à sua própria solidão, aquela prisão invisível induzido por politicas de outros. É a extrema luta de manter sóbrio perante um mundo bêbado que nos assiste. Obrigado Ivo M. Ferreira, conseguiste despertar em mim os meus anteriores sentimentos de soldado, não uma máquina implacável de guerra, mas um homem "barricado" nos seus pensamentos, na saudade de uma outra vida que não seja aquela, mesmo sabendo que pouco sabemos como vivê-la.

Lição Nº [inserir algoritmo]: “boas ideias” não resultam (automaticamente) em “bons filmes”

Hugo Gomes, 23.08.16

539931.png

Esta é a história de Lucas Mateus (Ivo Canelas), um músico de carreira falhada que entra em depressão após descobrir que a sua namorada o traía com o seu melhor amigo, Pedro (João Tempera), que ao contrário do protagonista é um músico com uma carreira bem sucedida. Com as desilusões que se vão acumulando na sua vida, Lucas desesperadamente entra num ciclo vicioso de “carrologia”, uma arte de engate em que consiste “estudar” o conteúdo dos carrinhos de supermercado. É durante essa “caça a mulheres” que Lucas encontra, que conhece uma estranha rapariga, cuja principal particularidade é de viver dentro de um fato de dinossauro cor-de-rosa.

Na teoria, “Refrigerantes e Canções de Amor” soa como uma variação de criatividade “Sundance style”, mas o pior é quando chegamos realmente à prática, e aí sim, é onde “a dinossaura torce o rabo”. Escrito pelo humorista Nuno Markl, esta é uma comédia de ideias, porém, mal executadas em derivação de um malabarismo de tons, de uma realização ausente de frescura, por um overacting conformado por muitas das suas estrelas e por um timing incorretamente aplicado. 

Devo dizer que esta obra tem de tudo para funcionar como um case study, exibido em qualquer aula de preparação para estudantes de cinema nos termos do que se “deve ou não fazer”. Verdadeiramente triste que isso aconteça, até porque no leme deste projeto está o veterano Luís Galvão Teles, que ainda este ano presenteou-nos com a louvada tentativa de “Gelo”, um filme de ficção científica que não envergonha ninguém. Infelizmente é na sua direção que encontramos a “faca de dois gumes” deste “Refrigerantes e Canções de Amor”, se por um lado a realização de Galvão Teles afasta-nos da usual linguagem televisiva que empesta as produções comerciais (*cof*O Pátio das Cantigas *cof*), é nele que encontramos o desleixo total, confirmado no patético clímax, onde não existe qualquer noção espacial e até temporal.

Sim, meus caros, “Refrigerantes e Canções de Amor” é um produto falhado, sem amor nem carinho, despachado e dilacerado precocemente. Algo bom nisto tudo é Victoria Guerra, que mesmo deixada à sua mercê no interior de um fato de dinossauro rosa, consegue graciosamente contagiar-nos com o seu talento. Aliás é nela que encontramos o termo de requisitada interpretação, onde os gestos e a voz valem mais que muitas expressões faciais.

Cães Danados

Hugo Gomes, 18.08.16

maxresdefault.jpg

I don’t care if it' s legal! It 's wrong", dizia Bridget Moynahan em relação ao comércio de armas levado a cabo pelo protagonista de “Lord of War”. Toda esta confrontação ideológica como um esquema de “smartest guy in a room” serviu de tour de force para Nicolas Cage, a marioneta escolhida por Andrew Niccol nesse sleeper de 2005.

Onze anos depois, surge o revisitar, não como a assumida sequela ou spin-off do mercador de arsenal, mas ao “lugar-comum“, um incómodo para todos aqueles que veneram um certo paternalismo hippie. “War Dogs” é um improvável em todo este cenário, dirigido pelo “orquestrador” do êxito de “The Hangover” e produzido por um dos maiores estúdios de Hollywood, eis um episódio de ascensão e queda sob tiques à la gangster que revela o armamento como uma questão de artimanha. Novamente o limiar da legalidade e do maniqueísmo exorcizado em um reconto de cinismo e de falsas-filosofias, tendo como protagonismo duas iguais estrelas de ascensão (Jonah Hill e Miles Teller a preencher os requisitos de duo dinâmico).

Tal como acontecera com “The Hangover”, Todd Phillips é versátil em construir rápidas relações de camaradagem, mas continua fraudulento no que requer a trazer humanidade a todo este ácido cenário de conselhos pagos. É verdade que esta fraqueza não seja inteiramente culpa do nosso realizador, até que esta “chico-espertice” contém camadas próprias para a auto-comercialização do produto, vendendo-se como um comédia negra buddie até culminar numa crítica passageira e inofensiva “encavalitada” no mesmo esquema narrativo.

É um Scorsese que tresanda, a narração quase indulgente de “The Wolf of Wall Street” até às trocas e baldrocas das etapas narrativas de um “Casino” (por exemplo), tudo em prol do conto, segundo eles. Nada de alarmante, visto que este “faz-de-conta” não é de todo um exercício escusado, mas falta-lhe sumo para chegar aos calcanhares do seu parente mais próximo – “Lord of War” – assim como eficácia em deslocar-se para fora do modelo exposto, até porque novamente temos uma cumplicidade “espetada” num universo tão míope e egocêntrico. 

"Hurra" ao Mefistóteles da beleza!

Hugo Gomes, 16.08.16

the-neon-demon.jpg

Promovido como um herdeiro do cinema provocatório de Lars Von Trier, o também dinamarquês Nicolas Winding Refn aposta num prolongado concurso de beleza, um universo enxugado de luzes e sons psicadélicos, porém, anorético em tudo o resto.

É o seu conceito de filme de terror, segundo a ambição do realizador que confronta o espectador com mais outro retrato fascinado pela violência gráfica, visto que a psicologia é somente uma atmosfera dissipante e frágil nestas “ruelas”. Em certos aspetos, “The Neon Demon” resulta na extensão do moralismo fabulista. Neste caso o já rudimentar debate da beleza (a estética contra tudo o resto), apoiada na visão incandescente e por vezes alucinogénico que Refn alastra neste enésimo “conto” de procura e concretização de sonhos em terras dos “Anjos”.

Neste episódio, seguimos Jesse (uma hipnotizante Elle Fanning), uma adolescente determinada a tornar-se numa modelo, nem que para isso tenha que vender a sua alma a uma entidade faustiana. Até porque no preciso momento em que assina o tão precioso contrato das mãos de Christina Hendrick algo de sobrenatural acontece, um íman inquebrável rodeia a nossa protagonista, um magnetismo que capta novas oportunidades como também novos e mortais inimigos.

Uma bênção, um dom, ou uma inerente maldição? O destino de Jesse converte-se numa luxuosa descida aos infernos, com Nicolas Winding Refn a providenciar ferramentas visuais e sonoras ao serviço de tal tarefa danteana. Cada flash de fotografia ocorrida em “Neon Demon” é como a palpitação de uma monstruosa criatura se tratasse, uma anormalidade que se revela pouco a pouco mas nunca se desvenda na sua totalidade, como tal o filme parece não cumprir a sua simples premissa. O que soava como um estilizado produto de terror urbano, colorido sob um holofote néon, cede-se infelizmente à mera masturbação. Uma direção em redor do seu umbigo, um punhado aleatório de referências que vão desde a História Antiga (alusão à trágica condessa Báthory), o cinema tingido de um Mario Bava ou do sucessor, Dario Argento, e até o neo-noir voyeurista de Brian DePalma.

Contudo, é no interior deste festim de espontânea coloração que se esconde a verdadeira “espinha dorsal” deste projeto – o expressionismo alemão. “The Neon Demon” é um filme absolutamente influenciado por esse movimento; pelos enredos de pactos infernais, pela figura da femme fatal (que floresceu durante o expressionismo, ao contrário do senso comum da expansão do film noir norte-americano) e dos constantes jogos de sombras, aqui cambiados pelos berrantes néones que deixam transparecer as emoções das suas respetivas personagens.

Uma euforia que resultaria num bem costurado tecido, mas como havia referido, Nicolas Winding Refn cede ao seu pesado ego e deixa cair por terra qualquer indício de análise estética e psicológica. Provas disso, temos um final à deriva de um grotesco desnecessário, um evidente toque masculino em temática tão feminina e sob o cinismo de uma “improvável” homenagem à mulher do realizador e por fim, uma barafunda de elementos que nos leva aos mais desconcertantes “becos sem saída” narrativos. Depois do subvalorizado “Only God Forgives”, eis a obra mais desastrosa da sua carreira, um pretensioso exercício a ser distinguido com o título “mas que raio” (!?) do ano.

Terá sido a crítica injusta para "Suicide Squad"?

Hugo Gomes, 07.08.16

suicide_squad_first_look_trailer_still_1_0.jpg

Jared Leto em "Suicide Squad" (David Ayer, 2016)

 

Atenção: a crónica que segue não deve ser vista como uma defesa ou ataque ao filme “Suicide Squad”.

Mais uma vez, a imprensa norte-americana não ficou impressionada com outro arranque da DC Comics no seu expansivo universo cinematográfico. Um pouco por todo lado fala-se e reflecte-se sobre uma eventual "campanha negra" que parece condenar Suicide Squad e os seus congéneres.

Nessas provas confirmamos desde os incontáveis artigos que prevêem um fim de um franchise (dias antes da estreia do filme em salas) até às críticas de teor difamatório que dão a entender que o filme de David Ayer é um dos piores (se não o pior) do seu género. Por outro lado, a histeria em massa deu resultado a uma petição para acabar com a Rotten Tomatoes, o site agregador de críticas, tendo em conta a negatividade que o Esquadrão e o anterior “Batman V Superman” obtiveram no meio crítico. Dentro dessa mesma "paranóia", assim por dizer, deparamos com uma teoria da conspiração de que a Marvel Studios em coligação com a Disney tem pago e manipulado a própria crítica de forma a causar um apelativo hype pós-estreia. Antes de avançarmos com teorias, histerias e julgamentos quanto ao filme, devo salientar um verdadeiro problema em todo este cenário, chama-se críticos, ou neste caso a falta deles. 

Primeiro, o que é um crítico de cinema? Um crítico é uma pessoa especializada para analisar, idealizar, debater e teorizar sobre cinema. Uma definição justa que o leitor deve aperceber, mas o que significa realmente tudo isso? A arte da crítica, antes de mais, não serve simplesmente para dizer se o filme em causa é bom, ou não é bom, o crítico deve se estabelecer como um guia, não no sentido de aconselhar o espectador o filme que deve ou não ver, mas o de apresentar as ferramentas necessárias para um eventual debate com o filme. Trata-se da ligação do espectador com o filme, o lançamento de questões, provocações e o incentivo da cinefilia envolta. Não é apenas um jogo de estrelas, sabendo que as estrelas, por sua vez, são atrativas, adereços quase inseparáveis do senso comum da crítica.

Aliás, o crítico não deve somente focar no cinema, mas também explorar as outras vertentes que o filme possa indiciar, entre os quais ciências políticas, sociais, psicológicas e emocionais. Existe também uma exploração das outras artes: literatura; pintura; artes plásticas; televisão e até música, sendo possível criar ou recriar ligações entre as mesmas, paralelismos ou simplesmente implementar uma visão "avant-garde" desses meios artísticos.

O crítico não deve ter medo de ousar, de exprimir uma ideia tendo em conta que o mundo aponta para outra. Deve-se sobretudo ser imparcial, directo, intelectual e sempre disposto a entender perspectivas para trabalhar a sua própria ideologia. Reavaliar trabalhos e sempre conduzir um olhar por entre os tempos, assim como possuir um paladar diversificado do gosto cinematográfico. Isto é a definição clara e simplista de um crítico profissional, alguém que respira cinema e que faz desse ar uma linguagem audível e perceptível.

05ebertweb1-superJumbo-v2.jpg

Roger Ebert

Agora o que um crítico nunca pode fazer é acorrentar-se a um sistema de avaliação consoante o seu mero júbilo, o seu prazer sem razão crítica. Infelizmente, é isso que temos evidenciado nessa "mão cheia de profissionais", muitos daqueles que criticaram “Suicide Squad” usaram o argumento de "not fun" sem qualquer fundamento para ir mais além… Como se isso resumisse a uma crítica e como se o entretenimento fosse a razão crucial para existir o cinema.

Os EUA têm essa tendência, uma escola que fora valorizada com a fama crescente de Roger Ebert, um crítico que se seguia sobretudo pelos seus padrões morais e pelo polegar, e cujo seu modo de operação conquistou verdadeiramente as massas. Há sim, com isto, um medo de serem complexos, o de pensarem sobre as imagens, um receio sobretudo de analisar, e nessa fobia, a de afastar da perceção e emotividade com o público. Como funciona este formato de crítica norte-americana? Uma preocupação extrema com os gostos do próprio público. Ebert, por exemplo, tinha sempre notas de quais os filmes que as crianças ou mais novos DEVEM ou não ver. Ou seja, um filme apto para um grande número de audiências era por si, à partida, um grande filme para inúmeros críticos norte-americanos que enchiam manchetes de colunas de jornais com expressões como "a fun ride" ou "two thumbs up"

Raramente saem da camada, dificilmente aprofundam a questão e, claro, evitam os case studies. É apenas a opinião do momento, que não terá grandes efeitos para o posteriori, que não edificam os filmes, nem os descrevem sobre filosofia cinematográfica. Existe uma maior preocupação em criar chamariz do que propriamente trabalhar em teses, o de enfrentar principalmente a "chuva de opiniões" que a internet suscitou. Claro que poderei estar a generalizar! Dentro desse seio "surpreendentemente" valorizado, há exemplos que se destacam, mas quando se referem a blockbusters e neste caso, super-heróis, existe um evidente clubismo e oportunismo de marketing, visto que em terra de Hollywood, são as majors que comandam. Depois existe a noção de que a crítica move mercados, e gera sucessos de bilheteira (uma ideia errada que tem condicionado a própria opinião crítica).

Quanto à conspiração, a Marvel tem sido "vergonhosamente" beneficiada pela crítica, mas não por "pagamentos ilícitos" nem nada disso e sim pela incompetência, pela falta do olhar crítico e sobretudo pela natureza destes "profissionais" o qual são enviados aos visionamentos de imprensa. A verdade, é que os critérios utilizados nos filmes da DC não tem sido os mesmos para os da sua concorrente, a prova disso é o de ignorar o formulaico sistema de industrialização (fórmulas podem fazer um filme, mas nunca Cinema), o argumento fraco e ilógico de “Civil War” (por exemplo), assim como as suas perversas ideologias políticas. Infelizmente, isso foi deixado de parte por essa suposta "comunidade pensante". No fundo, muitos deles [críticos] não passam de wannabes que estão num cargo equivocadamente, limitados a uma visão cada vez mais refém da própria industrialização e da massificação da internet.

Agora, a importância dada pelo mesmo público a este tipo de críticas tem sido, também ele, um absoluto exagero. A crítica não deve ser vista como uma voz imperativa, mas sim como um incentivo a um debate. Se um crítico mencionar “Suicide Squad” como o pior filme de sempre, há que aprofundar os seus argumentos, entendê-los e seguir a sua perspectiva para perceber a nossa. Por vezes ao entrarmos na "pele" de um outro advogado podemos aperfeiçoar o nosso ponto-de-vista. Se um crítico aclama que “Suicide Squad” é o melhor filme do Mundo, os mesmos processos acima referidos devem ser feitos.

O Cinema é moldável, e como tal a nossa perspectiva, o nosso argumento, e a nossa visão cinematográfica. Aliás, até mesmo os Cahiers du Cinéma tiveram que se desculpar por não terem apercebido a tempo do génio de John Ford. Por outras palavras, nem os críticos são perfeitos.

Pág. 1/2