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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Livre, só de nome!

Hugo Gomes, 30.06.16

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If we are all God's children, then no one can be owned."

Um pedaço de História dos EUA torna-se nas mãos de Gary Ross, o responsável pela adaptação do primeiro livro de “The Hunger Games”, num baço filme pedagógico. Ao que parece os tempos de John Ford já lá vão, o que se pretende não é revisitar a Guerra Civil norte-americana, o cenário bélico responsável pela formação do país que é hoje tido, mas sim apurar as causas para as irresponsabilidades sociais atuais. Obviamente, sem querer cair em correctas "politiquices", mesmo que os dias que decorrem motivam-nos a vergar por este ramo, “Free States of Jones” é um projecto desfragmentado, calculado para ofender o mínimo de faixas (quer etárias, raciais, religiosas e étnicas) possíveis.

A fórmula é simples - apoiar-se nos factos verídicos e exorcizarem-se nele uma espécie de catarse política. Até aqui tudo muito bem, o problema é que Ross não consegue decidir qual o melhor veículo para a difusão da sua mensagem (neste caso mensagens). O resultado é uma "trapalhice" narrativa; ora segue (sem aviso prévio) o corte temporal para a oferenda de subenredos despropositados, ora recorre às legendas para situar o espectador no tempo o qual é incapaz de transmitir, ou "tapa os seus buracos narrativos" com breves exposições de fotografias reais, como se tais mudos testemunhos invocassem forças necessárias a toda esta fachada. A história real por detrás deste “Free State of Jones” poderá ser cativante, nisso não poderemos negar, uma insurreição dentro de uma insurreição é pólvora ardente para um cinema de forte componente política, mas a maneira como se dispõe estes factos é de uma automatização alarmante, uma mecânica "mastigada" que nos finaliza com um terceiro acto isento de qualquer clímax ou de trabalhado conflito.

Pouco mais existe para dizer neste pseudo-bélico sem amor-próprio pelas personagens e sem compaixão alguma pelo esforço cometido por Matthew McConaughey no papel do "justo" Newton Knight, um dos herois esquecidos de um país que atualmente prefere venerar snipers [*cof *cof American Sniper”] e empresários na corrida presidencial [*cof *cof Donald Trump]. Ao que tudo indica, nem as produtoras tiveram fé nesta "causa", a resposta disso foi um filme deste género e com tamanho potencial ter sido lançado "à mercê da sua sorte" por entre os blockbusters de Verão. Lastimável!

No bailado dos opostos ...

Hugo Gomes, 29.06.16

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Depois de ter partilhado a sua dor através de um tributo íntimo à sua falecida irmã, Petra Costa decide explorar as crises existenciais de uma atriz promissora - Oliva - cuja vida se altera drasticamente após a descoberta da sua gravidez.

Tal como a sua primeira longa-metragem, “Elena”, Costa regressa ao estilo inconformado do documentário, numa reinvenção com pé assente na ficção e outro no limiar da realidade e da manipulação cinematográfica. Poderíamos salientar que em “Olmo e a Gaivota” somos remetidos à estranheza, à bizarria da forma narrativa e através disso a uma viagem direta para  sentido vital da sua protagonista / vítima. Enquanto que em “Elena” o espectador sentia incómodo por penetrar em territórios tão pessoais da autora, nesta nova longa-metragem (em colaboração com Lea Glob) temos a tendência de julgá-la pela persistência de entranhar na vida, ainda a ser “escrita”, da sua atriz, mesmo que esta demonstre por várias ocasiões as fronteiras impenetráveis e proibidas do seu ser.

Um exercício narrativo que tem sido várias vezes comparado com os triunfos literários atingidos por Virginia Woolf (“Mrs. Dalloway”). A obra assenta num diversificado registo tão distinto da autora, que se comporta como uma entidade divina no preciso momento em que chega a transformar a sua própria realidade, como se esta fosse barro maleável pronto para uma exibição. É uma peça de arte, se assim acreditarmos, que reúne a performance artística em conjugação com uma veia teatral forte (a protagonista é uma atriz de teatro em plena encenação de “A Gaivota”, de Anton Tchekhov, logo é evidente essa matriz) com a complexidade literária; a experimentação dos pensamentos da sua “heroína” como conduta narrativa a reter. Aliás, ela é o leme, enquanto as realizadoras adquirem um papel de almirantes em alto-mar.

Os medos da maternidade, a cedência às trivialidades do quotidiano e os sonhos desfeitos em prol do ciclo que a vida suscita, são pontos de reflexão que Oliva contrai, sujeita às intervenções das suas respectivas “patroas”, agora ditadoras do seu dia-a-dia. Uma luta assinalada como se uma gaivota resistisse à tempestade. Olivia é essa gaivota (alusão ao filme), contando com Serge, o seu “olmo”, a árvore medicinal que contrabalança a sua alma enclausurada.

Uma história de amor atormentada, mas rica em momentos românticos que salientam o seu “quê” de realidade, e tal é testemunhado logo nos primeiros minutos, onde Serge recita com tanta afeição Mi Sono Innamorato di Te (Luigi Tenco). Ocasionalmente belo e narrativamente utópico, “Olmo e a Gaivota” é uma peça-mestre na maleabilidade narrativa, e mostra como Petra Costa poderá tornar-se mais que somente uma promessa: uma poeta visual. Apesar de tudo, e infelizmente, não é o turbilhão de emoções que “Elena” fora, essa ainda (um pouco) desconhecida pérola do género documental.

Novamente à "batatada" pelo Planeta

Hugo Gomes, 23.06.16

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Passemos então para a desforra! Foi um dos maiores êxitos dos anos 90 e uma sequela disto já soava uma miragem, mas é então que surge entre nós aquele que poderá ser o grande regresso de Roland Emmerich aos blockbusters de Verão, isto depois de ter falhado com abordagens mais pessoais em “Stonewall” e “Anonymous”, e no ataque à Casa Branca com Channing Tatum (o público preferiu o muy bronco “Olympus has Fallen”). Estamos obviamente a falar de “Independence Day" (“O Dia da Independência”), título inesperadamente patriótico para a obra de um realizador alemão, mas como os yankees tem por hábito pronunciar – “cheesy” – o suficiente para entreter nas horas vagas. 

Contudo, o trabalho do crítico não é o de aconselhar quais filmes a ver ou a não ver, nem sequer avaliá-los consoante o grau de entretenimento, nesse sentido a palavra divertido é relativo, mas sim lançar o debate e idealizar o filme em questão. Sob esse signo poderemos dizer que o segundo “Dia da Independência” é uma “trapalhice” pegada, que mesmo assim conserva o de lúdico e ingénuo tem este tipo de blockbusters (longe dos tempos da seriedade hoje envolvida nas produções “kind of likeChristopher Nolan). Agora insinuar que é um bom filme desde que se “desligue o cérebro”, é nada mais que uma desculpa esfarrapada de quase querer “vender a mãe”, mas isso são outras guerras, passemos então à guerra transposta pelo filme.

Como sabem, 20 anos se passaram desde a destruidora “visita” dos alienígena na Terra (sim, a sequência da Casa Branca reduzida a cinzas pode muito bem considerado um déjà vu), sendo que o Mundo é agora um espaço simbiótico, onde todos os povos dos quatros cantos do Globo vivem numa total utopia harmónica (ora quanta inocência!). A tecnologia deu um valente “pulo”, como tal, foram concebido postos de vigia intergalácticos (vá os extraterrestres “visitar” novamente o planeta), armas laser (inspiradas no armamento alienígena) e Jeff Goldblum novamente como o cientista que ninguém quer acreditar mas que deveriam apesar de tudo. 

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E pronto, dá-se o segundo round desta invasão que já persegue o Cinema quando este dava os primeiros passos, as criaturas “from outer space” chegam à Terra com promessas de destruição elevado a dez e Roland Emmerich ostenta novamente os seus apetites apocalípticos, e para sermos sinceros, não existe pessoa indicada para destruir a Terra que ele. Contudo, todo este espetáculo é deveras corriqueiro, previsível e extremamente anorético no que requer a construir personagens, conflitos e relações, aliás o primeiro ponto é dividido entre “retornados” e estereótipos, nada mais que isso. É tudo um jogo de referências, réplicas e “brincadeiras” de CGI sob uma conduta implacável de apresentar muito em tão pouco. 

Mas o pior é mesmo a saturação dos efeitos visuais, neste momento a destruição tecnológica apresentada em “Independence Day: Resurgence” leva-nos a temer o pior – como espetador, este tipo de truques são cada vez mais difíceis de surpreender – um mau sinal tendo em conta que as primeiras imagem de uma nave alienígena a reduzir a Casa Branca a “cacos” em 1996 causou uma tamanha euforia no público. A culpa, talvez, não seja da produção de Emmerich, mas do facilitismo (e o lufa-lufa) como também da preguiça em reduzir-se todo a meras imagens CGI que as produções deste género têm cedido. Agora como anexo a este problema exaustivo, basta verificar a quantidade de produções que apresentam imagens de destruição de qualquer tipo de cenário (não andará uma pessoa farta!). 

Eis o enésimo atentado à Terra por Emmerich, que apenas ganha com a sua valente ironia autorreferencial (por pouco não destruiu novamente a tão famosa habitação presidencial), e o facto de ser um blockbuster que tem a perfeita noção daquilo que é, e não mais um “bigger than life” que a Marvel e companhia parece submeter-mos. Para terminar fica a frase do ano, proclamada pelo nosso velho Goldblum, que refere aos ditos E.Ts: “Eles adoram monumentos”.

Pixar com memória de peixe

Hugo Gomes, 22.06.16

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Atenção à navegação, “Inside Out” foi só faísca, a originalidade já não mora na Pixar e a prova está nesta sequela / spin-off de um dos maiores êxitos do estúdio. Muitos são aqueles que emocionaram com Nemo, o pequeno peixe-palhaço que perdeu-se do seu progenitor e cujo reencontro tornou-se no leitmotiv de uma demanda pelo fundo marinho, mas mais foram os que realmente “derreteram” com Dory, o cirurgião azul com problemas de memória que funcionou numa das mais divertidas personagens secundárias do reino da animação.

Acompanhado pela voz da mundialmente conhecida apresentadora Ellen DeGeneres, Dory tornou-se numa trademark a não perder de vista, que facilmente poderia ser rentabilizado numa nova aventura animada com um leve sabor estival. Em “Finding Dory” seguimos a mesma fórmula de “Finding Nemo”, ou seja, um início que nos leva ao passado trágico da personagem e uma procura pelos entes queridos que resulta em mais uma interminável viagem pelos cantos e recantos do Oceano.

Mas como não poderia faltar, visto que a fórmula tem que ser repetida, o Homem está presente como uma manifestação antagónica, uma mensagem ecológica com evidentes inspirações do polémico documentário de 2013 – “Black Fish” (de Gabriela Cowperthwaite) – o qual adverte ao espectador o perigo do cativeiro para algumas espécies marinhas e a hipocrisia das ditas instituições marinhas (com alusão à Sea World) que proclamam reabilitar os seus provisórios “habitantes”.

Claro que toda esta temática é uma “faca de dois gumes” que nunca é, de maneira alguma, debatida numa animação provida de claros fins morais. Novamente a família como o vetor de toda a demanda e a ingenuidade de uma educação ecológica de igual adjetivo. Obviamente que todo este teor é servido por um grafismo de “arrasar”, nunca a água teve de forma tão realista representada numa animação CGI, e um humor ligeiro anexado a algumas personagens construídas de forma inteligente. E sim, como não poderia faltar de enumerar, a aparição do primeiro casal homossexual numa produção animada da Disney, nem que seja por instantes, o que não deixa de ser uma pequena proeza.

Porém, não deixa ser desconcertante um filme, mesmo tendo como objetivo o público mais infantil e as famílias, apostar numa credibilidade, quer visual, quer comportamental, quer no argumento e no fim possuir uma ou outra “gafe” que nos faz pensar se os envolvidos pesquisaram alguma “coisa” sobre a condição de um peixe. Por fim, fica o conselho, não deixe as vossas crianças sozinhas perto de um aquário depois de assistirem a este filme, porventura poderão fazer o que acharem mais “correto”.

Demasiado cedo ...

Hugo Gomes, 20.06.16

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Only Lovers Left Alive (Jim Jarmusch, 2014)

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The Beaver (Jodie Foster, 2012)

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Burying the Ex (Joe Dante, 2014)

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Hearts in Atlantis (Scott Hicks, 2001)

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Terminator Salvation (McG, 2009)

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Charlie Bartlett (Jon Poll, 2007)

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Green Room (Jeremy Saulnier, 2015)

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Star Trek (J.J. Abrams, 2009)

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Fright Night (Craig Gillespie, 2011)

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Alpha Dog (Nick Cassavetes, 2006)

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House of D (David Duchovny, 2004)

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Porto (Gabe Klinger, 2016)

 

Anton Yelchin (1989 - 2016)

Poltergeists, possessões ... e uma freira

Hugo Gomes, 13.06.16

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Por estas alturas, James Wan goza de um implacável estatuto! Deu nas vistas em 2004 com o exercício de serial killers que originou um dos mais rentáveis franchises do género do terror, “Saw”, até chegar a todo um conjunto de obras de baixo-orçamento que garantiram sucessos instantâneos (sem falar da sua contribuição no cinema blockbuster como em “Furious 7” e “Aquaman”, este último ainda a ser preparado). O realizador malaio é atualmente um dos braços fortes desse “império” low cost do produtor Jason Blum (cada vez mais visto como um Roger Corman da nova geração), mas é inegável o toque que atribui a este conjunto de “produtos“, transformando ideias recicladas em matéria (pseudo)refrescante para ávidos apreciadores do cinema de terror.

Esta sequela do seu maior êxito de bilheteira, “The Conjuring” (com o orçamento de 20 milhões de dólares, rendeu mais de 300 milhões em todo o Mundo), é a prova viva desse veio “artístico” que Wan injeta (a sua ausência, por sua vez, foi catastrófica no terceiro capítulo de "Insidious") em terreno extremamente maleável. Infelizmente, o realizador preferiu-se vincar no seu guia “old school“, apresentando ao espectador os mais velhinhos truques do livro, uns com resultados satisfatórios e outros … nem por isso. 

Arrancando com uma ida e volta à célebre mansão de Amityville (o caso de investigação mais famoso do casal Warren), “The Conjuring 2” avança como uma auto-referência do cinema de Wan, neste caso Insidious é estampado no início deste “take“. Aí desenvolve os primeiros jump scares, com direito a monstruosos fantasmas e ameaças proclamadas que iremos seguir mais tarde (basta verificar a fórmula do primeiro filme para apercebemos como a “coisa” irá desenrolar). Depois desse início acelerado, com os Warrens (interpretados novamente por Vera Farmiga e Patrick Wilson) a serem puxados para segundo plano, seguimos para Inglaterra onde uma família é assombrada por um poltergeist “traquinas”. 

Trata-se do caso Enfield, o mais documentada da História da sobrenaturalidade, que acabou por revelar-se numa farsa. Porém, “The Conjuring 2” o visualiza como um caso de crença, onde o espectador mais informado sobre o sucedido terá que “fingir” que tudo não passa de uma possessão demoníaca de “colossal” tamanho. Tal como foram acusados o verdadeiro casal Warren, igualmente Wan traz um exagero a toda esta “assombração“, como tal basta comparar a entrevista televisiva da BBC feita a uma das crianças perturbada por estes fenómenos paranormais e a encenação fictícia neste filme. 

Obviamente que todo aquele argumento de que “isto não é mais que um filme” é uma cartada neste embate entre ficção e factos reais, porém, esse dito exagero cinematográfico que Wan traz a Enfield Poltergeist é rodeado pelos maiores clichés do género; as luzes descontroladas, as ameaças vindas de uma outra dimensão (temos uma freira demoníaca que é uma fábrica de pesadelos), os reflexos, a manipulação da sonoplastia, as crianças demoníacas e os artefactos infantis que de alguma forma servem de “ponte” entre vivos e os supostos mortos. Mas não é por isso que a viagem faz-se de maneira menos agradável, o que acaba por “desgraçar” toda esta pintura é um último ato, vulgarizado e estupidificado por um twist forçado, que de maneira alguma tem significado no percurso percorrido até então. De certa forma, este “The Conjuring 2” está mais próximo ao anterior “Poltergeist”, de Tobe Hooper, o qual ambos apostam num clímax mirabolante e demasiado vistoso para a sua condição de filme de “assombração”. 

Provavelmente, James Wan ainda estava a pensar no seu “Velocidade Furiosa”, esquecendo de desacelerar a narrativa deste exercício de terror de estúdio. Confirma-se, bastante inferior ao seu antecessor.

Gaspar Noé: "a depilação pertence à indústria pornográfica e não à vida real"

Hugo Gomes, 11.06.16

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Love (2015)

Depois de ter silenciado Cannes duas vezes, uma em 2002 com “Irreversible” e em 2009 com “Enter the Void”, Gaspar Noé voltou a fazer das suas em terras francesas com “Love”, uma história de amor, sexo e obsessão que prometeu alterar para sempre a maneira de se encenar o sexo no grande ecrã. Depois de uma estreia mediática no Festival, “Love” chega por fim a Portugal no âmbito do Indielisboa. Tive a oportunidade de falar com o realizador argentino radicado na França, numa conversa descontraída em que disseca a sua obra, aborda a vida que o cineasta pode nunca mais reaver, e o seu trabalho com “caras” desconhecidas.

Como foi concluir o seu “projeto de sonho”?

Foi um dos meus projetos de sonho. Eu escrevi o primeiro rascunho do guião após escrever o Enter the Void e depois de escrever uma curta sinopse do Irreversível. Como não consegui arranjar financiamento para o “Enter the Void” após a minha primeira longa-metragem, então optei por um projeto de baixo-orçamento que pudesse filmar e produzir em Paris. Escrevi um rascunho deste filme, que na altura intitulava-se “Danger”, e conheci o Vincent Cassel num clube o qual perguntou-me o que estava a preparar. Disse-lhe que estava à espera de financiamento para o “Enter the Void”, mas que encontrava-se a preparar uma história de amor, bastante erótica, em Paris, e que estava interessado em que a Monica Bellucci entrasse.

Então encontrei-me com produtores que anunciaram que tinham o dinheiro para este projeto com o Vincent Cassel e a Monica Bellucci, e foi então que apercebi-me que a maneira que pretendia filmar poderia comprometer o trabalho destes atores. Mas apresentei na mesma a minha ideia e eles simplesmente disseram “Não”. Foi então que sugeri, como estava livre nesse verão e o produtor também, fazer um outro projeto rápido e foi assim que concretizei o Irreversível. Nós o fizemos e tornou-se num grande êxito. Desde então fiquei com a esperança de improvisar o projeto, mas entretanto o meu outro projeto foi aceite. É que depois do “Irreversível”, tive o desejo de filmar o “Enter the Void”.

Depois de estrear o “Enter the Void”, avancei com este filme, porque eu sempre havia me dedicado a este projeto, que era algo tão próximo de mim, tão próximo da minha própria vida. Mesmo que não fosse uma autobiografia, era como fosse a vida que os meus amigos tinham e na qual estava integrado. A vida dos 25 anos, com festas, noites, drogas, o amor desesperado, daquela maneira estranha dos fracassos, o qual tornaram este projeto muito afetivo.

Foi então que optou por atores desconhecidos para “Love”? Como os escolheu?

Há pessoas que têm carisma e outras não. Quando nós dirigimos atores descobrimos que alguns têm maior aptidão para decorar as deixas, lembrar longos diálogos. Noutros tens talentos interpretativos, facilmente choram, e outros desempenham uma personagem desenvolvida por eles. Mas quando descobrimos pessoas carismáticas, não precisamos de atores… basta que tenham boas capacidades de improvisação, visto que eu faço muita edição. Depois de Vincent Cassel e Monica Bellucci terem recusado, decidi apostar em rostos desconhecidos. No entanto, apesar de ter uma grande admiração por bons atores, também gosto de ver filmes, caras que não conheço, visto que trazem consigo algo novo.

Isso está ligado com o facto de não associarmos essas caras com outras personagens?

Sim, mas atenção, eu não conseguiria fazer o “Irreversível” sem a Monica e o Vincent, porém, não poderia ser radical com eles devido às suas respectivas carreiras e sucessos anteriores. Neste caso, para um filme destes, pretendia atores mais jovens, e que não estivessem ligados a filmes anteriores.

Por exemplo, quando eu vejo o filme “The Dreamers” [Bernardo Bertolucci], a representação de Michael Pitt é perfeita. No entanto, eu não poderia tê-lo no meu filme, porque o espectador iria associar de imediato com “The Dreamers” ou outros dos seus anteriores filmes, e o mesmo iria acontecer com a rapariga. Além disso, o ator está demasiado velho para o papel. Quando comecei os castings, a minha grande preocupação era encontrar um rapaz ou uma rapariga que se sentissem confortáveis com os “corpos de outra pessoa” … e com a sua nudez. Para muitos atores profissionais, este papel poderia ser considerado como um risco, por causa dos seus planos de carreira, fãs e o facto de se exporem desta maneira.

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Gaspar Noé e eu, durante o Indielisboa 2016

Para estes casos, as pessoas estão sempre mais alertas. Além do mais, é mais fácil para um homem mostrar o seu pénis, erecto ou não ereto, do que uma mulher expor-se em situações sexuais. Tudo isto porque vivemos num mundo dominado por homens, onde um pai não se iria importar que este tipo de papéis fossem vistos pelos seus próprios filhos. No caso da mulher, no mundo em que vivemos, ela facilmente seria julgada.

Como os preparou para as cenas sexuais?

A ideia principal é que os atores fossem tangíveis, ousados e que soubessem o tipo de filme que estavam a fazer. Teriam que conhecer o tema e para isso debatíamos muito. Pedi aos atores para terem em conta, nestas cenas, que não se poderiam depilar, visto que para mim era esteticamente não-natural e eu pretendia algo vintage. Fico sempre chocado com esta nova moda das raparigas depilarem as suas “partes baixas” … acho feio! Para alguns homens é excitante mas para mim a depilação pertence à indústria pornográfica e não à vida real.

Mas não pretendia fazer um filme pornográfico?

Não, eu estava simplesmente à procura de algo real. Não queria copiar nenhum dos filmes, nem sequências eróticas que tivesse visto, muito menos cenas explícitas que são tudo menos eróticas, mas sim reproduzir a maneira como beijamos e fazemos sexo quando estamos apaixonados por alguém.

Como surgiu o 3D para este filme?

Eu já tirava fotos em 3D, tinha uma câmara própria para o efeito. Numa altura difícil, na qual a minha mãe estava a morrer, eu tirei várias fotos com essa câmara para ter a possibilidade de me recordar dela. Via essas fotografias num pequeno monitor.

Eu recebi um subsídio em França, através do Centro Nacional de Cinema (CNC), para ajudar a desenvolver novas tecnologias. Um mês depois de começar a filmar, pensei em usufruir do subsídio, mas não o pude fazer, porque teria que aguardar mais quatro meses antes de avançar no projeto. Mas como estava a filmar há já um mês, eles colocaram o meu projeto no topo da “pilha”, duas semanas depois começamos a filmar com tais câmaras [3D]. Tive imensa sorte em participar neste tipo de indústria.

Ao filmar em 3D, não tornei este projeto mais caro, mas ficou incluindo na categoria dos filmes de “grande orçamento”. Além disso, o filmamos em 5 semanas.

Automaticamente associamos “Love” a si. Não pelo seu nome aparecer nos créditos, mas sim por ser um filme cheio de referências das suas obras anteriores. Cheio de easter eggs.

Mais uma vez, este filme não é uma autobiografia mas sim o retrato de uma vida que eu e os meus amigos conhecemos. São esses os elementos do filme. Tentei filmar o jovem ator como se de um irmão mais novo tratasse, um tipo que estuda cinema, fez uma curta-metragem e que não sabe se vingará na indústria. A personagem é um rapaz fixe, descontraído, mas um verdadeiro fracasso, como um amigo fracassado.

Na sua carreira, existe uma frase que o persegue – “O tempo destrói tudo” – e “Love” não é excepção.

Sim, o tempo apaga tudo, mas penso que isto é mais a memória apaga o passado e como a vida consegue destruir os teus ideais. Como pequenos acidentes podem alterar os seus projetos de vida. Por exemplo, no filme, quando o protagonista engravida a rapariga, trata-se de um acidente, de uma quebra. Aliás, são os acidentes que mudam o percurso das personagens nos meus filmes.

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Love (2015)

E quanto a novos projetos?

Não sei exatamente aquilo que eu vou fazer, mas estou a pensar em diferentes projetos.

Quer falar sobre esses projetos?

Simplesmente porque de momento não estou a preparar nenhum filme. Mas estou a considerar projetos diferentes.

Radiante por ver o seu filme a circular depois da mostra de Cannes?

Eu mudei um pouco, penso que agora a duração esteja com menos um minuto, visto que retirei três minutos do filme e acrescentei dois no final e mudei algumas músicas. O filme atualmente está mais perfeito do que a versão vista em Cannes, cuja música era provisória assim como os créditos. Que não estavam concluídos.

Então digamos que é um diretor 's cut?

Sinceramente, eu não estava à espera que estivesse pronto para o Festival de Cannes, porque em meados de fevereiro, o filme ainda estava a ser filmado. A meio de abril, antes de anunciar os restantes filmes seleccionados para o festival, perguntaram-me se eu queria estar na Sessão da Meia-Noite de Cannes, aceitei mas antes adverti que o filme não estava completo. Faltavam três semanas para o início do festival, contudo, consegui terminar a tempo, foi o maior stress da minha vida.

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