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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Entre “génios” e os “que sabem fazer”

Hugo Gomes, 05.03.16

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Joana (Ivana Baquero, a Pan do “Labirinto do Fauno”) apresenta o seu trabalho na aula de argumento sob os olhares atentos do professor e dos colegas. Entre a audiência encontram-se ainda dois “intrusos” – alunos do terceiro ano entusiasmados por ouvir a ideia da protagonista. Essa dupla é formada por Miguel (Afonso Pimentel) e o apelidado Génio (João Jesus), cuja alcunha é questionada por uma outra colega ao instrutor (Gonçalo Galvão Teles), que responde: “Só pergunta quem o não é“. A história de Joana é ouvida e, a seguir, contestada por Miguel e Génio: enquanto o primeiro fornece uma intriga refém de um eventual twist, a dita “mente brilhante” da argumentação sugere um enredo abrupto que deixa os espectadores às escuras. De seguida o professor dirige-se à colega que expôs a alcunha do rapaz e responde “vês porque é que lhe chamam génio?”.

O curioso é que das três versões ouvidas nesta sequência do filme realizado por Luís Galvão Teles ao lado do seu filho Gonçalo, a de Joana é a mais criativa, ousada e, como se costuma carinhosamente afirmar num ambiente universitário, um pensamento “out of the box“. Já na do suposto Génio, a banalidade e a superficialidade são evidentes. Esta particular sequência remete-nos a um problema vivido em grande parte das Escolas de Cinema do nosso país: o sufoco da criatividade e a formatação de mentes para as quais são criadas arquétipos cinematográficos dispostos a executar o que aprenderam no meio de ensino e nunca pondo em causa tais veias académicas. O resultado, como diria Tarkovsky, é a formação de meros ilustradores e não futuros cineastas.

Se esta determinada cena tinha como propósitos criticar a forma como as universidades combatem a criatividade pessoal, isso não fica claro, mas garante-se que em “Gelo” encontramos um modesto filme que reúne elementos de ficção científica, dirigindo-as para um território mais emocional e intimista e invocando questões sobre a imortalidade e a condição humana. A nossa história, aquela aqui contada, mostra duas jovens completamente distintas, Catarina e Joana, até certo ponto ligadas. O espectador, porém, terá que desvendar tal vínculo enquanto é atirado para uma conspiração científica, uma corporação – Vida Futura – que tem como objetivo prolongar a vida humana através do ADN de um homem congelado há mais de 20.000 anos. Em paralelo, uma rapariga parte para Lisboa para estudar cinema, pelo caminho conhece um rapaz instintivo e misterioso que lhe fala sobre o destino e vozes intransmissíveis.

Gelo” é uma obra tecnicamente capaz (basta olhar para a fotografia de João Ribeiro, que este ano ainda nos presenteia com “Cartas da Guerra”), apoiado num elenco de igual aptidão. O argumento, esse, escrito pela dupla Galvão Teles e por Luís Diogo (para que possamos perdoar-lhe do inenarrável “Pecado Fatal”), teve a proeza de evitar o explícito e o espalhafatoso que este género poderia suscitar. Todavia foi incapaz de fugir aos eventuais buracos argumentativos, e um deles é a inevitável imposição da coprodução, a protagonista espanhola que é estampada na intriga de maneira ilógica.

Mas “desligando” dessas “recaídas de joelhos”, é uma experiência cativante, a de encontrar neste “Gelo” um fresco sopro de vida no cinema português. Nunca recorrendo ao pornográfico “mainstream” nem ao protótipo televisivo que culmina êxitos de bilheteira nacionais, nem sequer afasta-se das audiências com inquisições intelectuais. É simplesmente um exercício de narrativa que se explora nos cantos e recantos obscuros da nossa cinematografia. Agora se perdurará, isso será outra questão, talvez respondida numa qualquer história elaborada por “génios”.

Deadpool, o Pestinha

Hugo Gomes, 04.03.16

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Como um miúdo mal comportado, Deadpool anseia pela atenção, quer como personagem, quer como filme, usufruindo da sua classificação "Rating R" para o efeito. Um dos anti-heróis mais "queridos" e marginais da Marvel, cuja fama tem sido cada vez maior com o decorrer dos anos e das constantes petições e revoltas de fãs pelo seu tratamento no muito sofrível X-Men Origins: Wolverine.

Eis que por fim surge a versão mais fiel da personagem, conservando a sua loucura, disfuncionalidade e deslocação para com o ambiente vivido pelas conversões de comics para grande ecrã. Até porque este novo alter-ego de Ryan Reynolds, a quarta barreira é constantemente quebrada, criando uma improvável empatia do espectador com o nosso … em todo o caso … herói. Mas sob a desculpa do "R", das piadas lançadas a 100 a hora e das referências invocadas de forma descuidada, metralhando a todos os sentidos, Deadpool remonta o mais puro e vulgar do cinema dos super-heróis.

Trata-se de uma obra de origem como tantas outras, com cruzamentos não muito definidos ao universo de X-Men, provavelmente o franchise que integrará um futuro próximo, e com um humor de curto rastilho visto que uma história de dever heroicos e de salvamento a "damas em apuros" tem que ser contada. Isto em tempos em que Kick-Ass havia invocado tal ambiente, porém, o sucesso nem teve um terço desta aposta da Marvel / Fox, Deadpool é um ensaio "outsider", pelo menos assim tenta ser o quanto ao universo omnipresente dos super-heróis no cinema. Não, não é nada de original como havia sido descrito, nem algo como criativo que James Gun, realizador de Guardians of Galaxy, defende perante a nova teima dos estúdios em requisitar o “maiores de 17” para futuras adaptações.

Aliás neste último terço, há que aplaudir a ousadia de Deadpool em "abraçar" tal indesejada classificação e mostrar que os super-heróis também enquadram-se num território mais adulto. Lúdico, ocasionalmente divertido, Ryan Reynolds tem a sua "mina de ouro" e a personagem que o irá acompanhar por muitos anos, visto que as sequelas já estão a caminho!

 

"You're probably thinking "This is a superhero movie, but that guy in the suit just turned that other guy into a fucking kebab." Surprise, this is a different kind of superhero story."

Zoologia utópica

Hugo Gomes, 02.03.16

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Como as distribuidoras portuguesas acham que as “crianças” (o principal alvo) nada sabem sobre distopias ou utopias, a tradução desta nova aposta animada de Disney [“Zootopia”] tornou-se “Zootrópolis”, um lugar situado num futuro paralelo onde os humanos nunca foram civilizados. Ao invés, foram os restantes mamíferos que formaram uma sociedade comunitária e evoluída. Já a Pixar havia feito algo idêntico, e não há muito tempo (no ano passado), com “A Viagem de Arlo” (“The Good Dinosaur”), uma produção desastrosa que se converteu numa das mais subvalorizadas animações dos últimos anos.

Estas distopias, estes “what if” assim por dizer, contraem em ambos os filmes uma essência subliminarmente ecológica, um hino contrário ao antropocentrismo que tem como principal objetivo fundamentar ideias à geração mais “verde”. Contudo, a palavra de ordem em “Zootrópolis” é a discriminação social, uma mensagem que a obra de Byron Howard e Rich Moore tenta passar forçosamente através de um conjunto de gags que hipocritamente salientam os estereótipos das diferentes espécies animalescas.

A nossa história começa quando a coelha Judy Hopps decide contrariar a sua própria natureza, evitando ser uma agricultora como os seus pais, perseguindo os seus sonhos mais íntimos: ser uma agente da autoridade. Depois de receber louvores na Academia da Polícia, Hopps segue para a grande cidade [“Zootrópolis”] a fim de integrar a esquadra policial. Lá, a nossa protagonista enfrenta a discriminação (a este ponto temos o sexismo como sugestão), estando constantemente encarregue de multas de estacionamento os seus colegas tratam dos casos mais importantes. Porém, e com o desenrolar do enredo, Hopps vê-se a “bordo” de um caso do desaparecimento de animais e para o resolver contará com a ajuda de Nick Wilde, uma raposa cuja principal especialidade é a trapacice.

Zootrópolis” é um exemplo bem oleado de animação do popular estúdio, recheado de bom humor, que facilmente adapta-se a miúdos e a graúdos (as piadas em redor a preguiças são um “must“), e de boas intenções que se complementam como morais fabulistas. No entanto, este episódio é tudo menos original (animais antropomorfos é “coisa” que não falta ao ramo da animação familiar), e a previsibilidade acaba por tornar-se no seu pior inimigo. A sua visualização não está longe de entediar, até porque este colorido filme cumpre a sua principal função, mas não esperem nada para além do simples arquétipo animado.

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